Erros em artigos científicos brasileiros são mais conceituais do que de expressão
Terça, 05/11/2013
Erros em artigos científicos brasileiros são mais conceituais do que de expressão
Por Elton Alisson
Agência FAPESP – A
redação científica ainda representa o “calcanhar de Aquiles” de muitos
pesquisadores brasileiros. E os erros cometidos ao escrever uma tese ou
artigo científico estão muito mais relacionados a problemas de
metodologia de pesquisa do que à falta de habilidade com as palavras
para apresentar os resultados de forma clara, concisa e interessante.
A análise de Gilson
Volpato, professor do Departamento de Fisiologia do Instituto de
Biociências da Universidade Estadual Paulista (Unesp), campus de
Botucatu, está na sexta edição revisada e ampliada do livro Ciência: da filosofia à publicação.
Lançada no início de dezembro, a edição acrescenta quatro novos capítulos aos nove da primeira edição, publicada em 1998. Um deles apresenta um breve resumo da história da filosofia para explicar por que a ciência é feita tal como é hoje – aceitando conclusões apenas se forem baseadas em evidências empíricas (comprovadas experimentalmente).
A ideia desse capítulo,
segundo Volpato, é demonstrar ao leitor o caráter indissociável entre a
prática da ciência e questões teóricas e filosóficas, e que só é
possível fazer boa ciência e escrever artigos para publicação em
revistas de elevado fator de impacto quando se tem uma boa formação
filosófica e um entendimento muito preciso dos conceitos científicos.
“É necessário ter uma
compreensão muito clara sobre o que é fazer ciência para realizar boas
pesquisas, que resultem em artigos sólidos para serem publicados em
revistas de alto nível. Não dá só para corrigir a ponta desse processo –
a redação científica – sem ter uma base bem fundamentada por trás
disso”, disse Volpato à Agência FAPESP.
Especialista em redação e
publicação científica, o autor – que dá cursos na área e já auxiliou
pesquisadores brasileiros a reescreverem mais de 250 artigos científicos
nas áreas de humanas, exatas e biológicas – avalia que alguns dos
artigos publicados por cientistas do país apresentam muitos problemas
estruturais.
Entre eles estão
introduções que não cumprem essa função, tabelas, gráficos e figuras
incompreensíveis, métodos duvidosos e dados que não corroboram as
conclusões dos autores mas que, na maioria dos casos, segundo Volpato,
apresentam erros inerentes à própria pesquisa.
“Se a pesquisa começou
errada e é ruim não tem como fazer mágica no artigo. Se o pesquisador
estudou uma questão irrelevante, por melhor que sejam os resultados,
eles jamais resultarão em artigos científicos que extrapolarão as
fronteiras sequer de seu laboratório e que dirá do Brasil”, disse.
Um dos principais erros
conceituais nos trabalhos publicados por alguns cientistas brasileiros,
de acordo com Volpato, é querer fazer ciência para solucionar problemas
pontuais e localizados, sem tratar o fenômeno geral, que justamente tem a
capacidade de resolver problemas pontuais.
Prova disso, de acordo
com o especialista, é que no próprio título de alguns trabalhos
publicados ainda aparecem o nome da instituição ou da cidade onde a
pesquisa foi realizada e os dados foram coletados, reforçando a ideia de
que o estudo está circunscrito àquele local.
“Para fazer ciência,
realmente é preciso de dados que são coletados de algum lugar. Mas o
problema é que alguns pesquisadores brasileiros coletam dados de um
determinado lugar e só se preocupam com aquele lugar especificamente”,
afirmou Volpato.
“É muito diferente de
pegar os dados de um determinado lugar e construir uma ciência geral,
que resolve questões particulares, como pode ser visto em artigos
publicados por cientistas estrangeiros em grandes revistas científicas
internacionais. Ainda falta esse aprendizado e ousadia científica ao
pesquisador brasileiro”, compara.
Questões pontuais
Segundo Volpato, alguns
dos fatores responsáveis pela ausência da ciência geral são a falta de
formação filosófica sobre o que é necessário para construir conhecimento
e o fato de que o Brasil ficou por muito tempo fechado para o mundo.
Algumas áreas ficaram dissociadas da ciência produzida no exterior.
Por outro lado, de
acordo com Volpato, outras áreas relacionadas à ciência básica, como
imunologia, biologia celular e física, sempre tiveram uma inserção
internacional natural que continuou e ganhou maior projeção na década de
1990 com os adventos da globalização e da internet.
De acordo com o
pesquisador, é preciso rever esse conceito de se fazer ciência sob uma
perspectiva estritamente local para que se possa melhorar a qualidade
dos artigos científicos publicados por brasileiros e, consequentemente,
aumentar a publicação em revistas de alto fator de impacto e citação
internacional.
“A redação científica é
um forte indicador sobre os conceitos científicos dos autores de forma
que para melhorá-la é preciso, primeiramente, corrigir os conceitos dos
pesquisadores sobre o que é fazer ciência”, disse.
Volpato também é autor dos livros Método lógico para a redação científica, Bases teóricas da redação científica, Publicação científica, Bases teóricas para redação científica, Administração da vida científica, Pérolas da redação científica, Dicas para redação científica, Lógica da redação científica e Estatística sem dor!.
O professor também divulga seu trabalho no site www.gilsonvolpato.com.br ,
que oferece artigos, dicas e reflexões sobre redação científica,
educação e ética na ciência.
O site dá acesso a aulas on-line do curso
“Bases Teóricas para Redação Científica”, apresentado por Volpato na
Unesp.
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Fonte: Agência FAPESP
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