Uma nova ave do terror
O mais completo exemplar do grupo de aves carnívoras que
eram os principais predadores de sua época foi encontrado na Argentina
em depósitos de 3,3 milhões de anos. A nova espécie, tema da coluna de
Alexander Kellner, traz informações sobre a audição e a visão desses
animais.
Publicado em 22/04/2015
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Atualizado em 22/04/2015
Reconstrução em vida de ‘Llallawavis scagliai’, a nova ‘ave
do terror’ que viveu na Argentina há 3,3 milhões de anos. (imagem:
Santiago Druetta e Journal of Vertebrate Paleontology.
Agora uma descoberta realizada na Argentina que acaba de ser publicada no Journal of Vertebrate Paleontology revela diversas novidades sobre essas aves, que incluem interessantes inferências sobre o seu comportamento, inclusive sobre os sentidos da audição e visão.
Aves do terror
De uma forma simplificada, os Phorusrhacidae compõem um grupo de aves cujos primeiros representantes foram encontrados em depósitos formados há 60 milhões de anos, bem antes da extinção dos dinossauros não-avianos (ocorrida há 66 milhões de anos). Elas viveram até aproximadamente 2,5 milhões de anos atrás, quando foram extintas por causas ainda não bem compreendidas. Variam de 1 a 3 metros de comprimento, podendo chegar a pesar em torno de 350 kg.
As aves do terror variam de 1 a 3 metros de comprimento, podendo chegar a pesar em torno de 350 kg
Há quem aponte o surgimento do istmo do Panamá, uma porção de terra
que ligou os continentes da América do Norte e da América do Sul mais ou
menos por volta desse tempo, como o fator principal para a dizimação do
grupo, já que possibilitou a migração de outros carnívoros, como
cachorros e felinos, do norte para o sul, aumentando a competição na
busca por presas.A primeira descrição de uma espécie de ‘ave do terror’ foi realizada há muito tempo, mais especificamente em 1887 por Florentino Ameghino (1854-1911), importante paleontólogo argentino. Desde então, foram encontradas muitas novas espécies, totalizando quase duas dezenas. Praticamente todas foram encontradas na América do Sul.
A principal ‘ave do terror’ não-sulamericana é Titanis walleri, encontrada em depósitos de 3,1 milhões de anos no Texas (Estados Unidos). Com 2,5 metros de comprimento e pesando algo em torno de 150 kg, ela era uma das maiores do grupo. Existe também uma ocorrência na África de um fêmur incompleto e outros ossos fragmentados na Europa que poderiam pertencer a esse grupo.
No Brasil, também temos uma representante das ‘aves do terror’: o Paraphysornis brasiliensis, que tinha aproximadamente 2 metros de altura e foi encontrado em rochas de 23 milhões de anos no estado de São Paulo.
O parentesco mais próximo se dá com a seriemas, formas viventes e também
aves predadoras nativas da América do Sul, porém de tamanho e peso bem
menores.
Entre as características principais dos Phorusrhacidae destacam-se a
grande cabeça, que, junto com o bico maciço e em forma de gancho, deve
ter sido uma importante ferramenta para destroçar as suas presas. As
asas atrofiadas indicam claramente que não podiam voar, mas as suas
pernas bem desenvolvidas sugerem que elam tenham sido boas corredoras.O parentesco mais próximo se dá com a seriemas, formas viventes e também aves predadoras nativas da América do Sul, porém de tamanho e peso bem menores (menos de um metro, com peso variando de 25 a 30 kg). Ademais, as seriemas, cujo canto é bem peculiar, conseguem voar quando ameaçadas.
A descoberta
Liderados por Frederico J. Degrange, da Universidade Nacional de Córdoba, na Argentina, pesquisadores descreveram o mais completo esqueleto de uma ‘ave do terror’. O exemplar foi encontrado em rochas formadas há aproximadamente 3,3 milhões de anos na praia de La Estafeta, situada em Mar del Plata, na província de Buenos Aires, costa leste da Argentina.A nova espécie foi chamada de Llallawavis scagliai, inspirada na palavra llallawa, que, na língua de um povo indígena local, significa ‘magnífico’. O termo scagliai é uma homenagem a um importante diretor (Galileo Juan Scaglia, 1915-1989) de um museu local.
Llallawavis scagliai não era uma das maiores representantes do grupo, tendo aproximadamente 1,2 metros de altura e pesando menos de 20 kg. Porém, sua excepcional preservação permitiu aos pesquisadores realizar análises por tomografia computadorizada da região auditiva do animal, como também estabelecer inferências de seus movimentos.
Como resultado, Degrange e colegas puderam determinar que Llallawais tinha uma capacidade para ouvir sons com frequências em torno de 2.300 Hz, valor abaixo da média se comparado ao das espécies de aves viventes proximamente relacionadas aos Phorusrhacidae, como as próprias seriemas.
Possivelmente Llallawais desenvolveu habilidades acústicas para
sons de baixa frequência para comunicação entre membros da mesma espécie
ou talvez para a identificação de presas
Tal fato levou à sugestão de que possivelmente Llallawais
desenvolveu habilidades acústicas para sons de baixa frequência para
comunicação entre membros da mesma espécie ou talvez para a
identificação de presas. Os autores também puderam examinar a região da
órbita do animal, onde encontraram os ossos escleróticos em perfeitas
condições, o que permitiu ajustar a visão da córnea dessa ave,
considerada de hábitos diurnos.Embora os autores tenham ressaltado bem que esses resultados devem ser considerados preliminares e que mais análises desse tipo deveriam ser feitas em outras espécies de Phorusrhacidae, o mais interessante do estudo é o fato de que temos a possibilidade de refinar o comportamento das ‘aves do terror’.
Antes que eu me esqueça, vale a pena mencionar que essa dica para a coluna veio a partir de um dos autores do artigo, Matias Taglioretti, pelo Facebook. Mais leitores podem fazer o mesmo – também por e-mail.
Alexander Kellner
Museu Nacional/UFRJ
Academia Brasileira de Ciências
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