Mamíferos à tona
Biólogos encontram em média oito novas espécies de mamíferos por ano na América do Sul
MARIA GUIMARÃES |
ED. 130 | DEZEMBRO 2006
Um macaquinho (sem a cauda não chega a 20 centímetros) de pelos escuros nas costas e alaranjados na frente, com uma coroa triangular escura, encontrado na Amazônia, foi batizado de sagui-anão-da-coroa-preta (Callibella humilis). Um tuco-tuco malhado pode representar uma nova espécie do gênero Ctenomys, já que esses roedores subterrâneos comuns no Rio Grande do Sul são em geral cor de areia ou marrons. Esses são exemplos de mamíferos descobertos de norte a sul do país nos últimos dez anos. De acordo com Yuri Leite, biólogo da Universidade Federal do Espírito Santo (Ufes), o destaque do I Congresso Sul-Americano de Mastozoologia (estudo dos mamíferos), realizado em outubro na cidade gaúcha de Gramado, foi “a constatação de que o número de espécies (e gêneros) de mamíferos sul-americanos aumentou absurdamente”.
No Brasil, o país com maior diversidade biológica no mundo, até hoje foram descritos cerca de 530 mamíferos, em geral pequenos. Nossos marsupiais não são cangurus boxeadores de desenho animado: podem ser do tamanho de um dedo, como a catita (Gracilinanus microtarsus), um dos menores desse grupo.
A destruição de florestas ameaça a existência desses animais, com 66 espécies em risco de extinção na lista vermelha do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama) em 2003. Apesar disso, mais trabalho de campo e novas técnicas de trabalho têm aumentado rapidamente o número de espécies conhecidas.
Leite, Leonora Costa e outros biólogos da Ufes relatam na revista Megadiversidade que são descobertos por ano em média um novo gênero e oito novas espécies de mamíferos. A estimativa é de que nos próximos 20 anos mais do que dobrará o número de mamíferos catalogados na América do Sul. Muitos deles são novos nos registros científicos, mas a maior parte vem de revisões da classificação. No American Museum Novitates de 19 de outubro, Marcelo Weksler, biólogo brasileiro na Universidade do Alasca, Alexandre Percequillo, da Universidade Federal da Paraíba (UFPB), e Robert Voss, do Museu Americano de História Natural de Nova York, acrescentaram dez gêneros de roedores à América do Sul.
Para um grupo de animais estudado há séculos, é surpreendente que ainda reste tanto por descobrir. Nos últimos 12 anos surgiram no mundo três novas ordens, 94 gêneros (a maioria de reclassificações e 29 novos para a ciência) e 815 espécies (298 novas e 125 da América do Sul).
Essa avaliação foi feita pelo norte-americano Jim Patton, da Universidade da Califórnia em Berkeley, que comparou a segunda (1993) e a terceira (2005) edições do livro Mammal Species of the World, de Wilson & Reeder, que lista as espécies de mamíferos conhecidas.
Surgem tantos animais novos porque técnicas de análise mais refinadas distinguem detalhes que antes passavam despercebidos. Animais podem parecer diferentes entre si e pertencer à mesma espécie. Um gato peludo cinzento e outro malhado de pêlo curto são igualmente gatos. Por outro lado, espécies à primeira vista iguais podem ter diferenças invisíveis a olho nu que fazem com que não possam procriar entre si, o que as separa do ponto de vista biológico. Segundo Leonora, a proliferação do número de espécies deriva sobretudo do impacto da análise de diferenças no DNA entre grupos de animais. Além disso, novas técnicas de medição, como a morfometria geométrica, começam a ser mais utilizadas e devem ampliar o conhecimento sobre a biodiversidade.
Régua digital
Tradicionalmente, parte da distinção entre espécies se baseia em medidas tomadas do crânio. O instrumento mais utilizado é o paquímetro, uma régua com dois braços dos quais um desliza para medir distâncias em superfícies curvas ou irregulares. Mas técnicas modernas permitem análises muito mais refinadas e precisas. O grupo de Gabriel Marroig, da Universidade de São Paulo (USP), usa um aparelho parecido com uma caneta que pende de um braço articulado. O equipamento tem um ponto de repouso e traduz qualquer movimento em coordenadas tridimensionais. A caneta, encostando em pontos específicos de cada crânio estudado, transmite essa informação a um computador. Forma-se uma imagem digital que pode ser usada para tirar medidas ou comparar o crânio com o de outras espécies. Marroig usa essa técnica para compreender a evolução dos primatas sul-americanos.
Para atingir uma classificação mais precisa, os pesquisadores somam informações de diversos tipos. Durante seu doutorado Leonora analisou o DNA de marsupiais brasileiros para compreender suas origens e sua diversidade. Para refinar suas conclusões ela agora complementa os dados com observações da morfologia dos animais. Esses resultados ajudaram a aumentar em 70% o número de espécies de marsupiais sul-americanos nos últimos 13 anos.
Além das novas técnicas, o que tem contribuído para o avanço do conhecimento sobre mamíferos é a integração de áreas, promovida por profissionais dispostos a colaborar. Os sistematas, que analisam os dados para pôr ordem nas árvores genealógicas e dão nome aos novos bichos, muitas vezes não são os mesmos que fazem os estudos genéticos ou morfométricos. Por isso, pouco se faria sem esforços conjuntos.
Segundo Leonora, a preocupação com o meio ambiente se tornou mais forte após a Conferência do Rio em 1992 e aumentou o interesse em estudar a diversidade biológica. Iniciativas de conservação como a da União Mundial para a Conservação da Natureza (IUCN) consistem em reunir informações para elaborar listas globais de espécies ameaçadas, alteradas conforme as pesquisas avançam. Pode ser o caso do rato-do-mato-laranja (Rhagomys rufescens), que Yuri Leite e colaboradores mostraram não ser tão raro quanto se pensava. Para encontrá-lo, bastou inovar no método de captura: o que funciona é a antiga técnica chamada pitfall, que não passa de um balde enterrado no chão. “Com base nos dados mais recentes”, diz Leonora, “o Rhagomys deveria ser retirado da lista da fauna ameaçada de extinção”.
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