Um caminho para o gigantismo?
Estudo revela detalhes anatômicos relacionados à respiração e ao tamanho dos pterossauros
Por: Alexander Kellner
Atualizado em 11/07/2010
Esqueleto do pterossauro Rhamphorhynchus (acima). Abaixo, detalhe das costelas esternais, que tinham protuberâncias onde se inseriam músculos (imagens: PLoS One).
Entender como viviam e funcionavam animais que estão extintos há milhões de anos não é uma tarefa fácil. Mesmo assim, por meio de comparações anatômicas detalhadas e do emprego de novas técnicas e equipamentos cada vez mais sofisticados, os paleontólogos têm conseguido avançar na compreensão de várias questões biológicas dos organismos fossilizados.
Leon Claessens (College of the Holy Cross, Massachusetts, Estados Unidos) e colaboradores acabam de dar mais um passo nessa direção. Em estudo publicado na PLoS One, eles descrevem um novo modelo para a respiração dos pterossauros que pode ter levado ao gigantismo de alguns desses répteis voadores.
Os pterossauros formam um dos mais interessantes – e intrigantes – grupos de vertebrados que já surgiram na face da Terra. Os exemplares mais antigos encontrados até hoje procedem de depósitos formados há 215 milhões de anos (a origem do grupo é mais antiga, estimada em torno de 228 milhões de anos atrás). Esses répteis voadores se extinguiram há 65 milhões de anos, juntamente com a maioria dos dinossauros.
Restos de pterossauros foram encontrados em praticamente todos os continentes. Suas formas são bem variadas, inclusive em tamanho: vão desde o Nemicolopterus crypticus da China, que tinha abertura alar de 25 centímetros, até o Quetzalcoatlus northropi do Texas (Estados Unidos), que atingia aproximadamente 10 metros de uma ponta à outra da asa – um verdadeiro gigante.
A origem do voo ativo
O aspecto mais fascinante dos pterossauros não é apenas o seu tamanho ou o fato de eles terem dominado os céus do planeta por mais de 150 milhões de anos, mas sim a proeza de serem os primeiros vertebrados a desenvolverem o voo ativo – e isto bem antes das aves e dos morcegos, os únicos grupos de vertebrados além dos pterossauros com essa característica.
Por isso, muito se especula a respeito do metabolismo desses répteis voadores: se eram animais endotérmicos, que poderiam controlar a temperatura de seu corpo, como fazem as aves; ou se eram ectotérmicos, com a temperatura do corpo sendo mais influenciada pela temperatura externa, como é o caso da maioria dos répteis atuais. A respiração, segundo os pesquisadores, é questão fundamental nessa discussão.
Estudos anteriores partiam do princípio de que a região torácica dos pterossauros não tinha grande mobilidade, pois o esterno (osso situado na parte ventral do tórax) se mantinha em posição relativamente fixa. Dessa forma, não haveria uma maior participação da região torácica no bombeamento do ar para os pulmões, uma característica associada a animais ectotérmicos.
Novo modelo respiratório
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Leon Claessens e seus colegas resolveram então examinar em detalhe a região torácica de três gêneros de pterossauros: Rhamphorhynchus (o mais primitivo dos três), Pteranodon e Anhanguera. Além de analisar os exemplares fósseis em si, eles também realizaram tomografia computadorizada do material, sobretudo de um esqueleto Anhanguera procedente da Formação Santana, no Brasil, cujos ossos estão preservados de forma tridimensional e sem apresentar grandes distorções.
A equipe observou que o esterno dos pterossauros era ligado às costelas por um segundo grupo de ossificações, chamadas de costelas esternais. Essas costelas esternais não tinham tamanho uniforme – as posteriores eram maiores do que as anteriores – e todas possuíam protuberâncias laterais, que seriam base para os músculos da região. Assim, ao comprimirem e expandirem essa musculatura, os pterossauros podiam mover todo o conjunto, incluindo o esterno.
Além disso, os pterossauros possuíam um osso único na frente da bacia chamado de pré-pubis, que também poderia se movimentar para cima e para baixo, participando, assim, da atividade respiratória dos animais. Logo, apesar de a área dorsal da região torácica ser rígida, a parte ventral, onde se localiza o esterno, poderia se mover (por intermédio das costelas esternais), bombeando ar para os pulmões.
Outro ponto levantado por Claessens e seus colegas é a presença de cavidades pneumáticas em diversos ossos do esqueleto dos pterossauros. Esse tipo de estrutura é semelhante à encontrada em aves, que têm essas cavidades preenchidas por sacos aéreos diretamente vinculados à respiração. Dessa forma, o novo estudo sugere que o sistema de respiração dos pterossauros era análogo ao das aves – animais endotérmicos. Esse complexo sistema de sacos aéreos também já foi encontrado em um dinossauro carnívoro descoberto na Argentina, como mostramos anteriormente nesta coluna.
Gigantismo
Um segundo ponto interessante do estudo publicado na PLoS One é a observação de que ossos pneumáticos (preenchidos por ar), particularmente nos membros anteriores, são comuns em pterossauros de maior porte (acima de 2,5 metros de abertura alar) e mais raros em formas menores. Por serem ocos, a densidade dos ossos é comparativamente menor, o que provoca diminuição no peso do esqueleto – uma vantagem para um animal alado.
Dessa forma, Claessens e colegas levantam a hipótese de que, à medida que o sistema de respiração dos pterossauros evoluía e os sacos aéreos invadiam outras partes do esqueleto desses animais, sobretudo os membros anteriores, abriu-se a possibilidade de os pterossauros atingirem tamanhos maiores. Ou seja, a evolução do mecanismo de respiração dos pterossauros fez com que eles pudessem atingir uma envergadura alar cada vez maior. Assim, acabaram surgindo formas gigantescas, como Pteranodon e Anhanguera, que podiam chegar a ter mais de 6 metros de uma ponta à outra da asa.
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Naturalmente, uma pesquisa assim nunca pode ser vista como definitiva, pois existem questões não resolvidas. A mais importante é estabelecer se esse modelo é universal para todos os pterossauros, visto que o trabalho coordenado por Claessens envolveu apenas três gêneros dos mais de 180 conhecidos.
Agora pesquisadores têm que desenvolver mais estudos com uma diversidade maior de pterossauros para determinar se a teoria levantada se mantém. De qualquer forma, esse trabalho sobre os pterossauros mostra como uma pesquisa sobre fósseis pode se sofisticar ao procurar respostas para aspectos biológicos de um grupo totalmente extinto.
Não é apenas de pincéis, martelos e ponteiras que vivem os paleontólogos modernos...
Alexander Kellner
Museu Nacional / UFRJ
Academia Brasileira de Ciências
04/05/2009
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