Mais tempo para discussão
04/05/2011
Por Elton AlissonAgência FAPESP – A votação da reforma do Código Florestal, que está prevista para ocorrer nesta quarta-feira (4/5) na Câmara dos Deputados, em Brasília (DF), deveria ser adiada por pelo menos mais dois anos para possibilitar um amplo diálogo sobre o projeto, que envolva todos os setores da sociedade e seja fundamentado na ciência.
A proposta é de um grupo de cientistas ligados à Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC) e à Academia Brasileira de Ciências (ABC), que participou da realização do estudo O Código Florestal e a Ciência – Contribuições para o Diálogo.
Nos últimos dez meses, entre julho de 2010 e abril de 2011, o grupo fez um ordenamento territorial do Brasil, levantando, entre outros aspectos, a utilização da terra e qual a extensão destinada à agricultura. Além disso, também analisou os principais tópicos abordados no Projeto de Lei nº 1.876/99, que propõe a alteração do Código Florestal brasileiro.
Ao estudar essas duas questões, os pesquisadores concluíram que o atual Código Florestal brasileiro, de fato, não se ajusta mais à paisagem do Brasil e precisa incorporar a ciência moderna. Entretanto, segundo eles, o substitutivo apresentado pelo relator do projeto, o deputado federal Aldo Rebelo (PCdoB), piora, em grande medida, as inconsistências do Código atual.
Em função dessa constatação, os cientistas pleiteiam que a votação do projeto seja adiada por, pelo menos, mais dois anos, para que se possa fazer uma análise científica completa da proposta e promover um acordo entre a sociedade, e não somente de setores específicos.
“É preciso olhar as paisagens do Brasil hoje com outros olhos. Na época em que o último Código Florestal foi aprovado não havia capacidade de fazer mapeamento em detalhes como nós podemos fazer hoje, identificando onde estão os brejos, as encostas e onde há problemas de erosão. Se hoje temos tecnologia para fazer isso, por que insistir em uma legislação ultrapassada?”, disse Antônio Donato Nobre, pesquisador do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe) e relator do grupo de trabalho, à Agência FAPESP.
Segundo Nobre, a comunidade científica entrou com um relativo atraso nas discussões sobre a mudança do Código Florestal brasileiro por, entre outras razões, não ter sido convidada para participar do debate. Em função disso, o estudo elaborado pela SBPC e ABC foi entregue em cima da hora, quando já estavam sendo costurados os acordos entre os ministérios e as lideranças dos partidos.
Ao perceber que a ciência não estava contemplada na discussão e que o projeto de reforma do Código estava para ser votado, a SBPC e a ABC decidiram instituir um grupo de trabalho, composto por 12 pesquisadores das áreas de agronomia, engenharia florestal, ciências da terra, hidrologia, meteorologia, biologia, ciências sociais, genética, biotecnologia, economia ambiental e direito, para estudar o assunto em profundidade.
Entre os integrantes do grupo estão Carlos Nobre, membro da coordenação do programa FAPESP de Pesquisa sobre Mudanças Climáticas Globais e titular da Secretaria de Políticas e Programas de Pesquisa e Desenvolvimento (Seped) do Ministério da Ciência e Tecnologia (MCT), e Carlos Alfredo Joly, membro da coordenação do programa BIOTA-FAPESP e diretor do Departamento de Políticas e Programas Temáticos (DPPT) da Seped.
Durante os dez meses de trabalho, o grupo de pesquisadores revisou mais de 300 artigos científicos e consultou diversos especialistas para analisar e avaliar as principais alterações propostas pela revisão do Código, com uma abordagem interdisciplinar. Além disso, também ouviu gestores, parlamentares e setores interessados pela questão, para coletar opiniões.
O trabalho resultou no estudo, com 124 páginas, que foi apresentado em 25 de abril ao presidente da Câmara dos Deputados, Marco Maia, ao ministro da Agricultura, Pecuária e Abastecimento, Wagner Rossi, e a Rebelo.
Segundo Antônio Nobre, uma das principais contribuições do estudo para a discussão sobre a mudança do Código Florestal foi inserir a ciência no debate sobre o tema, que tem enorme relevância para a sociedade brasileira e grande impacto social.
Em função disso, foi possível elaborar um documento com recomendações baseadas unicamente em evidências científicas, sem apoiar um dos dois lados envolvidos no debate – os ruralistas e os ambientalistas.
“Quando foi divulgado que a SBPC e a ABC preparavam um estudo sobre o projeto de reforma do Código, havia um temor de que estivéssemos apoiando os ambientalistas. Mas elaboramos um estudo isento de paixões, que mostrou a enorme viabilidade de se agregar a ciência a essa discussão”, afirmou.
Contribuições do estudo
De acordo com Nobre, uma das principais inovações apresentadas pelo estudo é que não é necessário engessar com números as Áreas de Preservação Permanente (APPs), que é um dos pontos que geram mais controvérsia entre ruralistas e ambientalistas.
“Não queremos número fixo, mas que seja olhada a paisagem para analisar os riscos e potenciais por meio de tecnologias de mapeamento de terreno”, disse.
O estudo também mostra que a manutenção das APPs ao longo das margens de rios e corpos d’água, de topo de morros e de encostas com declividade superior a 30 graus é de fundamental importância para a conservação da biodiversidade. A definição da largura, no entanto, dependeria de vários fatores, tais como o tipo de serviço ecossistêmico e a largura de conservação da vegetação.
Em relação às áreas das Reservas Legais (RLs), a recomendação é não diminuir seu tamanho. Se forem reduzidas, por exemplo, as RLs de áreas florestais de 80% para 50%, isso poderá favorecer a redução da cobertura da Amazônia para níveis abaixo de 60%, percentual considerado crítico para a manutenção física da floresta. Abaixo desse limiar, aponta o estudo, os ambientes tendem a ficar isolados e com maior risco de extinção das espécies.
Além de apontar novos caminhos para a definição de áreas de conservação das APPs, o estudo também mostra como a proteção dessas áreas pode ser convertida em serviços florestais, pagos por quem vive na cidade e se beneficia da preservação ambiental feita no campo.
“Se esse projeto fosse votado daqui a dois anos, teríamos a oportunidade de ter uma legislação ambiental do século 21 moderna e iluminada pela ciência. Mas, se for votado da forma como foi proposto, esse será o primeiro Código Florestal elaborado no Brasil, desde 1934, que não tem o aporte da ciência”, disse Nobre.
O estudo pode ser acessado em www.sbpcnet.org.br/site/arquivos/codigo_florestal_e_a_ciencia.pdf.
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