Angaturama
Angaturama cuidando do ninho |
Nome científico: Angaturama limai.
Significado do Nome: Nobre de Lima.
Tamanho: 8 metros de comprimento e 3 metros de altura aproximadamente.
Peso: 1 tonelada aproximadamente.
Alimentação: Carnívora.
Período: Cretáceo, Aptiano - Albiano, há 110 milhões de anos.
Local: Brasil.
Veja quando o Angaturama viveu |
O fóssil que tornou esse animal conhecido para a ciência e originou o gênero Angaturama,
de acordo com Machado e Kellner (2005), foi encontrado no começo da
década de 1990 (ou fim da década de 1980?) em um nódulo calcário da
Formação Santana, especificamente do Membro Romualdo, que estão inclusos
na Bacia do Araripe. Foi o primeiro achado de um espinossaurídeo na
América do Sul e consiste de uma porção frontal do crânio, a parte
rostral da pré-maxila e maxila (focinho). O fóssil estava armazenado na
coleção da Universidade de São Paulo sob o número USP GP/2T-5.
Após estudo do fóssil, Alexander W. A. Kellner e Diógenes de Almeida
Campos publicaram em 1996 um estudo nomeando o dinossauro como Angaturama limai, sendo que o nome do gênero "Angaturama" se origina do dialeto indígena Tupi e significa "Nobre" enquanto que o epíteto específico homenageia o paleontólogo Murilo R. de Lima, daí o nome "limai" que quer dizer "do Lima" ou "que pertence ao Lima", pois foi Murilo que informou Kellner sobre o espécime em 1991.
Porém, nem tudo é tão simples como parece à primeira vista, pois a
história da identificação desse fóssil ficou um pouco confusa porque no
mesmo ano de 1996, algumas semanas antes de Kellner e Campos publicarem
seu trabalho identificando o Angaturama, pesquisadores ingleses
descreveram um novo gênero de dinossauro com base em um fóssil também
encontrado no Brasil, que havia sido ilegalmente levado (provavelmente
vendido, contrabandeado) para a Europa.
Este novo gênero era Irritator challengeri,
Martill et al. (1996), que inicialmente os autores pensaram ser um
pterossauro. Porém como todo trabalho científico deve ser revisto antes
da publicação, os revisores perceberam que havia aí um engano e
indicaram o erro.
Os autores corrigiram o trabalho, desta vez classificando o fóssil como o
de um dinossauro representante dos Maniraptora, os populares "raptores"
como ficaram conhecidos pela mídia e público em geral após o filme Jurassic Park (1993).
Então Kellner vendo o trabalho publicado e com base nas figuras nele
contidas, sugeriu que o animal na verdade não era um "raptor" e sim
pertenceria ao clado Spinosauridae (grupo dos espinossaurídeos). Os
autores revisaram o trabalho, Sues et al. (2002) e realmente confirmaram
a suspeita de Kellner.
Isso significava que haviam dois dinossauros do mesmo grupo sendo
identificados no mesmo ano, para o mesmo país e o mais intrigante, para o
mesmo local e idade! Isso causou uma confusão que ainda permanece na
classificação destes dinossauros, como você verá mais adiante.
No artigo de Kellner e Campos (1996) em que o novo gênero Angaturama foi proposto, os
autores mencionam que até aquele presente momento só outros três
dinossauros brasileiros haviam sido descritos com base em ossos, dois do
Triássico do Rio Grande do Sul e um titanossaurídeo de São Paulo,
fazendo então do Angaturama o quarto dino brasileiro (quinto se
contar o Irritator) a receber nome a partir de ossos e não apenas de
pegadas e outros icnofósseis. Além disso, considera-se como o primeiro
resto de crânio fóssil de dinossauro descrito para o Brasil (novamente,
segundo se considerarmos Irritator).
Ainda de acordo com Kellner e Campos (1996), assim como Machado e Kellner (2005), o dinossauro se
caracteriza pela presença de uma crista sagital pré-maxilar bem desenvolvida
(crista situada em cima do focinho, bem centralizada) e por possuir a parte rostral comprimida
lateralmente (fino e alto, visto de frente), além de ter as carenas dos
dentes desprovidos de serrilhas, ou seja, as bordas dos dentes que
formam quilhas não tinham adaptação para cortar carne, como visto por
exemplo nos tiranossaurídeos. No artigo original de 1996, os autores ainda caracterizam que o focinho é menos largo do que o do Barionix,
não tendo a tradicional forma de "colher" tão expandida como vista nos
demais espinossaurídeos, embora ela ainda esteja presente de forma mais
sutil.
O fóssil teria a parte lateral parcialmente destruída em várias áreas
com superfície óssea quebrada, embora a parte palatal (céu da boca)
estivesse completamente coberta de rocha, estando preservada. Para
remover a rocha foi usado ácido fórmico e uma técnica desenvolvida por
Kellner para preparar pterossauros encontrados no mesmo tipo de rocha.
O espécime ao todo mede 192 milímetros de comprimento e tem altura
máxima de 110 milímetros, no artigo esclarecem os autores que a medida
foi tomada do oitavo alvéolo (buraco onde encaixa o dente) até o ponto
preservado mais elevado da crista sagital.
Os autores ressaltam que a compressão lateral (estreitamento) do crânio
ou focinho é mais forte que o de qualquer outro dinossauro terópode e
que é algo natural, pois o fóssil não demonstra indícios de esmagamento postmortem.
A crista tem um osso bem fino, cerca de 1 a 2 milímetros de espessura,
ao contrário do osso mais espesso do palato, com 4 a 5 milímetros. É
também observado que embora não se possa estimar com precisão o tamanho
exato da crista de Angaturama, sabe-se sua posição que é algo único entre terópodes.
A partir do observado nesse espécime, estima-se que as narinas
estivessem situadas em região mais posterior, ou seja, mais para trás do
crânio, como em Barionix. nenhum dente completo foi encontrado, mas um
dente de reposição que estava começando a nascer está presente no
fóssil. Foram contabilizados ao todo 7 dentes pré-maxilares, e suas
raízes demonstraram ser bem longas e o dente mais grande parece ter sido
o terceiro.
Além do crânio original, considerado como espécime Tipo (que serviu para criar o gênero) nenhum esqueleto completo do Angaturama foi encontrado. Outros fósseis no entanto, menos completos surgiram e foram atribuídos a um espinossaurídeo.
Em um trabalho, Bittencourt e Kellner (2004), descrevem fósseis
encontrados também no Membro Romualdo, sendo uma sequência de vértebras
sacrais (que ficam acima do quadril) e seis vértebras caudais incluindo
três chévrons (protuberância/ponta do osso que se projeta do centro para
baixo da vértebra), demarcados como MN 4743-V, estando no acervo do
Museu Nacional.
Vértebras caudais e sacrais (MN 4743-V) |
Chévrons das vértebras (MN 4743-V) , escala 5 cm. |
No artigo os autores esclarecem que devido à comparações realizadas com
os vários clados de dinossauros, o clado que demonstrou maior
semelhança foi Spinosauroidea (Spinosauridae - Torvosauridae), sendo que
comparações mais detalhados indicam realmente se tratar de um indivíduo
pertencente a Spinosauridae, entretanto no próprio artigo são citados Irritator e Angaturama e que por serem conhecidos só a partir do crânio é impossível dizer se as vértebras são ou não desses dinossauros.
Detalhes das vértebras (MN 4743-V) , escala 5 cm. |
Vértebras em vista dorsal (MN 4743-V) |
A conclusão de que estes restos são de fato de espinossaurídeos, veio da
observação da presença de três lâminas robustas abaixo do processo
transverso das caudais anteriores, o qual delimita três fossas. A falta
dos processos paralelos nos chévrons sugere que MN 4743-V é muito
provavelmente membro de
Spinosauridae, Bittencourt e Kellner, (2004).
Vértebra caudal 6 (MN 4743-V) , escala 5 cm. |
Outro fóssil porém é tido como o mais completo espinossaurídeo do Membro
Romualdo, sendo composto de porção posterior de um esqueleto parcial
numerado como MN 4819-V, no acervo do Museu Nacional.
O conjunto de ossos inclui uma pélvis, restos de membros anteriores e
posteriores, ou seja, braços e pernas obviamente, vértebras sacrais e
caudais, Machado et. al. (2005). Como publicado por Machado et al.
(2008), a pélvis está completa, incluindo as vértebras sacrais já
mencionadas e os membros posteriores incluem fêmur esquerdo quase
completo, faltando apenas parte da diáfise. Há também vértebras dorsais e
caudais e os elementos do braço seriam do membro esquerdo. Inclusive
neste trabalho os autores calculam uma estimativa do tamanho total do
corpo do animal com base em restos conhecidos, comparando-os a outros
dinossauros. O total aproximado para este esqueleto está entre 5,62 e
5,90 metros.
Em alguns trabalhos, especificamente Kellner (2001) e Bittencourt e
Kellner (2004), houve engano por parte de Kellner na numeração do
fóssil, que nestes artigos foi publicado como MN 4802V, número que de
fato pertence ao dinossauro Santanaraptor.
Este fóssil foi atribuído ao clado Spinosauridae porque os espinhos
neurais das vértebras sacrais (ossos que formam as velas em
espinossaurídeos) eram bem longos se comparados a outros terópodes. Além
disso, a curvatura de uma única ungueal (garra) preservada indica um
espinossaurídeo.
De acordo com Machado e Kellner (2005) o material encontrava-se em
preparação na época de publicação do artigo, mas o estágio presente de
preparação já era suficiente para confirmar esta identificação. Além da
ungueal foram encontrados diversos elementos da mão deste dinossauro,
que é mais completa do que a dos demais espinossaurídeos, incluindo Suchomimus. Este dado sobre a completude da mão carece de mais suporte, pois com a recente descoberta do esqueleto de Spinosaurus, não se pode afirmar que é o mais completo material para mão de espinossaurídeos sem comparações diretas.
O curioso é que se pesquisarmos online sobre o Angaturama, frequentemente encontraremos a seguinte afirmação:
"Pesquisas posteriores recuperaram 60% do esqueleto completo, permitindo que uma réplica fosse feita e montada para exibição no Museu Nacional do Rio de Janeiro."
O que me intriga é, qual esqueleto 60% completo foi achado do Angaturama para
permitir a reconstrução do esqueleto? Na verdade, a partir do que acabo
de ler nos diversos artigos que garimpei pela internet, parece que
nenhum! Isso mesmo, todo o esqueleto, a réplica feita para o Museu
Nacional, é baseada apenas nestes restos de espinossaurídeos
indeterminados, ou seja, não se sabe com exatidão de que espécie eram
estes ossos, mas devido ao fato de que o Angaturama é um
dinossauro do grupo ao qual os ossos pertencem os pesquisadores atribuem
informalmente, pelo menos até onde consegui descobrir, um parentesco
forte ou mesmo chegam a dizer que os fósseis são do A. limai.
Réplica do Angaturama no Museu Nacional |
Claro, há possibilidade de que os pesquisadores já tenham chego à conclusão de que estes fósseis sejam mesmo do A. limai,
só ainda não publicaram a descoberta para oficializar, o que no meu
ponto de vista, seria necessário para desfazer a confusão. Entretanto é
muito mais provável que devido aos ossos serem diferentes dos atribuídos
ao Irritator e Angaturama, dos quais só se tem material
de crânio, não seja mesmo possível determinar se podem ser classificados
em um desses dois gêneros ou não.
Como já dito antes neste mesmo post, a publicação do novo gênero Irritator poucas semanas antes da publicação oficial do Angaturama gerou um dilema paleontológico que até o momento segue sem solução.
Como bem sabemos, ambos dinossauros foram encontrados nas mesmas rochas,
na mesma região, datando do mesmo período e época, sendo do mesmo
grupo. Isso trouxe a possibilidade da sinonímia à tona, o que gera
perguntar como: Seriam Irritator e Angaturama do mesmo gênero? Seriam o mesmo indivíduo? As regras de nomenclatura devem ser aplicadas para sinonimizar os dois dinos?
Inicialmente parece que os pesquisadores estrangeiros, Sereno et al. (1998), propuseram a sinonímia, ou seja, que considere-se Angaturama o mesmo dino que Irritator, de modo que o nome A. limai deixaria de ser válido, porque Irritator tem prioridade, afinal foi criado antes.
Mas Kellner e Campos (2000) e também Machado e Kellner (2005) mantém a
opinião de que são gêneros diferentes e é prematuro descartar a
possibilidade da existência das duas espécies sem fósseis mais
completos. Eles afirmam que comparado com o Irritator, o crânio parcial do Angaturama é bem mais achatado lateralmente.
O motivo principal para sugerir que os dois fósseis na verdade sejam a
mesma espécie e ainda mais, o mesmo indivíduo, vem do fato de serem
partes opostas do crânio, encontrados na mesma região, datando do mesmo
tempo. Na premaxila de A. limai dentes quebrados com coroa parcial mostram semelhança com os de Irritator.
O fato de o crânio identificado como Irritator ter sido
contrabandeado piora a situação, pois além dos dados de coleta terem
sido perdidos, pois contrabandistas não se preocupam em registrar tudo
nem em coletar com cuidado, o crânio foi alterado para ficar mais bonito
e ser vendido por maior valor. isso também prejudicou o estudo do
fóssil real e o reparo, para remoção de material falso pode ter alterado
o estado original do osso.
Angaturama: vermelho - Irritator: verde Observem as partes diferentes desses dinos © Miyess |
Como você pode ver na imagem acima, os fósseis não podem ser comparados a
fundo porque justamente as partes que deveriam se encaixar não se
conectam, demonstrando faltar partes do osso entre uma e outra. A parte
traseira do osso do Angaturama estaria parcialmente erodida pelo
tempo dizem Machado e Kellner (2005), evidência de ter ficado exposta
por um tempo e a ponta dianteira do crânio do Irritator, segundo Sues et al. (2002) está quebrada.
Portando, devido a estes fatores Machado e Kellner (2005) acreditam que é
improvável que os dois fósseis tenham se originado do mesmo nódulo, o
que segundo eles é reforçado pelo fato de que o crânio do Angaturama tem
a parte traseira mais alta e estreita que a parte dianteira do crânio
de Irritator.
Reconstrução do esqueleto com os fósseis citados |
No fim das contas, ficamos sem uma resposta definitiva e o que me parece
é que se formou um "cabo de guerra" entre as duas partes. De um lado os
gringos puxando para seu lado, querendo reforçar a validade de seu
gênero extinguindo Angaturama e de outro Kellner e seus apoiadores insistindo na manutenção de Angaturama como um gênero válido, procurando evidências em toda parte de que é realmente um dino distinto.
O que nós podemos fazer como leigos interessados no assunto é torcer que
um esqueleto bem completo, incluindo crânio seja achado, assim de vez
poderíamos esclarecer o mistério.
O que podemos saber com certeza é que o Angaturama pertence à família
Spinosaurinae, portanto sua classificação seria a seguinte.
Animalia > Chordata > Reptilia > Dinosauria > Saurischia > Theropoda > Megalosauroidea > Spinosauridae > Spinosaurinae > Angaturama.
Como todo mundo já está cansado de saber, os espinossaurídeos eram
dinossauros um pouco diferentes dos demais dinos carnívoros, pois
apresentavam proporções anatômicas diferenciadas, especialmente formato
do crânio, mais alongado, fino e dotado de dentes cônicos na maioria sem
serrilhas, de modo muito semelhante aos crocodilos. Estes formato
craniano associado a um pescoço mais longo e musculoso permitia que o
animal capturasse peixes nas lagoas e rios cretácicos. Os dentes cônicos
levemente curvados eram ótimas ferramentas para agarrar peixes e
prendê-los, de modo que poderiam levá-los à margem para comer
tranquilamente ou engolir inteiro diretamente, no caso de peixes
menores.
Cabeça do Angaturama |
Não se sabe exatamente quais os hábitos de vida deste dinossauro, porém
imagina-se que por viver muito próximo da água, como indicado pelas
rochas onde foi encontrado, deveria pelo menos de vez em quando se
aventurar a nadar ou ao menos andar n'água a fim de capturar as suas
presas.
Peixes devem ter sido predominantes na sua dieta, porém foi encontrado um fóssil de uma
vértebra de pterossauro com um dente de espinossaurídeo comparável aos de Angaturama, indicando que o dino ao menos seria capaz de caçar ativamente quando queria, capturando também estes
répteis alados, abundantes na região.
Sabemos que os espinossaurídeos como um todo tinham garras avantajadas
nas mãos, então é razoável supor que o Angaturama também fosse assim,
uma adaptação vantajosa para agarrar peixes escorregadios. Não é
descartada a hipótese de que esse dino, se frente à uma oportunidade,
comeria carniça também, afinal, na natureza não se pode dar ao luxo de
escolher tanta comida, nunca se sabe quando o próximo "lanche" surgirá
pela frente. Imagens retratando o ambiente em que esse dinossauro viveu,
como a ilustração do mestre Maurílio Oliveira abaixo, mostram um enorme
conjunto de organismos em um pequeno espaço.
A partir da análise dos fósseis e rochas é fato que eles coexistiram,
porém é improvável que o cenário fosse assim tão repleto de organismos
em um lugar só todos ao mesmo tempo. O trabalho do ilustrador aqui entra
como forma de demonstrar que organismos viveram no local, mas como uma
ilustração é um espaço limitado, deve-se aglomerar vários animais e
plantas em um só cenário, dando a impressão que o local era absurdamente
povoado.
Angaturama captura um Anhanguera |
Sabemos neste momento que o dinossauro Spinosaurus tinha
proporções de tamanho dos membros diferentes da dos demais
espinossaurídeos e terópodes em geral, pois seus membros traseiros eram
bem mais curtos e adaptados à natação, de forma que inclusive se supôs a
presença de membranas interdigitais nos pés para ajudar a nadar.
Afirmar que o Angaturama era igual neste aspecto é arriscado,
porque não se tem o esqueleto pós-craniano, somente os restos
mencionados anteriormente e que não podem ser seguramente atribuídos a
esta espécie de dinossauro.
Mas, supondo que de alguma forma estes restos realmente fossem do A.
limai, eles comprovariam que de fato o nosso espinossaurídeo brazuca é
diferente do africano, pois teria membros com proporções mais próximas
dos demais terópodes. Isso não quer dizer que fosse incapaz de nadar no
entanto, pois não há necessariamente um requisito de pernas curtas para
definir o dino como aquático.
Estudos feitos por Amiot et al. (2010) indicaram que espinossaurídeos
deveriam passar um tempo razoável em contato com a água, característica
sugerida pela concentração de um tipo específico de isótopo de oxigênio
em dentes desses dinos, coletados no Brasil e na África. O valor é muito
próximo do que se vê em tartarugas e crocodilos, répteis sabidamente
aquáticos ou pelo menos, semi-aquáticos.
Não havendo fósseis completos do esqueleto pós-craniano é difícil dizer se o Angaturama teria ou não uma vela protuberante no dorso, como o Espinossauro.
Sabemos que seus espinhos neurais eram mais longos que o dos demais
terópodes, mas as poucas vértebras existentes não chegam nem perto de se
comparar ao maior dos terópodes, S. aegyptiacus. Geralmente as
reconstruções mostram o dinossauro com uma vela inteiriça de tamanho
moderado correndo do pescoço até o início ou meio da cauda.
Se a vela era constituída somente de pele sobre ossos ou havia uma
camada maior de músculo recobrindo os espinhos neurais é incerto.
Pesquisas sobre o Spinosaurus publicadas por Ibrahim et al.
(2014) sugerem que o grandalhão tinha a vela mais fina, recoberta de
pele, portanto também podemos extrapolar essa informação e inferir que o
Angaturama fosse similar. A função das velas nos
espinossaurídeos, assim como outras características chamativas em
diversos grupos de dinossauros, é debatida já há muito tempo sem
resposta definitiva. Hipóteses dizem que poderia ser um regulador
térmico, resfriando ou aquecendo sangue quando preciso. Sendo uma
estrutura mais fina, vasos que corressem pela vela estariam mais
próximos da pele e consequentemente ganhariam mais calor ao ser expostos
ao sol, podendo ocorrer o oposto quando mantidos na sombra.
Entretanto pesquisadores já propuseram que serviria de equipamento
puramente visual, uma estrutura avantajada para dar ao animal um tamanho
maior, ou ainda, se recoberta de pele colorida, servir para sinalizar
outros membros da espécie sobre as intenções do indivíduo. Um macho
poderia ter um padrão de cor específico para intimidar os demais machos
em disputas territoriais e ao mesmo tempo "seduzir" as fêmeas no período
de acasalamento. A crista presente na cabeça poderia ter a mesma
função, de display para indicar disponibilidade ou intenção de acasalar,
ou somente diferenciar macho de fêmea, em um padrão de dimorfismo
sexual.
Ainda tratando de suas adaptações como pescador, é fato que suas narinas
deveriam situar-se mais acima no crânio, em região mais próxima dos
olhos do que nos outros terópodes, pois ao enviar o focinho na água para
pegar um peixe os orifícios permaneceriam de fora, permitindo a
respiração normal.
Veja a narina mais atrás e não na ponta do focinho |
Neste modelo pode-se notar o quão estreito seria o crânio |
O hábitat do Angaturama consistia de local litorâneo, próximo de
lagunas onde caçava suas presas, fossem peixes ou pterossauros. Seus
restos provavelmente foram levados para o ambiente lacustre por chuva ou
outro fator ambiental, possibilitando a preservação em meio aquático.
No mesmo local foram encontrados diversos tipos de animais, de insetos a
dinossauros, pterossauros, crocodilomorfos e tartarugas, peixes dos
mais diversos tamanhos e espécies, plantas. Enfim, como sabemos a
Formação Santana é extremamente rica em fósseis e considerada um sítio
do tipo Lagerstätte, termo originado do alemão que designa
acumulações fósseis bem preservadas a ponto de registrar tecidos moles
dos animais, até mesmo dos menores como insetos.
Dentro deste ecossistema, é plausível supor que Angaturama fosse um
predador de topo, o maior ou um dos maiores terópodes presentes. Existem
indícios de Carcarodontossaurídeos para o Cretáceo brasileiro,
indicados por dentes encontrados, o que poderia indicar que no nosso
nordeste ocorria a mesma segmentação de nichos que deveria acontecer na
África. Um local com pouca presença de dinossauros herbívoros não
comportaria a presença de tantos gêneros de terópodes, a menos que uma
parcela deles (os Spinosauridae) fossem especializados em presas
diferentes das presas dos demais terópodes, evitando a competição.
O Angaturama como dinossauro é pouco conhecido do público em
geral no próprio país, portanto é ainda menos reconhecido no exterior.
Sendo um dinossauro considerado duvidoso e descrito a partir de poucos
fósseis, nunca apareceu em filmes ou séries, nem foi reproduzido como
brinquedo. O Irritator, mais conhecido no exterior e considerado o mesmo dinossauro que Angaturama foi retratado no desenho/anime Dinossauro Rei.
Irritator de Dinossauro Rei |
No fim das contas, é difícil dizer se o Angaturama ou não deve
ser mesmo considerado um dinossauro válido pelas discrepâncias
encontradas entre diversas fontes consultadas. Enquanto a predominância
de fontes estrangeiras insistem em defini-lo como sinônimo júnior de Irritator,
fontes brasileiras, escritas por pesquisadores ou entusiastas continuam
reforçando sua validade. Creio que vai demorar um bom tempo até
cheguemos a uma conclusão definitiva, de modo que novos restos precisam
ser escavados e estudados para esclarecer o mistério do Nobre dinossauro
brasileiro!
Desde já agradeço aos autores das ilustrações e fotografias utilizadas neste artigo pela autorização do seu uso, sem elas o meu trabalho seria muito menos divertido e com certeza mais difícil. Aos autores de imagens que não desejam que suas fotos ou ilustrações sejam aqui exibidas devem contatar o blog e prontamente suas obras serão removidas da página.
- AMIOT et. al. Oxygen isotope evidence for semi-aquatic habits among spinosaurid theropods. Geology, Vol. 38, no. 2: p.139-142; doi: 10.1130/G30402.1. Geological Society of America. Fev. 2010.
- ANELLI, Luiz E. O Guia completo dos Dinossauros do Brasil. São Paulo: Editora Peirópolis, 2010.
- BITTENCOURT, J. de S. & KELLNER, A. W. A. On a Sequence of Sacrocaudal Theropod Dinosaur Vertebrae from the Lower Cretaceous Santana Formation, Northeastern Brazil. Arquivos do Museu Nacional, v.62, n.3, p. 309-320, Rio de Janeiro. Jul/Set 2004.
- Gigante do Sertão - Ciência Hoje
- IBRAHIM, N; SERENO, P. C; DAL SASSO, C; MAGANUCO, S; FABBRI, M; MARTILL, D. M; ZOUHRI, S; MYHRVOLD, N; IURINO, D. A. Seaquatic adaptations in a giant predatory dinosaur. Science, Set. 2014.
- Ikessauro - Irritator
- KELLNER A. W. A. & CAMPOS, D. de A. First Early Cretaceous theropod dinosaur from Brazil with comments on Spinosauridae. N. Jb. Geol.Paläont.Abh. Stuttgart, Fev. 1996.
- KELLNER A. W. A. & MACHADO E. B. Notas sobre Spinosauridae (Theropoda , Dinosauria). Anuário do Instituto de Geociências - UFRJ, 2005: p. 158 - 173.
- MACHADO, E. B; GRILLO, O. N. & KELLNER, A. W. A. Estimativa do tamanho de um espinossaurídeo (Dinosauria, Theropoda) proveniente da Formação Santana (Bacia do Araripe), Brasil. In: Boletim Informativo da Sociedade Brasileira de Paleontologia, ed. especial VI Simpósio Brasileiro de Paleontologia de Vertebrados, Ribeirão Preto, 2008: p. 122 - 124.
- Museu Nacional - UFRJ: Angaturama limai
- NOVAS, F. E. The Age of Dinosaurs in South America. Bloomington: Indiana University Press, 2009.
- PAUL, G. S. The Princeton Field Guide to Dinosaurs. New Jersey: Princeton University Press. 2010.
- Spinosauridae
- Wikipedia - The Free Encyclopedia - Irritator
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