sábado, 2 de outubro de 2021

 Cientistas tentam desvendar segredos dos denisovanos, parentes dos homens Durante muito tempo, o Homo sapiens conviveu com ao menos duas outras espécies humanas - pertencentes ao mesmo gênero


Por: Correio Braziliense

02/10.21 - 

Caverna Denisova, na região da Sibéria, onde foi encontrada a primeira pista da espécie extinta: traços de DNA desse povo estão presentes em parte da população humana atual. Foto: Bence Viola/Divulgação (Caverna Denisova, na região da Sibéria, onde foi encontrada a primeira pista da espécie extinta: traços de DNA desse povo estão presentes em parte da população humana atual. Foto: Bence Viola/Divulgação)
Caverna Denisova, na região da Sibéria, onde foi encontrada a primeira pista da espécie extinta: traços de DNA desse povo estão presentes em parte da população humana atual. Foto: Bence Viola/Divulgação

Em uma caverna da gelada Sibéria, 30m acima do Riacho Anuy, morreu uma menininha de 7 anos. De pele escura, ela tinha olhos e cabelos castanhos. Alimentava-se da carne de urso, javali e lince, animais típicos dessa inóspita região, onde a Rússia se avizinha do Cazaquistão e da Mongólia. Seus restos mortais permaneceram ali por muito tempo. Até que, em 2008, um arqueólogo encontrou uma lasquinha do osso do dedo da garota dentro da gruta, batizada de Denisova por causa de um lendário ermitão, Denis, que teria vivido por lá no século 18.

Não havia nada de especial nesse fóssil, a não ser o fato de estar encrustado em uma camada geológica datando de 30 mil e 50 mil anos atrás. Alexander Tsybankov guardou a peça no bolso e continuou escavando. Nada do que encontrou depois, porém, seria tão revelador quanto o osso que, de tão pequeno, poderia, aos olhos de um leigo, parecer um desses pedregulhos que entram no sapato. Na verdade, tratava-se do registro paleontológico de uma espécie até então desconhecida. Aquela menina não era um Homo sapiens, tampouco um exemplar dos extintos neandertais. Mas era indubitavelmente humana.

Foram dois anos de estudo em Novosibirsk, Rússia; Leipzig, Alemanha, e Califórnia, nos Estados Unidos, até os pesquisadores terem as provas de que precisavam para anunciar à comunidade científica o que tinham em mãos. Em 2010, um artigo publicado na revista Nature descrevia a descoberta do Homem de Denisova, uma espécie humana que coabitou o planeta com neandertais e homens modernos há milhares de anos. Estudos genéticos demonstram que os três não só se esbarraram — de fato, cruzaram, imprimindo seu legado no DNA de diversos povos.

No início das pesquisas, os cientistas sabiam que havia uma grande possibilidade de a lasquinha de dedo encontrada por Tosybankov pertencer a algum Homo sapiens que também viveu na gruta — um refúgio para os nômades quando os ventos siberianos tornavam a existência no local quase impossível. Como ossos de neandertais também haviam sido detectados na Caverna Denisova, os cientistas fizeram testes de DNA. Queriam saber se o fragmento do dedo era de um sapiens ou um neanderthalensis.

O resultado foi surpreendente: nem um nem outro. O material genético simplesmente não se encaixava. Os pesquisadores russos decidiram pedir auxílio a colegas americanos e alemães. Foi no laboratório de Svante Paabo, do Instituto de Antropologia Evolutiva Max Planck, em Leipzig, que a identidade da menina denisovana começou a se revelar. Paabo é um frequentador assíduo das páginas de ciência dos principais jornais e revistas do mundo. Com seu microscópio, o geneticista está reescrevendo a história da humanidade — foi ele, por exemplo, que, ao sequenciar o genoma completo de um neandertal, comprovou que houve intercurso sexual entre essa extinta espécie e o homem moderno.

Passados seis anos da descoberta do fragmento de dedo, ainda se sabe muito pouco sobre esse misterioso humano, que se separou do ancestral comum do Homo sapiens há 600 mil anos, percorrendo sua própria trilha evolutiva até ser extinto, por volta de 50 mil anos atrás (o que torna a menininha da caverna uma das últimas de sua espécie). “Não sabemos, por exemplo, como eles se pareciam. Eles têm genes que, no homem moderno, sugerem pele, olhos e cabelos escuros. Mas não podemos dizer, com certeza, que era assim que se pareciam”, observa David Reich, geneticista da Universidade de Harvard que integrou a equipe de cientistas responsáveis pelo sequenciamento genético do homem denisovano.

As pistas sobre eles são raríssimas. Até o ano passado, os únicos resquícios eram a falange da menina e um dente de outro indivíduo, também encontrado na caverna russa. Em novembro, pesquisadores do Instituto Max Planck anunciaram a descoberta de um molar. Três peças: isso é tudo que se tem da espécie. Diferentemente dos neandertais, não há esqueletos completos para determinar a altura média nem crânios para uma reconstituição facial.

Susanna Sawyer, pesquisadora do Max Planck que assina o artigo científico descrevendo o terceiro molar, ressalta que, na falta de fósseis, as análises genéticas é que deverão desvendar a história da espécie. “Os genes já nos mostram algumas coisas interessantes. Por exemplo, que eles são muito mais próximos dos neandertais que do homem moderno”, observa. A comparação do genoma denisovano com populações atuais mostrou que os melanésios da Papua Nova Guiné e os aborígenes da Austrália de agora compartilham 5% do DNA com os denisovanos. Indígenas filipinos como os manobos e os mamanuas também tem traços da espécie no genoma.

A herança genética dos denisovanos
A presença denisovana na Sibéria, no Sudeste Asiático e nas ilhas do Pacífico sugere um padrão migratório extenso, aponta Joshua Akey, pesquisador da Universidade de Washington, especializado em evolução humana. Ele é autor de um estudo publicado há duas semanas na revista Science, no qual descreve a herança genética dos denisovanos nos povos da Melanésia.

Os cientistas sequenciaram o genoma de 35 pessoas de 11 localidades do Arquipélago Bismarck, na Papua Nova Guiné, e os compararam com o DNA da espécie extinta. Encontraram coincidências em importantes regiões do genoma, como as associadas à linguagem e ao desenvolvimento do cérebro. “O estudo aprofundado dessas regiões poderá nos revelar muitas coisas sobre a influência dos denisovanos no humano moderno e ajudar a compreender mais alguns traços que poderiam fazer parte desse povo”, afirma.

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