Geneticamente reprovada, socialmente presente
Enquanto a biologia reafirma a falta de bases científicas
para sustentar o conceito de raça, seu aspecto social permanece vivo e
no centro das discussões.
Publicado em 20/11/2012
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Atualizado em 20/11/2012
O Dia Nacional da Consciência Negra é celebrado na data da
morte de Zumbi, líder do Quilombo dos Palmares. O quilombo serviu de
refúgio a escravos e chegou a atingir uma população de 20 mil no séc.
17. (foto: Luciano Osório/ Flickr – CC BY-NC-SA 2.0)
Apesar das recorrentes discussões e reafirmações científicas sobre a falta de evidências para a distinção de raças, esta ainda é uma questão política e social central no Brasil e no resto do mundo, como afirmaram os especialistas consultados pela Ciência Hoje On-line para celebrar a data.
O conceito de raças inexistia nas relações humanas de tempos remotos. Ele data de poucos séculos atrás. É contemporâneo do tráfico de escravos africanos para a América e está muito ligado aos esforços da ciência da época para catalogar o mundo.
Em especial no decorrer do século 19, o racialismo ou racismo científico, baseado em características morfológicas – como a cor da pele e o formato do crânio –, dividiu a humanidade em raças hierarquizáveis. Tal forma de pensamento atingiu seu ponto culminante com a ascensão do nazismo e da crença da superioridade ariana.
- No século 19, a ciência classificava as raças humanas a partir de parâmetros como a cor da pele e o tamanho da cabeça. Depois do holocausto, as teorias ligadas a esse racismo científico foram abandonadas. (foto: Wikimedia Commons)
A pesquisadora defende que, após a Segunda Guerra, a falta de evidências científicas acabou fragilizando o conceito biológico de raças humanas, mas a questão não perdeu sua importância social.
Com a palavra, a genética
Mas o que seria uma raça humana? Biologicamente, trata-se de um conceito taxonômico utilizado para caracterizar um grupo de indivíduos.“O isolamento causado pela migração de nossos antepassados pelos continentes levou realmente a uma diferenciação genética, mas, no caso humano, ela é bem menor do que seria necessário para afirmarmos a constituição de raças distintas”, explica o geneticista Francisco Salzano, da Universidade Federal do Rio Grande do Sul.Trabalhos do também geneticista Sérgio Pena, da Universidade Federal de Minas Gerais – alguns dos quais já foram divulgados aqui na CH On-line e nas páginas da CH (exclusivo para assinantes) –, têm mostrado variações genéticas maiores dentro dos chamados ‘grupos raciais’ do que entre eles. Neles, Pena ressalta a impossibilidade de classificar geneticamente a população brasileira em raças. Para o pesquisador, cada um de nós é um ser único, diferente de qualquer outro.
- As diferenças genéticas mais marcantes surgem não entre grupos étnicos diferentes, mas no interior de cada um deles, importante evidência para descaracterizar a existência de raças humanas distintas. (foto: Eric Constantineau/ Flickr – CC BY-NC 2.0)
O geneticista destaca, no entanto, que esses marcadores não estariam ligados apenas a características físicas e não justificariam qualquer tipo de preconceito. “Encontramos indivíduos com cor de pele diferente geneticamente associados à população do mesmo continente e vice-versa”, pondera. “Além disso, mesmo que essas diferenças possam indicar uma propensão maior de alguma população a certas doenças genéticas, por outro, não determinam méritos ou aptidões de seus membros. Não há justificativa para qualquer discriminação baseada nisso.”
Um olhar social
Independentemente do que diga a genética, o fato é que o racismo está fortemente presente na nossa sociedade e sempre deu o que falar – para o bem e para o mal. É no que acredita a antropóloga Lília Schwarcz. “De um lado, nossa cosmologia oficial inflaciona o lado exótico da mestiçagem, expresso na mulata, no carnaval e na capoeira”, avalia. “Mas, por outro, exotiza a pobreza ou vincula as favelas, as drogas e a violência aos negros, maneiras de 'naturalizar' desigualdades que não são biológicas, mas históricas, sociais e culturais.”Para Schwarcz, o Brasil ainda apresenta fortes práticas discriminatórias e o tema é arena de importantes e atuais disputas políticas e sociais. “Temos uma combinação de inclusão com exclusão às vezes muito perversa. Se compararmos quaisquer indicadores nacionais, sejam relativos a trabalho, renda ou mortalidade infantil, há sempre uma diferença entre brancos e negros”, afirma. “A própria forma de designar esses grupos é social, reflete uma escolha política não neutra, por isso agenciamos e mudamos cores no Brasil.”
Schwarcz: “As cotas são importantes num país que pratica um preconceito dissimulado, promovem a reflexão”
Salzano é mais ponderado nessa questão: “As cotas devem ser pensadas com cuidado, pois a constituição garante a não discriminação por raça, sexo ou religião e, ao favorecer um grupo, desfavorece outro. Não é fácil encontrar um equilíbrio”.
Mas Schwarcz também faz ressalvas. Para a antropóloga, as ações de afirmação coletiva precisam ser mais amplas do que as políticas de cotas. Elas devem passar pelo processo educativo e por sua aplicação como prática cidadã. “Pode parecer inocente que crianças negras queiram ser a Branca de Neve, mas isso levanta várias questões: por que não contar outras histórias? Por que não valorizar outros modelos? Por que não apresentar, além da história da Europa e da América, a da África? Há muitas possibilidades de políticas afirmativas, todas importantes expressões de cidadania.”
Genes em exposição
Uma
boa opção para saber mais sobre os conhecimentos genéticos relacionados
à discussão racial é a exposição ‘Revolução Genômica’, em cartaz no
Palácio Anchieta, em Vitória, no Espírito Santo. A mostra, organizada
pelo Instituto Sangari e pelo Museu de História Natural de Nova Iorque,
apresenta a trajetória da pesquisa na área, com destaque para o
desenvolvimento do Projeto Genoma, no final da década de 1990. Ela
também aborda questões centrais para a pesquisa atual, como as terapias
genéticas e a clonagem, além de contar com atrações interativas, como o
Genomômetro, que permite comparar a semelhança genética entre seres
vivos, e o Faça o seu Transgênico, que permite construir virtualmente um
organismo geneticamente modificado. ‘Revolução Genômica’ fica em cartaz
no Palácio Anchieta até 9 de dezembro. O espaço está aberto à visitação
de terça a sexta-feira, das 8h às 18h, e, nos sábados e domingos, das
9h às 17h.
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