As antas e o clima
Pesquisa relaciona extinção de espécies dispersoras de
sementes e redução na capacidade das florestas tropicais de estocarem
carbono. Previsões feitas para a mata atlântica brasileira sugerem que o
desaparecimento de grandes mamíferos e aves teria impacto sobre as
mudanças climáticas globais.
Publicado em 18/12/2015
|
Atualizado em 18/12/2015
A anta é um animal de grande porte, capaz de dispersar
grandes sementes e, assim, ajudar na renovação das árvores de madeira
dura da mata atlântica. Seu desaparecimento impacta diretamente a
composição desse tipo de floresta. (foto: Mauro Galetti.
Pensou estoque de carbono, pensou... Árvore. Normal. Afinal, são os
vegetais, especialmente aqueles de grande porte, os responsáveis por
absorver o dióxido de carbono da atmosfera e transformá-lo, por meio da
fotossíntese, em oxigênio. As florestas são o lugar óbvio para que isso
aconteça com maior intensidade, já que reúnem uma densidade maior de
árvores por área. Até aí, ponto pacífico. No entanto, um estudo pioneiro
realizado na Universidade Estadual Paulista (Unesp) de Rio Claro
mostrou que a fauna, em especial os grandes animais, também tem tudo a
ver com a capacidade de sequestro de carbono das matas.
O argumento fundamental é simples: como várias espécies animais atuam como dispersoras de sementes, elas têm um papel fundamental na renovação das árvores de uma floresta, o que está diretamente relacionado à capacidade que tal floresta terá de estocar carbono no futuro. De maneira geral, as espécies maiores de árvores, de madeira mais densa, têm frutos com sementes também maiores e, por isso, precisam de animais maiores para dispersá-las. São elas as responsáveis pela maior parte da renovação de gás carbônico de uma floresta e, portanto, aquelas cujo desaparecimento ou redução populacional causam maior impacto sobre o estoque de carbono de sua região.
Ao mesmo tempo, as grandes espécies animais – especialmente de mamíferos e aves – são também as mais ameaçadas de sumir do mapa, por fatores como a caça predatória e o tráfico ilegal. Quando uma espécie dessas desaparece ou diminui sensivelmente sua população, o resultado não é apenas uma floresta mais vazia do ponto de vista da fauna: em médio prazo, a própria renovação das árvores fica comprometida. Trocando em miúdos, a floresta não sobrevive sem esses seus habitantes.
Não é de hoje que os cientistas desconfiam desta relação entre a
fauna e o sequestro de CO2 nas florestas. Mas foi o trabalho realizado
no Departamento de Ecologia da Unesp de Rio Claro, publicado hoje (18/12) na revista Science Advances,
que estabeleceu pela primeira vez um modelo matemático para descrever
os possíveis impactos da extinção de grandes espécies animais sobre os
estoques de carbono das florestas e, consequentemente, sobre a dinâmica
das mudanças climáticas globais.
Foram criados dois cenários possíveis. O primeiro considerava a extinção randômica de espécies animais, como ocorreria naturalmente em um ambiente pouco impactado pela ação humana. Já o segundo – que apresentou os resultados mais catastróficos – considerava o desaparecimento de espécies alvo da caça e do tráfico ilegal.
Na mata atlântica, são exemplos de árvores de madeira dura as canelas, os jatobás, os abricós-de-macaco e as maçarandubas, todas com frutos de grandes sementes dispersadas por grandes animais. Seu desaparecimento ocasionaria uma alteração fundamental na composição da mata – com a substituição destas por espécies de madeira mole, o bioma seria muito mais pobre em carbono.
“Imagine que uma floresta tem 100 árvores, sendo 20 dispersadas por grandes mamíferos e que produzem madeira dura (de lei). Simulamos a extinção, por exemplo, da anta, que dispersa essas árvores com sementes grandes”, explicou à CH Online o ecólogo Mauro Galetti, líder da pesquisa. “Essas árvores um dia morrem e são substituídas por outras espécies de madeira mole, como a embaúba. No final, existe um déficit de carbono, porque as madeiras de lei armazenam mais carbono que as madeiras moles”.
Segundo o trabalho, mesmo uma remoção pequena de espécies de madeira dura já afetaria o estoque de carbono total da floresta. Ainda que algumas árvores de madeira dura tenham sementes pequenas, capazes de se dispersar pelo vento ou com a ajuda de pequenos animais – é o caso da família das Myrtaceae, que inclui goiabeiras, jabuticabeiras e araçás –, a maior parte delas tem sementes maiores, e sua população é diretamente impactada pelo desaparecimento de espécies como muriqui (Brachyteles arachnoides), anta (Tapirus terrestris) e jacutinga (Aburria jacutinga).
No futuro, a equipe da Unesp pretende estimar o custo do serviço de cada espécie dispersora de sementes no sequestro de carbono. “Quanto vale (em dólares) a dispersão de sementes do muriqui? E da anta? Falamos muito nos serviços de abelhas e podemos até quantificar quanto custaria em prejuízo a extinção delas para plantações, mas quanto custaria a perda de serviços de dispersão de sementes?”, questiona o coordenador do grupo.
Catarina ChagasInstituto Ciência Hoje/ RJ
O argumento fundamental é simples: como várias espécies animais atuam como dispersoras de sementes, elas têm um papel fundamental na renovação das árvores de uma floresta, o que está diretamente relacionado à capacidade que tal floresta terá de estocar carbono no futuro. De maneira geral, as espécies maiores de árvores, de madeira mais densa, têm frutos com sementes também maiores e, por isso, precisam de animais maiores para dispersá-las. São elas as responsáveis pela maior parte da renovação de gás carbônico de uma floresta e, portanto, aquelas cujo desaparecimento ou redução populacional causam maior impacto sobre o estoque de carbono de sua região.
Ao mesmo tempo, as grandes espécies animais – especialmente de mamíferos e aves – são também as mais ameaçadas de sumir do mapa, por fatores como a caça predatória e o tráfico ilegal. Quando uma espécie dessas desaparece ou diminui sensivelmente sua população, o resultado não é apenas uma floresta mais vazia do ponto de vista da fauna: em médio prazo, a própria renovação das árvores fica comprometida. Trocando em miúdos, a floresta não sobrevive sem esses seus habitantes.
Quando um grande animal desaparece ou diminui sua população, a renovação das árvores fica comprometida
Cenários possíveis
O estudo tomou como exemplo a mata atlântica, um dos biomas mais ameaçados do Brasil, sobre o qual a equipe dispunha de uma grande quantidade de dados acerca da dinâmica de dispersão de sementes e renovação das árvores. Os cientistas identificaram, então, as grandes espécies animais envolvidas nesse processo e simularam como ficaria a floresta se, nos próximos anos, elas desaparecessem.Foram criados dois cenários possíveis. O primeiro considerava a extinção randômica de espécies animais, como ocorreria naturalmente em um ambiente pouco impactado pela ação humana. Já o segundo – que apresentou os resultados mais catastróficos – considerava o desaparecimento de espécies alvo da caça e do tráfico ilegal.
Na mata atlântica, são exemplos de árvores de madeira dura as canelas, os jatobás, os abricós-de-macaco e as maçarandubas, todas com frutos de grandes sementes dispersadas por grandes animais. Seu desaparecimento ocasionaria uma alteração fundamental na composição da mata – com a substituição destas por espécies de madeira mole, o bioma seria muito mais pobre em carbono.
“Imagine que uma floresta tem 100 árvores, sendo 20 dispersadas por grandes mamíferos e que produzem madeira dura (de lei). Simulamos a extinção, por exemplo, da anta, que dispersa essas árvores com sementes grandes”, explicou à CH Online o ecólogo Mauro Galetti, líder da pesquisa. “Essas árvores um dia morrem e são substituídas por outras espécies de madeira mole, como a embaúba. No final, existe um déficit de carbono, porque as madeiras de lei armazenam mais carbono que as madeiras moles”.
Segundo o trabalho, mesmo uma remoção pequena de espécies de madeira dura já afetaria o estoque de carbono total da floresta. Ainda que algumas árvores de madeira dura tenham sementes pequenas, capazes de se dispersar pelo vento ou com a ajuda de pequenos animais – é o caso da família das Myrtaceae, que inclui goiabeiras, jabuticabeiras e araçás –, a maior parte delas tem sementes maiores, e sua população é diretamente impactada pelo desaparecimento de espécies como muriqui (Brachyteles arachnoides), anta (Tapirus terrestris) e jacutinga (Aburria jacutinga).
Novas diretrizes
Embora as simulações tenham sido feitas com base em dados da mata atlântica, os autores do trabalho apontam que estudos realizados com outros biomas possivelmente encontrariam resultados parecidos. “Certamente este deve ser um fenômeno que ocorre também nas florestas da África e da Amazônia”, aposta Galetti. “Nessas regiões, o problema pode ser até mais grave, porque nessas áreas não existem muitas espécies de Myrtaceae”.
As previsões alertam para a necessidade de uma mudança na forma como pensamos hoje a preservação das florestas
As previsões alertam para a necessidade de uma mudança na forma como
pensamos hoje a preservação das florestas. Além da exploração madeireira
e das queimadas, cujo impacto sobre os estoques de carbono florestais
já é bem documentado na literatura, as ameaças à fauna devem ser
compreendidas como um problema da mesma gravidade. Segundo os autores do
artigo, florestas de aparência intacta, mas com prejuízos na fauna,
também devem ser consideradas degradadas. Campanhas de combate às
alterações climáticas com foco no armazenamento de carbono em florestas
tropicais devem, portanto, inserir a preservação dos animais em seus
programas.No futuro, a equipe da Unesp pretende estimar o custo do serviço de cada espécie dispersora de sementes no sequestro de carbono. “Quanto vale (em dólares) a dispersão de sementes do muriqui? E da anta? Falamos muito nos serviços de abelhas e podemos até quantificar quanto custaria em prejuízo a extinção delas para plantações, mas quanto custaria a perda de serviços de dispersão de sementes?”, questiona o coordenador do grupo.
Catarina ChagasInstituto Ciência Hoje/ RJ
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