quinta-feira, 28 de junho de 2012

As bactérias que comiam pterossauros

Fósseis de microrganismos foram encontrados na crista de réptil voador que viveu há 115 milhões de anos
SALVADOR NOGUEIRA | Edição 196 - Junho de 2012
© VOLTAIRE PAES
Imperador dos ares: crista formada por osso e material fibroso

Uma das coisas mais empolgantes no estudo de fósseis é encontrar preservados os chamados tecidos moles – basicamente tudo o que não é osso no corpo do animal. Sua investigação permite descobertas mais concretas sobre como eram e viveram esses bichos extintos e, nesse sentido, a Formação Crato – na bacia do Araripe, no interior de Pernambuco, Piauí e Ceará – é prolífica. Um novo estudo ajuda a explicar por quê.

Pesquisadores da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), da Universidade de São Paulo (USP) e do Centro de Pesquisas Paleontológicas da Chapada do Araripe encontraram traços de bactérias fossilizadas na crista de um pterossauro que viveu há cerca de 115 milhões de anos. O que aconteceu a esses microrganismos, acreditam, pode ajudar a compreender como tecidos moles foram tão bem preservados em pelo menos alguns dos fósseis achados na região.

O exemplar em questão pertence a uma espécie descrita em 1997 pelos paleontólogos Alexander Kellner e Diógenes de Almeida Campos, batizada de Tupandactylus imperator. Foi encontrado por trabalhadores da Mina Triunfo, próximo à cidade de Nova Olinda, no Ceará, e, apesar de ter sido danificado no momento da coleta, trata-se do melhor exemplar da espécie já encontrado.

O fóssil, que responde pelo código CPCA 3590 no acervo do Centro de Pesquisas Paleontológicas da Chapada do Araripe, se destaca pela enorme crista, que se manteve parcialmente fossilizada. Felipe Pinheiro, pesquisador da equipe de Cesar Schultz no Setor de Paleovertebrados da UFRGS, descreveu o fóssil no ano passado na Acta Palaeontologica Polonica. “Na época, não fazíamos ideia da presença das bactérias”, conta Pinheiro.
Foi somente quando Paula Sucerquia, da USP, fez as primeiras micrografias do fóssil que os pesquisadores notaram a presença de pequenas estruturas em forma de bastonetes na superfície do tecido mole fossilizado. A equipe então passou a investigar a hipótese de que se tratava mesmo de bactérias.
Há registros de fossilização bacteriana espalhados pelo mundo, mas até então nenhum provinha da Formação Crato. Anos atrás houve até quem interpretasse formas semelhantes, observadas em outros fósseis da região, como vestígios de microrganismos, mas investigações posteriores indicaram que poderia haver um engano – em vez de bactérias, o que se via nos outros fósseis seriam possivelmente melanossomos, organelas celulares contendo o pigmento melanina, que, por alguma razão, são extremamente resistentes à decomposição.

Não é o caso das pequenas estruturas encontradas no CPCA 3590. Com base na morfologia, elas foram identificadas como bactérias que estariam decompondo o tecido mole do pterossauro no fundo do então lago Araripe, logo após a morte do réptil voador mais de uma centena de milhões de anos atrás. Se a análise estiver correta, essa é a primeira evidência sólida de fossilização bacteriana proveniente daquela região.

Morte e preservação

A propósito, segundo os pesquisadores, a presença desses microrganismos pode ter permitido a preservação dos tecidos moles no fóssil. Há dois caminhos para que isso aconteça. Num deles, as bactérias que decompõem os animais produzem reações químicas que levam à mineralização dos tecidos. “Na maior parte dos casos, o tecido morto serve como sítio de deposição de fosfato e não é incomum a preservação de estruturas subcelulares, como fibras musculares e até núcleos celulares, com um grau elevado de fidelidade”, explica Pinheiro.

O caso do pterossauro, contudo, é outro. “As próprias bactérias caem em uma armadilha”, conta o pesquisador. “O fosfato que estava diluído se deposita na parede celular desses microrganismos. Isso causa a morte das bactérias, mas permite que elas sejam preservadas como fósseis”, explica o pesquisador, primeiro autor do novo artigo, publicado na revista Lethaia – International Journal of Paleonthology and Stratigraphy. Esse processo, chamado de autolitificação bacteriana, já não é tão gentil com os tecidos moles do animal em processo de fossilização. Como as bactérias formam uma espécie de molde fossilizado, é impossível estudar em detalhes microscópicos o que havia por baixo. Esse trabalho, somado a outros recentes, ajuda a derrubar um mito da paleontologia: o de que a boa preservação do fóssil está necessariamente associada à ausência de decomposição bacteriana.

Uma característica interessante das estruturas granulares – os fósseis das antigas bactérias – encontradas pelos pesquisadores é que algumas parecem se encontrar unidas duas a duas, como se estivessem em meio a um processo de replicação quando fossilizaram.

Embora os próprios pesquisadores admitam que essa evidência ainda é pouco conclusiva, ela é importante por sugerir que a fossilização talvez ocorra muito rapidamente – em horas ou dias após a morte do animal. Quase como uma gentileza da natureza, que permitiria a seres há muito extintos serem descobertos milhões de anos mais tarde.

Artigo científico

PINHEIRO, F. L. et al. Fossilized bacteria in a Cretaceous pterosaur headcrest. Lethaia. 2012.

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