A maior diversidade de plantas do mundo
Botânicos registram 46 mil espécies e identificam em média 250 por ano no Brasil
CARLOS FIORAVANTI |
ED. 241 | MARÇO 2016
Podcast: Rafaela Forzza
00:40 / 13:36
Quase metade, 43%, é exclusiva (endêmica) do território nacional. O total coloca o Brasil como o país com a maior riqueza de plantas no mundo – a primeira versão do levantamento, publicada em 2010, listava 40.989 espécies. Esse número não vai parar de crescer tão cedo porque novas espécies são identificadas e descritas continuamente em revistas científicas. Em média, os botânicos apresentam cerca de 250 novas espécies por ano.
Os cinco artigos detalhando a segunda versão da Lista de espécies da flora do Brasil foram publicados em dezembro do ano passado na Rodriguésia, do Jardim Botânico do Rio de Janeiro (JBRJ), como forma de prestigiar a revista, que completou 80 anos em 2015. Dali também brota um alerta para as perdas contínuas de variedades únicas de plantas. Enquanto o levantamento era feito, um grupo de botânicos identificou uma espécie nova de bromélia com uma inflorescência vermelha, a Aechmea xinguana, em uma área de mata já coberta pela água do reservatório da usina de Belo Monte, em construção no norte do Pará. “Alguns exemplares dessa espécie foram resgatados e estavam na casa de vegetação do reservatório, mas as populações naturais se perderam na área alagada”, disse Rafaela Campostrini Forzza, pesquisadora do JBRJ e coordenadora do levantamento.
O trabalho não terminou. Neste mês de março os especialistas em cada grupo de plantas devem começar a incluir as descrições, distribuição geográfica detalhada e outras características de cada espécie no banco de dados on-line Flora do Brasil (floradobrasil.jbrj.gov.br) para servir de base para o Flora do Brasil Online, que deve estar concluído até 2020 para integrar o World Flora Online, com informações sobre todas as plantas conhecidas do mundo. Na trilha dos botânicos, os zoólogos se organizaram e apresentaram também em dezembro de 2015 a primeira versão do Catálogo Taxonômico da Fauna do Brasil (CTFB), resultado do trabalho de cerca de 500 especialistas, que começaram a detalhar as informações sobre 116.092 espécies, a maioria artrópodes, com quase 94 mil espécies ou 85% do total (fauna.jbrj.gov.br/fauna/listaBrasil).
Elaborado a pedido do Ministério do Meio Ambiente, com financiamento do governo federal, instituições privadas e fundações estaduais como a FAPESP, o Flora do Brasil indica que a Amazônia abriga a maior diversidade do grupo das plantas sem frutos e com sementes expostas, as gimnospermas, que predominaram de 300 milhões até 60 milhões de anos atrás, quando os dinossauros circulavam pela Terra. Seus representantes mais conhecidos são árvores em formato de cone típicas do clima frio do sul do país, como a araucária, com uma única espécie no Brasil, e quatro espécies de Podocarpus. Dispersas nas matas da região Norte, porém, vivem seis espécies de cipós de folhas largas do gênero Gnetum, que crescem sob o clima quente e úmido ao redor de árvores. Suas sementes vermelhas ou lilases são tão parecidas com frutos que já confundiram até os botânicos.
Os quase 50 mil exemplares de espécies nativas colocam o Brasil como o país con-tinental com maior diversidade de espécies do mundo, seguido por China, Indonésia, México e África do Sul. Em número de espécies endêmicas, perde apenas para grandes ilhas como Austrália, Madagascar e Papua Nova Guiné, cujo isolamento favorece a formação de variedades únicas, e para apenas uma área continental, o Cabo da Boa Esperança, na África do Sul. O total de espécies não chega aos 60 mil das estimativas mais otimistas, mas é maior que o da Colômbia, antes vista como o país da América do Sul com maior diversidade, e é mais que o dobro das 22.767 espécies descritas na monumental Flora brasiliensis, coleção de 15 volumes e 10.367 páginas escrita por 65 botânicos de vários países sob a coordenação de Carl Friedrich Philipp von Martius, August Wilhelm Eichler e Ignatz Urban, e publicada de 1840 a 1906.
Na Flora brasiliensis, o grupo predominante, com 32.813 espécies, são as plantas com sementes protegidas por frutos carnosos ou secos, as chamadas angiospermas. Nesse grupo estão as árvores como o ipê e o jacarandá, a roseira e outras espécies ornamentais, o feijão, o amendoim, o milho e a maioria dos vegetais usados na alimentação. Somente de feijões, pertencentes aos gêneros Vigna, Canavalia e Phaseolus, a flora brasileira registra cerca de 30 espécies nativas e naturalizadas, “a maioria delas com um potencial para a alimentação humana ainda pouco investigado”, comentou Vinicius Souza, professor da Escola Superior de Agricultura Luiz de Queiroz (Esalq) da Universidade de São Paulo (USP) que participou da produção e organização das informações desse trabalho.
As angiospermas se espalharam quando o clima se tornou quente e úmido, depois da extinção dos dinossauros. As mudanças do clima eliminaram a maioria das gimnospermas, hoje raras em todo o mundo: os botânicos encontraram apenas 30 espécies, sendo 23 nativas, desse grupo no Brasil. Por sua vez, as samambaias e as licófitas – plantas sem sementes e sem flores, que se reproduzem por esporos, também com origem antiga – estão representadas por 1.253 espécies no Brasil; algumas delas atingem 20 metros de altura, lembrando as variedades gigantes que marcavam a paisagem terrestre há 300 milhões de anos.
Alegria e inquietação
Os botânicos agora convivem com a satisfação de ver mais uma etapa do projeto concluída e, ao mesmo tempo, uma desagradável inquietação, porque eles sabem que a distribuição geográfica das coletas de amostras de plantas, sobre as quais o trabalho foi feito, não era equilibrada: havia muito mais informações sobre as regiões Sul e Sudeste, onde se concentram as coletas, os grupos de especialistas e as instituições de pesquisa, do que nas outras partes do país. Enquanto no Rio de Janeiro havia 5,8 coletas por quilômetro quadrado (km2) e no Espírito Santo, 3,9 por km2, no Pará e no Amazonas essa relação era de 0,10 e 0,17 por km2.
Provavelmente por causa do número de coletas aquém do desejado pelos botânicos, o estado do Amazonas aparece em terceiro lugar entre os estados com maior diversidade, seguindo Minas Gerais, em primeiro, e Bahia. Os botânicos não estão satisfeitos com esse resultado. “No Amazonas poderia haver pelo menos mais 20 mil espécies ainda não amostradas”, disse Souza.
São Paulo encontra-se em quarto lugar de diversidade. Além de ser um espaço bastante percorrido por expedições botânicas, o estado apresenta uma variedade de relevos, com planícies a oeste e montanhas a leste, e de tipos de vegetação que favorecem a formação de novas espécies. “Tanto as formações vegetais de clima frio que vêm do sul quanto as de clima quente, como o Cerrado, param em São Paulo”, disse José Rubens Pirani, professor do Instituto de Biociências (IB) da USP (ver tabela).
“Infelizmente, mantivemos a distorção do trabalho de Von Martius, que coletou principalmente na Mata Atlântica, Caatinga e Cerrado e andou pouco pela Amazônia”, comentou Rafaela. “Precisamos de um plano nacional de mapeamento das espécies de plantas da Floresta Amazônica para resolver o problema da subamostragem do maior bioma brasileiro, que representa metade do território nacional.”
Elaborado com informações mantidas em herbários e em bases on-line como o Reflora, atualmente com 1.390.218 registros de plantas nativas (ver Pesquisa FAPESP nº 229), o levantamento apontou a Mata Atlântica como o bioma com maior diversidade de angiospermas, samambaias, licófitas e fungos, em razão de coletas mais numerosas e da variedade de altitudes, climas e latitudes. Em segundo lugar está a Amazônia e em terceiro, o Cerrado.
“Ainda estamos longe dos prováveis números reais”, observou Souza. “Quanto maior o número de coletas por região ou estado, maior o número de espécies.” Uma evidência de sua afirmação é que, por causa das coletas mais numerosas, a diversidade de plantas do Tocantins aumentou 70% e a do Piauí, 40%, em relação ao registrado na primeira versão da Flora, de 2010. “Não estávamos trabalhando lá e as plantas não apareciam”, comentou Pirani. Em 2013, com sua equipe, ele identificou uma espécie nova de arbusto, Simaba tocantina, em uma área de Cerrado pouco conhecida no interior e nas proximidades do parque do Jalapão, leste do Tocantins, marcada por vastos areais como os descritos no livro Grande sertão: veredas, de Guimarães Rosa.
Na região Norte, as áreas menos estudadas são as mais propícias ao avanço das novas plantações de soja e cana-de-açúcar. “O desmatamento é muito mais rápido do que nossa capacidade de conhecer a floresta”, queixou-se a botânica paulista Daniela Zappi, pesquisadora do Kew Gardens, de Londres. “É um desespero. Parece que não vai dar tempo de chegar nessas áreas, principalmente no Arco do Desmatamento, entre o norte do Mato Grosso e o sul do Pará.”
As cactáceas, um dos grupos em que ela é especialista, apresentam uma elevada diversidade no Brasil – em Minas vivem 103 espécies e na Bahia, 98 –, mas 32% das 260 espécies desse grupo encontram-se em grau variável de risco de extinção. As áreas que ocupam são continuamente substituídas por plantações de eucalipto, agricultura ou mineração. Os cactos são explorados como plantas ornamentais e colhidos para servir como alimento para o gado ou para pessoas, que também os usam como fonte de medicamentos, geralmente sem se preocupar em repor as populações originais. Outro problema é que muitas espécies crescem apenas em áreas específicas. É o caso do Arrojadoa marylaniae, um cacto colunar com anéis de flores vermelhas que cresce apenas sobre uma jazida de quartzo branco de valor comercial no interior da Bahia.
O trabalho de identificação e estudo da distribuição geográfica de cada espécie está atrelado a um plano de ação, de modo a estudar e favorecer a polinização e germinação de espécies em maior risco de extinção. As ações de preservação incluem a participação de pesquisadores não acadêmicos. Gerardus Oolstrom, um criador de cactos comerciais em Holambra, interior paulista, trabalhou com botânicos acadêmicos na identificação de uma espécie nova, a Rhipsalis flagelliformis, que ele viu pela primeira vez cultivada em um sítio que havia sido do paisagista Roberto Burle Marx no bairro de Guaratiba, na cidade do Rio de Janeiro. “Os colecionadores, quando integrados com os grupos de pesquisa, podem ajudar muito no trabalho de localização e preservação das espécies”, observou Daniela.
Rafaela também trabalha com o advogado Elton Leme, um botânico não profissional, na caracterização de três novas espécies do gênero Encholirium, que vivem entre rochas em morros da Bahia e de Minas Gerais. Por sua vez, pesquisadores da Fundação Zoo-Botânica de Belo Horizonte espalharam cartazes com o título “Procura-se” e fotos e informações sobre o faveiro-de-wilson, uma árvore rara, e conseguiram localizar muitos exemplares com a ajuda de moradores do interior de Minas (ver Pesquisa Fapesp no 235).
“Não precisamos plantar apenas rosas e azaleias”, propôs Pirani enquanto caminhava pelos corredores amplos e ensolarados do herbário do IB-USP no início de janeiro. “Cultivar plantas ornamentais nativas em nossas casas, nas ruas e nas margens de estradas é uma forma de preservar a diversidade.” Em seguida ele apresentou um arbusto de flores azuis, a canela-de-ema, duas bromélias, o gravatá e a macambira, e outras plantas coletadas na serra de Grão Mogol, norte de Minas Gerais, que ele procura adaptar ao clima da capital. “Aqui chove mais do que em Minas, mas, mesmo assim, algumas delas florescem todo ano.”
Artigos científicos
COSTA, D. P. e PERALTA, D. F. Bryophytes diversity in Brazil. Rodriguésia. v. 66, n. 4, p. 1063-71. 2015.
MAIA, L. C. et al. Diversity of Brazilian Fungi. Rodriguésia. v. 66, n. 4, p. 1033-45. 2015.
MENEZES, M. et al. Update of the Brazilian floristic list of Algae and Cyanobacteria. Rodriguésia. v. 66, n. 4, p. 1047-62. 2015.
PRADO, J. et al. Diversity of ferns and lycophytes in Brazil. Rodriguésia. v. 66, n. 4, p. 1073-83. 2015.
THE BRAZIL FLORA GROUP. Growing knowledge: an overview of seed plant diversity in Brazil. Rodriguésia. v. 66, n. 4, p. 1085-113. 2015.
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