quinta-feira, 30 de janeiro de 2014

Herança vantajosa

Pesquisas mostram alta presença de ancestralidade neandertal em regiões do DNA humano ligadas à pele e ao cabelo. Para cientistas, os genes desses hominídeos teriam garantido a adaptação do homem moderno fora da África. 
 
Por: Sofia Moutinho
Publicado em 29/01/2014 | Atualizado em 30/01/2014
Herança vantajosa
A miscigenação entre humanos primitivos e neandertais (na reconstrução acima) nos rendeu alguns genes que teriam sido vantajosos para adaptação do ‘Homo sapiens’ na Europa e na Ásia. (foto: Elisabeth Daynès)
Há milhares de anos nossos antepassados humanos andaram pulando a cerca com os neandertais. Embora esses hominídeos estejam extintos, seu DNA ainda sobrevive, misturado ao genoma dos humanos modernos. O que pesquisadores descobriram agora é que essa herança neandertal pode ter sido fundamental para a sobrevivência da nossa espécie fora de seu berço, a África.
Os cientistas acreditam que nosso encontro com os neandertais se deu há 60 mil anos, depois que um grupo de Homo sapiens primitivo deixou a África e se estabeleceu na Europa e na Ásia. As condições da convivência entre as duas espécies não são claras. Mas o sequencimento do genoma neandertal, concluído em 2010, mostrou que genes desses hominídeos são encontrados em cerca de 3% do DNA de humanos modernos de fora da África – prova de que houve acasalamento entre eles e nós.
Os autores de ambos os estudos encontraram até 20% do genoma neandertal presente em humanos modernos 
 
Dois trabalhos publicados esta semana na Science e na Nature analisaram o DNA de mais de mil pessoas de descendência europeia e asiática para tentar compreender o impacto da herança neandertal em nossa evolução. Usando metodologias semelhantes, os autores de ambos os estudos encontraram até 20% do genoma neandertal presente em humanos modernos.

As regiões do DNA humano que mostraram maior frequência de genes neandertais são aquelas ligadas à produção de queratina, uma proteína presente em nossa pele, unhas e cabelos.
Os pesquisadores não sabem dizer exatamente qual é a influência dos genes neandertais sobre a função da queratina, mas acreditam que os genes só se mantiveram até hoje entre o genoma humano porque nos ofereceram alguma vantagem.
Humanos e neandertais
Neandertais (esq.) e humanos primitivos (dir.) conviveram na Europa há cerca de 60 mil anos. O DNA de europeus e asiáticos mostra que as duas espécies chegaram a acasalar entre si. (foto: Elisabeth Daynès)
“Especulamos que esses genes podem ter ser sido úteis de alguma maneira para os humanos que se estabeleceram na Europa e na Ásia”, diz o autor principal do artigo da Nature, o geneticista Sriram Sankararaman, da Universidade Harvad (EUA). “O clima e a incidência solar nesses locais eram totalmente diferentes do clima da África, mais quente. Talvez os genes neandertais envolvidos na formação da queratina tenham conferido, por exemplo, características de pele e cabelo mais adequadas à sobrevivência no novo ambiente.”
Estudos anteriores sobre o genoma neandertal, sequenciado a partir de material genético de fósseis, indicam que esse hominídeo tinha pele mais clara que o Homo sapiens original da África e cabelos mais lisos, características encontradas hoje entre a população europeia e asiática.

Regiões vazias

Os cientistas também se depararam com regiões do DNA humano com pouca ou nenhuma presença de ancestralidade neandertal. Sankararaman explica que, provavelmente, os genes neandertais que não apresentavam vantagem adaptativa foram progressivamente eliminados durante a evolução.
Um dos locais sem genes de origem neandertal identificados foi o cromossomo X – nos homens (XY), ele é herdado da mãe; nas mulheres (XX), há uma copia herdada da mãe e outra do pai.

“A ausência de genes neandertais nesse cromossomo sugere que o cruzamento entre humanos e neandertais causava infertilidade masculina na prole, processo já observado nos filhotes machos resultantes do acasalamento entre espécies diferentes”, diz o pesquisador. Machos inférteis não geravam prole e, portanto, não passavam adiante seus genes.

Amor na pré-história

Os dois estudos também apontaram que a mistura entre neandertais e humanos foi maior do que a prevista anteriormente. Segundo o geneticista Joshua Akey, da Universidade de Washington (EUA), autor do estudo publicado na Science, os encontros amorosos deveriam ser mais frequentes para explicar os padrões genéticos neandertais observados nos humanos de hoje.
Amor entre espécies
Dados genéticos sugerem que o acasalamento entre humanos antigos e neandertais deve ter ocorrido mais vezes do que o pensado anteriormente. (foto: Divulgação/ Neanderthal Museum)
“Pelos dados que temos, estimamos que tenha havido cerca de 300 acasalamentos entre humanos e neandertais, que podem ter ocorrido todos em uma só geração ou distribuídos em muitas gerações”, diz Akey. “Até então as evidências apontavam para dois eventos de mistura, mas nossos dados mostram que nossas interações passadas com os neandertais foram mais complexas.”

Akey: "Estimamos que tenha havido cerca de 300 acasalamentos entre humanos e neandertais."
A geneticista Vanessa Paixão-Côrtes, da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), ressalta que ambos os estudos abrem caminho para uma melhor compreensão dessa curiosa miscigenação entre hominídeos.

 “Os dois trabalhos são muito importantes e mostram que, por meio do estudo das populações humanas modernas, mapeando a contribuição neandertal e de outros humanos arcaicos, pode ser possível conhecer melhor a genética populacional desses hominídeos extintos e também delinear como a introgressão gênica – movimento de genes entre espécies – influenciou os padrões de diversidade genômica dos humanos atuais.”
Sankaraman e sua equipe pretendem agora usar o mesmo procedimento para analisar a influência do DNA do hominídeo Denisova sobre os humanos. O Denisova foi uma espécie que conviveu com o Homo sapiens e os neandertais entre 1 milhão e 40 mil anos atrás.

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