sexta-feira, 9 de julho de 2010

Tudo sobre a calvície

De bem com o espelho

Um estudo recente aponta novidades sobre a determinação genética da calvície. Jerry Borges aproveita o pretexto para mostrar o que a biologia já sabe sobre a origem dessa doença que atormenta boa parte da população masculina.

Por: Jerry Carvalho Borges

Publicado em 06/07/2010 | Atualizado em 07/07/2010

De bem com o espelho

Pesadelo masculino: estima-se que a calvície afete metade da população de homens aos 50 anos (foto: Smobserver / CC-BY-SA-3.0).

De monges a skinheads, de nobres europeus renascentistas aos Beatles, de hippies a atletas de cabeça raspada, passando pelos rastafáris com dreadlocks, o cabelo e o estilo que impomos a ele têm um profundo significado biológico, social e psicológico. Ele serve como uma marca característica do sexo, da idade, do status social e de valores de seus possuidores.

O cabelo é parte essencial da 'imagem corporal' e afeta as percepções, sentimentos e comportamentos relacionados com a aparência física. Para muitos, esse é um atributo que expressa a individualidade e que pode ou não tornar um indivíduo atraente.

Para além do aspecto estético, a calvície pode afetar a autoestima e contribuir para problemas psicológicos

A calvície comum, também conhecida como alopecia androgênica ou calvície hereditária, é a causa mais frequente da perda de cabelos. Ela pode ter um impacto profundo para a maioria das pessoas.

Por esse motivo, para além do aspecto estético, ela causa preocupação entre os médicos quando ocorre de forma prematura, pois pode afetar a autoestima e contribuir para problemas psicológicos.

A progressão da calvície é bem característica: nos homens, há inicialmente uma diminuição capilar em ambas as têmporas e, após algum tempo, a perda de cabelos afeta as regiões frontal e posterior. Por fim, há a perda completa (ou quase!) do cabelo. Já nas mulheres, a perda de cabelos é mais difusa e não ocorre usualmente na região frontal.

Indivíduos com uma maior predisposição para a calvície podem se tornar calvos no início da idade adulta; nas pessoas com menor tendência, ela só se manifesta após os 60 ou 70 anos. Estimativas indicam que a calvície afeta metade da população masculina aos 50 anos e cerca de 70% dos indivíduos se considerada toda a vida. A ocorrência no sexo feminino é bem menor – ela afeta apenas cerca de 6% das mulheres com 50 anos e 30% das idosas com 70 anos ou mais.

Progressão da calvície
O esquema representa uma escala clínica usada habitualmente para medir a progressão da calvície androgênica. Ela costuma começar com uma diminuição capilar em ambas as têmporas e, após algum tempo, a perda de cabelos afeta as regiões frontal e posterior. Adaptado de Sinclair, R. (2004).

Herança genética

Pesquisas indicam que a calvície é causada principalmente por uma suscetibilidade genética e que depende também de hormônios masculinos. A tendência de ocorrência de herança hereditária de calvície é bem conhecida pelos estudiosos.

Um dos primeiros estudos sobre a calvície foi realizado em 1916 por Dorothy Osborn, pesquisadora alemã que analisou a ocorrência desse fenômeno em 22 famílias. Ela sugeriu que o gene da calvície, batizado por ela de “B” (do inglês baldness, calvície) era autossômico e dominante no homem. Nas mulheres, postulou Osborn, esse gene comportava-se de forma recessiva.

Apesar de essa teoria ter sido bem aceita durante décadas, o primeiro teste real a que foi submetida foi realizado apenas em 1984, por Wolfgang Kuster e por Rudolf Happle, da Universidade de Marburg, Alemanha. Essa pesquisa não comprovou as observações de Osborn: os resultados indicavam que a calvície era herdada de forma poligênica – um tipo de herança de ocorrência muito mais comum do que as características determinadas por um único gene.

Um estudo realizado em 1998 por uma equipe chefiada por Justine Ellis, da Universidade de Melbourne, Austrália, observou que 81,5% de indivíduos calvos tinham pais que apresentavam um grau significativo de calvície, uma proporção superior ao que seria esperado para uma herança autossômica dominante.

A genética parece estar envolvida na determinação do início da calvície, do padrão de perda de cabelos e da sua taxa de progressão

Posteriormente, a mesma equipe descreveu uma associação entre a calvície masculina e uma variação na sequência (polimorfismo) de um gene conhecido como STU1 e que produz um receptor para um hormônio masculino.

Conforme indicado por Ellis e sua equipe, o gene STU1 está presente no cromossomo X e apresenta um padrão de herança ligada ao sexo. Contudo, deve ficar claro que o mesmo não foi observado para outros genes associados com a calvície.

Há indícios do envolvimento de pelo menos quatro outros genes na determinação do início da calvície, do padrão de perda de cabelos e da sua taxa de progressão. Entre eles, estão os genes que produzem duas variantes das enzimas 5α redutase, as sequências que produzem a insulina e a aromatase, um gene para receptor de estrógeno e genes para um fator de crescimento similar à insulina do tipo 2.

Novidades recentes

Em cerca de 40% dos casos de calvície observa-se um processo inflamatório na periferia dos folículos pilosos. Seu papel ficou mais claro a partir da publicação de uma pesquisa na edição da semana passada do periódico científico Nature, liderada por Lynn Petukhova da Universidade de Colúmbia, Estados Unidos.

Esse grupo realizou uma análise ampla de casos de calvície em 4.332 pacientes e indicou que a inflamação em questão estava associada à ocorrência de 139 polimorfismos de um único nucleotídeo – as mudanças de uma única ‘letra’ na sequência de um determinado gene.

Um estudo recente indica que a calvície pode ser um processo autoimune

Os pesquisadores observaram que essas variantes genéticas ocorriam em regiões associadas com o sistema imune e que apresentavam genes que controlavam a ativação e proliferação de células desse sistema. Também foi observada uma associação entre a calvície e alterações em genes expressos no folículo capilar.

Os resultados obtidos pela equipe de Petukhova indicam que a calvície é um processo autoimune e que ocorre devido à incapacidade do organismo de impedir o ataque às células-tronco presentes na base dos folículos pilosos. Contudo, essa agressão não é permanente e um novo desenvolvimento capilar é possível. Apenas não sabemos ainda como fazê-lo...

Desenvolvimento do folículo piloso
O esquema representa as três fases do ciclo de desenvolvimento do folículo piloso. A fase anágena (A) é marcada pelo crescimento ativo; na fase telógena (B), o crescimento é interrompido, até que se chegue à fase catágena (C), de regressão, e o ciclo se reinicie (D). Adaptado de Sinclair, R. (2004).

Aspectos hormonais

O desenvolvimento do folículo piloso é cíclico e formado por três fases: uma fase de desenvolvimento (conhecida como anágena), uma fase de repouso (telógena) e uma fase de regressão (catágena). A fase anágena dura de três a cinco anos, a catágena persiste por cerca de duas semanas e a telógena, por três meses.

Na calvície, a duração da fase anágena diminui a cada ciclo enquanto a telógena permanece constante ou é prolongada, o que diminui o número de folículos. A duração da fase anágena torna-se tão curta que o folículo capilar é incapaz de alcançar um tamanho suficiente para chegar à superfície da pele. Essa miniaturização dos pelos faz com que muitos destes se transformem nos pequenos fios curtos, finos macios e quase incolores que cobrem a maior parte de nosso corpo.

O emprego de minoxidil, um medicamento vasodilatador, é atualmente comum no tratamento de calvície, pois provoca o crescimento de pelos por meio de um aumento da duração da fase anágena que faz com que os folículos em repouso se desenvolvam, de forma a aumentar o tamanho de folículos pequenos.

O envolvimento de hormônios sexuais masculinos (andrógenos) com a calvície é conhecido há bastante tempo. Contudo, não há uma relação entre a ausência desses hormônios e essa patologia. Eunucos, pacientes com síndrome de insensibilidade a andrógenos e com deficiência em 5α redutase não são calvos.

A calvície é induzida pela ativação de receptores androgênicos presentes nos folículos pilosos por meio da ação do hormônio dihidrotestosterona. Níveis elevados desse hormônio têm sido encontrados em áreas calvas, mas seu mecanismo de ação ainda não é conhecido.

O emprego de inibidores da 5α redutase impede a progressão da calvície em cerca de 90% dos homens

A dihidrotestosterona liga-se ao receptor de andrógeno com uma força cinco vezes superior à da testosterona e é mais potente que sua prima mais conhecida. A conversão de testosterona para dihidrotestosterona nos folículos pilosos é realizada pela enzima 5α redutase. O emprego de inibidores dessa enzima impede a progressão da calvície em cerca de 90% dos homens e reverte esse processo parcialmente em 65% dos indivíduos.

Nas mulheres, os níveis de testosterona são menores, quando comparados com os dos homens. Contudo, há andrógenos fracos abundantes e que podem ser precursores de hormônios masculinos mais potentes.

Avanços no conhecimento dos aspectos moleculares e fisiológicos da calvície, que somente agora começam a ser obtidos, nos permitirão no futuro entender a relação entre os hormônios masculinos e a herança genética sobre a biologia dos folículos pilosos. Assim, muitos de nós poderemos novamente fazer as pazes com os nossos espelhos!

Jerry Carvalho Borges
Departamento de Medicina Veterinária
Universidade Federal de Lavras


Sugestões para leitura:

Ellis, J.A., Stebbing, M., Harrap, S.B. (1998). Genetic analysis of male pattern baldness and the 5alpha-reductase genes. J. Invest Dermatol. 110, 849-853.

Ellis JA, Stebbing M, Harrap SB. (2001) Polymorphism of the androgen receptor gene is associated with male pattern baldness. J. Invest. Dermatol. 116:452–5.

Kuster, W., Happle, R. (1984). The inheritance of common baldness: two B or not two B? J. Am. Acad. Dermatol. 11, 921-926.

Messenger, A.G., Rundegren, J. (2004). Minoxidil: mechanisms of action on hair growth. Br. J. Dermatol. 150, 186-194.

Osborne D. (1916). Inheritance of baldness. J. Hered. 7:347–55.

Petukhova, L. et al. (2010). Genome-wide association study in alopecia areata implicates both innate and adaptive immunity. Nature 466, 113-117.

Sinclair, R. (2004). Male androgenetic alopecia. The Journal of Men's Health & Gender, 1 (4), 319-327.

Tosti, A. et al. (2009). Hair loss in women. Minerva Ginecol. 61, 445-452.

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