Impasse florestal
Aprovação do novo código que define os direitos de propriedade e as restrições de uso de áreas verdes é adiada, mas não por tempo suficiente para promover o debate sobre os impactos que a legislação pode trazer ao meio ambiente.
Publicado em 09/05/2011 | Atualizado em 09/05/2011
Pesquisadores da SBPC defendem mais tempo para discutir o novo Código Florestal, documento que decide, entre outras questões, as características das áreas de preservação ao redor de rios. (foto: Wayne Lindbergh Silva/ CC BY-NC-SA 2.0)
O adiamento desagradou ruralistas pela possibilidade de serem feitas mais mudanças no texto nesse intervalo. E, ao contrário do que se podia imaginar, também não agradou aos ambientalistas e à comunidade científica, que pedem mais do que apenas alguns dias para discutir as medidas do novo código.
No dia 28 de abril, a comunidade científica, representada pela Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC), apresentou à Câmara dos Deputados um relatório que aponta as inconsistências científicas da nova legislação.
Os doze autores do estudo propuseram que a votação fosse adiada por dois anos, período que, segundo eles, deveria ser usado para avaliar os efeitos que o novo código provocaria no meio ambiente e na agricultura.
“O Código Florestal em vigor não se ajusta mais à paisagem do Brasil, mas o novo piora ainda mais a situação do meio ambiente”
“O Código Florestal em vigor não se ajusta mais à paisagem do Brasil, mas o novo piora ainda mais a situação do meio ambiente e não leva em consideração o saber científico”, diz o relator do estudo da SBPC, o engenheiro agrônomo Antônio Donato Nobre, do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe).O estudo, que levou dez meses para ficar pronto, afirma que as áreas de preservação permanente (APPs) ao longo das margens de rios e corpos d’água com até 5 metros de largura não deveriam ser reduzidas de 30 metros de largura, estabelecidos pela legislação atual, para 15 metros, como propõe o novo código.
A SBPC alerta que os rios de até 5 metros de largura respondem por cerca de 50% da rede de drenagem do país. Se a mudança de tamanho dessas APPs for feita, haverá uma diminuição de 31% nas zonas protegidas em relação à lei atual. Essa situação deixaria as regiões próximas aos rios mais suscetíveis a enchentes e alagamentos, que põem em risco as populações e prejudicam a biodiversidade local.
APPs mais flexíveis
Na última segunda-feira, dia 2, o deputado Aldo Rebelo divulgou que seriam mantidos os 30 metros de largura das APPs em torno de rios. No entanto, para os cientistas, não será suficiente que o deputado cumpra a palavra.De acordo com Nobre, a adoção de áreas rígidas para conservação não é a solução ideal. “Há lugares em que o solo ao redor dos rios precisa ser preservado em até 100 metros e outros em que 10 metros são o bastante”, diz o pesquisador. “Quando se estabelece uma faixa fixa, protege-se demais em um lugar e de menos em outro.”
Nobre propõe que o Código Florestal preveja o uso de tecnologias de mapeamento e sensoriamento remoto para identificar as áreas de risco de cada região e então definir um tamanho e um local adequado para as APPs caso a caso.
“Já temos tecnologia para fazer um mapeamento completo do relevo, da vegetação e do clima do Brasil em dois anos”, afirma o pesquisador. “Se fizéssemos isso, poderíamos ver, como no Google Earth, todas as fazendas do país e definir a melhor área para a APP.”
O engenheiro agrônomo ressalta que um delineamento mais preciso das APPs traria benefícios não só para a conservação da biodiversidade, defendida pelos ambientalistas, como também para a agricultura, bandeira dos ruralistas.
“As zonas de preservação são uma forma de proteção para a agricultura, pois previnem a desertificação e a degradação do solo e tornam a produção muito melhor”, explica Nobre.
Reserva legal fora da lei
Outro ponto de discussão que divide opiniões e também foi levantado pelo estudo da SBPC é a necessidade de se respeitar a reserva legal, parcela de mata nativa que os proprietários de terra são obrigados a manter.A lei em vigor determina que as propriedades rurais na Amazônia Legal preservem 80% da vegetação em áreas de floresta e 35% em áreas de cerrado. Para os demais biomas do país, a exigência é de 20%.
O texto do novo código mantém a reserva legal, mas desobriga os proprietários de terrenos de até quatro módulos fiscais – faixa que pode variar de 100 a 400 hectares de acordo com o município – de reflorestarem as áreas já desmatadas além do permitido.
De acordo com o estudo da SBPC, 42 milhões de hectares, dos 236 milhões que deveriam ser destinados à reserva legal no país, são indevidamente usados e desmatados.
“Já estamos muito atrasados em questão de conservação e, com a proposta do novo código, ficaremos ainda mais distantes do ideal”, pondera Nobre. Para o pesquisador, não existe motivo que justifique a destruição das áreas de reserva legal, pois elas não são improdutivas. É permitido, por exemplo, o extrativismo de mel e de madeira.
Mais tempo e ciência
Nobre ressalta que não há razão para que a votação do novo código seja feita ainda esta semana e que o uso da ciência e da tecnologia poderia aprimorar a legislação.“Por que não podemos esperar dois anos e fazer uma lei florestal avançada e baseada na ciência?”
“Essa pressão toda para votar não interessa ao Brasil. Se vamos esperar três anos para a Copa do Mundo, por que não podemos esperar dois anos e fazer uma lei florestal avançada e baseada na ciência?”Se o código for mesmo votado amanhã, o pesquisador espera que pelo menos seja criado um termo de flexibilização que inclua o uso das tecnologias para identificação de zonas de risco no futuro.
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