O suicídio da veterinária que sacrificou centenas de cães de rua em Taiwan
Chien se matou em maio do ano passado usando a mesma droga que dava aos animais ao sacrificá-los imagem: Arquivo pessoal
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Uma
nova lei proibindo o sacrifício de animais está entrando em vigor em
Taiwan. Ela vem quase um ano após o suicídio de uma veterinária abalada
com a situação de animais recolhidos em abrigo, um caso que causou
grande comoção no país. Abaixo, a repórter da BBC Cindy Sui conta como o
caso acabou precipitando a criação da nova lei:
Talvez a
veterinária e amante dos animais Chien Chih-cheng estivesse no emprego
errado na hora errada. "Ela muitas vezes trabalhava até tarde", conta
Winnie Lai, colega de trabalho dela em um abrigo para cães abandonados
na cidade de Taoyuan. "Quase nunca tirava uma hora para o almoço e
sacrificava seus feriados para dar aos cachorros mais atenção e melhorar
suas vidas."
Formada em uma das melhores universidades do país e
com uma das mais altas pontuações nos exames finais, Chien poderia ter
escolhido um trabalho de chefia na sede do abrigo, mas optou por cuidar
pessoalmente de cães que são abandonados todos os anos em Taiwan.
A
entrada era decorada com desenhos e fotos de animais feitos por Chien
para motivar adoções, mas a maioria dos animais acabava sendo destinada
ao sacrifício.
Em 5 de maio do ano passado, Chien se matou usando a
mesma droga administrada no sacrifício de cães. Ela disse que queria
ajudar as pessoas a entenderem o destino de cães abandonados em Taiwan.
O
caso teve grande impacto no país pela morte trágica de uma pessoa tão
jovem - e levantou, também, um questionamento acerca das pressões
suportadas pelas pessoas que trabalhavam na linha de frente da batalha
contra o abandono dos animais de estimação.
Vieram à tona imagens
de uma entrevista que Chien tinha dado a uma rede de TV local, em que
descreve a primeira vez que viu um animal sendo sacrificado. "Eu fui
para casa e chorei a noite toda", diz ela.
Mas surgiram também
detalhes sobre o dilema vivido por ela. Empregados do abrigo não queriam
sacrificar os cães, mas Chien e outros viam essa como a solução "menos
dolorosa" para os animais que ficavam ali, envelhecendo sem ser
adotados, correndo risco de pegar doenças por causa da superlotação do
local.
Ela chegou a sofrer ataques pessoais, e recebeu o apelido
de "a bela assassina" quando foi revelado que Chien já havia sacrificado
700 cachorros em dois anos.
Taiwan vive problema de abandono de cães imagem: BBCTaiwan vive problema de abandono de cães "Eles
a chamaram de açougueira…nós muitas vezes éramos repreendidos. Algumas
pessoas diziam que iríamos para o inferno. Eles dizem que nós gostamos
de matar e que somos cruéis", disse Yu-jie, um dos funcionários que
trabalhavam com ela.
"Mas as pessoas continuam a abandonar seus
cachorros. Você ouve todos os tipos de motivos: o cachorro é muito
bravo, ou não é nem um pouco bravo, ou late muito, ou não late o
suficiente…"
Alta taxa de mortes Além do
número de abandonos de cães ser muito elevado em Taiwan, grande parte
desses animais são largados nas ruas sem ser esterilizados facilitando a
procriação descontrolada, aumentando de fato o problema.
A
situação melhorou na última década, graças a uma maior conscientização
da população e aos esforços de abrigos e ativistas que fazem campanhas
contra o abandono e também para motivar adoções.
Mas o número de animais sacrificados ainda segue alto e abrigos sofrem com falta de recursos.
O
trabalho é difícil e exige dedicação. Em alguns abrigos, metade dos
animais são mortos. Em 2015, cerca de 10,9 mil cães foram sacrificados -
e outros 8,6 mil morreram por outras causas, como doenças.
Na entrevista à TV, Chien contou como era o procedimento de sacrifício de um cachorro.
"Inicialmente,
nós o deixamos dar um passeio e comer um pouco e conversamos com ele.
Quando você o coloca na mesa, ele está muito assustado e todo o corpo
está tremendo, mas depois que você administra a droga, em três a cinco
segundos ele para, já não se mexe mais. Na verdade, é muito triste".
Nenhum
tipo de auxílio psicológico era oferecido para quem trabalhava ali. E o
abrigo de Taoyuan tinha uma das menores taxas de sacrifício e uma das
maiores de adoções entre os canis do país.
Uma carta que Chien
deixou quando se matou sugere que sua preocupação com o bem-estar dos
animais havia consumido suas forças. Seus colegas atestam isso, embora
especialistas digam que os motivos que levam uma pessoa a cometer
suicídio são muitos e complexos.
"Ela se colocava sob muita
pressão. Ela gostava e se importava muito com os animais, então a
pressão do trabalho a afetava", disse Lai.
Colegas de trabalho de Chien ainda sofrem com sua perda imagem: BBC Na
carta que deixou, Chien escreveu: "Eu espero que minha ida faça com que
vocês percebam que cachorros abandonados também são vidas. Espero que o
governo entenda a importância de controlar o problema. Por favor,
valorizem a vida".
O caso teve grande repercussão. Alguns jornais
acusaram o governo de terem "assassinado" Chien, mencionando que as
autoridades haviam falhado na tentativa de encontrar soluções efetivas
para acabar com o abandono de animais de estimação ou para prevenir a
reprodução dos cães abandonados.
Muitos acusaram "burocratas de
alto nível" de terem tentado convencer o público de que Chien fez isso
porque não conseguia aguentar a pressão no trabalho. Outros ainda
disseram que era muito fácil culpá-la juntamente com os outros
funcionários do abrigo, mas que todos deveriam assumir sua
responsabilidade na questão.
Alegavam que a raiz do problema era a
falta de fiscalização da lei de esterilização. O chefe da seção de
proteção animal do Conselho de Agricultura, Chiang Wen-Chuan, disse que a
lei que exige que os donos esterilizem os animais, só entrou em vigor
recentemente e que, por isso, ainda não era possível aplicar multas
imediatamente.
Apesar de funcionários visitarem cerca de 60 mil
donos de animais a cada ano, para pedir que eles sigam a lei, apenas 30%
dos 1,7 milhões de cães da ilha são castrados.
Medidas a curto prazo
A
partir de 4 de fevereiro deste ano, será ilegal sacrificar animais
abandonados. Os orçamentos para os abrigos também aumentaram 40%, haverá
mais inspectores e agora todos que desejam abandonar seus animais de
estimação em um abrigo precisarão pagar uma taxa alta - cerca de US$
125.
Chien já sabia, quando morreu, que uma nova lei estava para ser implementada imagem: BBC As
autoridades dizem que isso não tem qualquer relação com o suicídio de
Chien ou com sua história, que foi considerada simplesmente uma tragédia
humana.
O governo prometeu aumentar os recursos e as equipes que
trabalham em abrigos e oferecer apoio psicológico. Mas muitos veem isso
como apenas medidas de curto prazo.
"Nós temos uma equipe muito
pequena. Taiwan conta com apenas 140 funcionários de proteção animal",
disse Chiang. "É um problema sistemático. Acabar com o sacrifício,
ampliar os abrigos e aumentar o número de funcionários não resolverá,
disse Wen-Chuan "
Muitos donos acham que a esterilização altera a
personalidade dos cachorros. Outros querem criar os animais para dar aos
amigos ou para vender.
Ativistas querem que o governo fiscalize
os criadores de animais, dê subsídios a ONGs para a esterilização e
ofereça assistência a grupos que resgatam cães abandonados.
Talvez
Chien não tenha sido o motivo para as mudanças, mas seu amor pelos
animais não será esquecido por seu marido, que também trabalha com eles,
e seus colegas de trabalho - que ficaram muito abalados com sua morte.
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