sexta-feira, 3 de fevereiro de 2017

Pesquisa analisa dispersão de parasitas por aves nas Américas

03 de fevereiro de 2017


Peter Moon  |   Agência FAPESP – Monitorar e entender a dispersão de microrganismos com potencial patológico é uma preocupação constante das autoridades sanitárias e epidemiológicas em todo o mundo. Os riscos envolvidos são evidentes, devido à possibilidade da eclosão de surtos de doenças emergentes em humanos ou em animais domésticos e de criação.


Pesquisa analisa dispersão de parasitas por aves nas Américas Trabalho internacional analisa transmissão, a partir de aves migratórias para espécies residentes, de microrganismos com potencial de causar doenças como a malária (fotos: Wikimedia Commons)


A transferência de agentes patológicos por fronteiras pode ocorrer por meio da mobilidade humana, mas também pelo trânsito de animais silvestres. Um dos principais suspeitos a serem monitorados são as aves migratórias, que transportam parasitas por longas distâncias. Mas pouco se sabe sobre a transferência desses parasitas para as populações de aves residentes nos locais de invernagem ou de procriação das aves migratórias.

Recentemente foi publicado no Journal of Biogeography um estudo internacional pioneiro feito a partir da análise para parasitas da malária nas amostras de sangue coletadas em mais de 24 mil aves migratórias e residentes de 23 países dos dois hemisférios americanos.

“Trata-se do maior estudo já feito sobre a parasitologia de aves migratórias das Américas”, disse a bióloga Maria Svensson-Coelho, pesquisadora no Instituto de Ciências Ambientais, Químicas e Farmacêuticas da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp). Nascida na Suécia, Svensson-Coelho foi a responsável pelo processamento de parte das amostras e conta com apoio da FAPESP por meio de um Auxílio à Pesquisa – Jovem Pesquisador no âmbito do programa BIOTA.

“A cada ano, centenas de espécies de aves deixam as suas áreas de invernagem tropicais ou subtropicais para passar o verão nas áreas de acasalamento em altas latitudes, retornando às baixas latitudes no final da estação de acasalamento. Essas espécies estão expostas a diferentes parasitas nas suas áreas de acasalamento boreais ou temperadas e nas áreas de invernagem tropicais ou subtropicais. Potencialmente, podem espalhar parasitas nessas regiões”, disse.
Conhecer como as populações de patógenos se distribuem em vastas áreas geográficas é essencial para o entendimento da epidemiologia dos parasitas, seus padrões locais de virulência e a evolução da resistência nos portadores.

Em 2007, foi feito um levantamento entre 259 linhagens de parasitas em aves distribuídas entre a Europa e a África. Descobriu-se que 31 linhagens que infectam aves migratórias podem ser transmitidas a aves residentes locais. “O objetivo do nosso trabalho é fazer o mesmo tipo de levantamento entre as aves do Novo Mundo”, disse Svensson-Coelho.

No Brasil, a coleta de amostras de sangue das aves migratórias e residentes foi realizada na Estação Ecológica de Águas Emendadas em Brasília e, no Tocantins, no Parque Estadual do Cantão e no Parque Estadual do Lajeado. Alan Fecchio, da Universidade Federal da Bahia, foi o responsável pelas coletas no Cerrado.

Ainda na América do Sul foi investigado material da Amazônia equatoriana e do semiárido da Venezuela. Na América Central entraram o Panamá e o México.

O trabalho também foi realizado em nove estados do leste dos Estados Unidos (Alabama, Connecticut, Illinois, Indiana, Louisiana, Michigan, Missouri, Pensilvânia e Tennessee) e em todas as Antilhas, à exceção de Cuba (Antígua, Bahamas, Barbados, Barbuda, Granada, Guadalupe, Ilhas Caiman, Ilhas Virgens, Jamaica, Martinica, Montserrat, Nevis, Porto Rico, República Dominicana, Saint Kitts, Santa Lúcia, Saint Vincent, Trinidad e Tobago). Não foram estudadas as aves cujas rotas migratórias seguem ao longo da costa do Pacífico, na vertente ocidental dos Andes.

Entre as espécies de aves das quais foram extraídas amostras sanguíneas são exemplos os pardais (Passer domesticus, Passerella iliaca e Melospiza melodia), sabiás (Turdus fumigatus) e outros tordos (Hylocichla mustelinae, Turdus grayi, T. lherminieri, T. migratorius, T. nudigenis e T. plumbeus), o corrupião-laranja (Icterus galbula), a mãe-de-taoca-avermelhada (Phlegopsis erythroptera), a choquinha-de-cauda-ruiva (Epinecrophylla erythrura), a mariquita-de-mascarilha (Geothlypis trichas), as cambacicas ou mariquitas (Coereba flaveola e Setophaga caerulescens), os juncos (Junco hyemalis), as juruviaras (Vireo olivaceus), três espécies da família do bem-te-vi (T. migratorius, Melospiza melodia e Mimus polyglottis) e as toutinegras (Helmitheros vermivorus e Mniotilta varia).

Todas as amostras foram vasculhadas à procura de DNA de parasitas da malária por meio da tecnologia de reação em cadeia da polimerase (PCR). Dentre as 24 mil amostras de sangue pesquisadas, foram identificadas cerca de 4,7 mil com infecções, representando 79 parasitas da malária pertencentes às linhagens de malária aviana do gênero Plasmodium spp. (42 linhagens em 1.982 indivíduos hospedeiros) e também do parasita Haemoproteus spp. (37 linhagens em 2.022 indivíduos hospedeiros), um gênero de protozoários que parasita aves.

“Normalmente, a prevalência é baixa. Na localidade que estudamos no Equador era de 21,6% (ou 539 em 2.488 pássaros infectados) e uma localidade com muitas amostras nos Estados Unidos apresentou 37% de prevalência (ou 271 em 726 pássaros infectados)”, disse Svensson-Coelho.

Segundo a cientista, é preciso coletar muitas aves para se obter uma amostra de tamanho considerável de parasitas uma vez que, em geral, os parasitas só infectam uma fração da população de aves.
“A prevalência pode variar muito não só entre localidades, mas entre espécies dentro dessas localidades. Por exemplo, no Equador, apenas seis de 107 indivíduos (5,6%) de Pipra filicauda (Pipridae) tinham malária, enquanto que 31 de 34 indivíduos (ou 91,2%) de Formicarius colma (Formicariidae) estavam infectados. Esses dados estão no artigo publicado en 2013 no Ornithological Monographs”, disse.

Os parasitas que causam malária aviana (Plasmodium spp.) são responsáveis por sua transmissão em todos os continentes, menos o Antártico. Cerca de 60 espécies da linhagem já foram descritas, de um total estimado de mais de 500.

Nas Américas, o sistema migratório difere daquele entre a Europa e a África no sentido de que as rotas migratórias são mais curtas, especialmente nas Antilhas e América Central. As aves migratórias também são mais propensas a encontrar espécies residentes relacionadas a elas nas áreas de acasalamento e de invernagem do Novo Mundo, diferentemente do que ocorre entre a Europa e a África.

“A afinidade de famílias ou mesmo de gêneros entre as aves migratórias e residentes americanas provavelmente aumenta a probabilidade de transmissão entre portadores migrantes e residentes”, disse Svensson-Coelho.

Doenças emergentes

Uma das diferenças mais notáveis entre o levantamento feito em 2007 e esse último foi que apenas duas linhagens (entre 250 de três gêneros de parasitas) foram encontradas em aves hospedeiras da Europa e África, comparadas às 13 entre 79 linhagens de Plasmodium e Haemoproteus detectadas nas aves residentes americanas.

“O papel das aves migratórias na dispersão dessas linhagens de parasitas entre as regiões temperadas e tropicais parece ser maximizado nas Américas. Talvez isso se deva às rotas migratórias relativamente curtas de várias espécies que passam o inverno na América Central e no Caribe, ou pela afinidade taxonômica de uma grande parte das aves americanas de regiões temperadas e tropicais”, disse Svensson-Coelho.

As linhagens de malária aviana não são transmissíveis a humanos, mas as aves migratórias transportam muitos outros microrganismos. Entre os patógenos que infectam humanos, as aves migratórias foram responsáveis, por exemplo, pela rápida expansão pela América do Norte de uma doença emergente como a Febre do Oeste do Nilo, originária da África.

Outro exemplo é o vírus da gripe, que é endêmico e inofensivo nas aves aquáticas, em sua grande maioria migratórias (patos, gansos, marrecos e cisnes). São elas as responsáveis pela disseminação das novas linhagens do vírus influenza pelo planeta.

O artigo (doi: 10.1111/jbi.12928), de Robert E. Ricklefs, Maria Svensson-Coelho e outros, publicado no Journal of Biogeography, pode ser lido em: http://onlinelibrary.wiley.com/doi/10.1111/jbi.12928/abstract.

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