Da idade da pedra
Descoberto conjunto de lâminas fabricadas por povos que habitaram o sul do Brasil há até 9 mil anos
13/01/2015
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Sob uma camada de cerâmica guarani, arqueólogos encontraram resquícios
do que um dia foi uma indústria de lâminas pré-históricas, forjadas por
povos da tradição umbu – grupos de caçadores-coletores que habitaram o
sul do Brasil entre 300 e 9 mil anos atrás.
As 101 ferramentas
pontiagudas têm entre 3 e 9 centímetros e estavam depositadas em três
sítios arqueológicos na divisa a oeste do Rio Grande do Sul com Santa
Catarina, às margens do rio Uruguai. Em 2010, parte da região foi
inundada para a construção da represa da usina hidrelétrica Foz do
Chapecó, que encomendou as escavações do entorno. A quantidade de
material encontrado é inédita no Brasil, o que leva a crer que houve uma
produção em série destas peças, com utilidade ainda desconhecida.
Atualmente, uma pesquisa financiada pelo Ministério das Relações
Exteriores da França se debruça sobre o tesouro e busca novos sítios que
possam ajudar a compreender o povoamento do Brasil no período do
Holoceno Antigo.
A arqueóloga Sirlei Hoeltz, da Archaeo Pesquisas Arqueológicas Ltda.,
foi a primeira a mexer nas lâminas recuperadas pela empresa Scientia
Consultoria Ambiental, e explica que “elas têm o formato de uma faca de
cozinha, com unidades transformativas [cortantes] nas duas laterais e na
ponta”. Mas lembra que ainda não é possível afirmar sobre em que foram
usadas, e se serviam para raspar, cortar ou perfurar. As lâminas foram
esculpidas em matéria-prima encontrada próxima ao rio, como rochas,
conchas e ossos.
Os resultados dos primeiros estudos, que incluem a datação dos
vestígios e a descrição minuciosa das lâminas, foram publicados no final
do ano passado no Journal of Anthropological Archaeology, em
coautoria com Antoine Lourdeau, do Muséum National d’Histoire Naturelle,
e Sibeli Viana, da Pontifícia Universidade Católica de Goiás. Lourdeau,
que hoje coordena a pesquisa "Povoamentos pré-históricos do sul do
Brasil”, em parceria com a Universidade Comunitária da Região do Chapecó
(Unochapecó), diz que, pela datação do carbono 14 das peças de dois dos
sítios, o material aponta para a ocupação humana mais antiga já
registrada na região de Santa Catarina. “Este tipo de produção é bem
conhecido na Pré-história do Velho Mundo, particularmente na Europa e no
Oriente Próximo, no Paleolítico superior. Mas nunca tinha sido
encontrado (ou pelo menos descrito como tal) no Brasil”, conta.
Segundo o professor, mesmo sem muitos dados, as ferramentas apontam
paraa existência de uma “variabilidade importante das tecnologias e das
culturas dos povos pré-históricos que viviam na região que não condiz
com a ideia ‘monolítica’ de uma única tradição técnica”, refutando
algumas teorias anteriores a respeito dos umbus.
Tanto estas peças quanto os vestígios de cerâmica indígena encontrados
na área da usina estão disponíveis para pesquisa na reserva técnica do
Ceon, um dos braços do museu da Unochapecó.
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