Viagem ao centro da Terra
Há 245 milhões de anos meteorito abriu cratera de 40 quilômetros de diâmetro na atual divisa entre Mato Grosso e Goiás
Edição Impressa 140 - Outubro 2007
Desde que trocou a vida corrida das grandes cidades pela tranqüilidade do campo seis anos atrás, o publicitário paranaense Ruy Ojeda não se cansa de falar dos encantos da terra que adotou como sua: a pequena Ponte Branca, no sudeste do estado do Mato Grosso, já na divisa com Goiás. O que o seduziu não foi o sossego desse município de menos de 2 mil habitantes nem a beleza natural da região, onde as pastagens gradualmente substituíram as árvores de tronco retorcido e casca espessa do Cerrado. A razão do encanto é um fenômeno que ocorreu muito tempo atrás e ainda hoje Ojeda não compreende bem: o surgimento de uma imensa cratera formada pelo impacto de um meteorito que caiu há 245 milhões de anos perto de onde hoje fica Ponte Branca e o município vizinho de Araguainha.
Ojeda soube da cratera, cuja formação começa agora a ser mais bem conhecida a partir de estudos recentes de geólogos e geofísicos de São Paulo e Campinas, em julho de 2002, quando acompanhava o trabalho de campo da equipe de Claudinei Gouveia de Oliveira, da Universidade de Brasília. Maravilhado com a possibilidade de ver de perto essa cicatriz de um passado distante, Ojeda não perdeu tempo. Subiu a serra da Arnica – o ponto mais alto da região, a 16 quilômetros de Ponte Branca – e olhou em todas as direções, na esperança de encontrar um imenso buraco. Não viu nada que lembrasse uma cratera. Mas não desistiu de procurar e saiu pelas fazendas da região pedindo informações sobre o tal buraco. Só conseguiu encontrar a cratera, a maior da América do Sul provocada pela queda de um corpo celeste, quando aprendeu a decifrar as informações dos documentos científicos. “Não imaginava que vivíamos todos dentro dela”, conta.
Assim como ele, a maior parte dos 2 mil moradores de Ponte Branca e do 1,3 mil de Araguainha não sabe que as duas cidades nasceram no ventre de uma cratera aberta por um meteorito. Muitos nem acreditam que ela de fato exista. Dá para entender por quê. A cratera é tão extensa – tem 40 quilômetros de diâmetro – que da serra da Arnica, seu ponto central, não é possível enxergar os morros que formam sua borda. Só para ter uma idéia de sua dimensão, uma cratera como a de Araguainha abarcaria completamente a Região Metropolitana de São Paulo, a maior metrópole sul-americana, formada pela capital paulista e 39 municípios vizinhos.
Não é só quem mora por lá que tem dificuldade em perceber que as cidades estão no fundo de uma cratera: a primeira perto do centro, a região diretamente atingida pelo meteorito; e a segunda mais próxima à borda, onde extensas cadeias de morros semicirculares se ergueram em conseqüência do choque. Também os cientistas demoraram a notar a cratera. Sua estrutura em forma de um anel com 40 quilômetros de diâmetro foi inicialmente identificada na década de 1960 em estudos geológicos feitos pela Petrobras. Mas os indícios mais fortes de que se tratava mesmo de uma cratera só apareceram mais tarde. Em 1973, ao analisar as primeiras imagens do Brasil feitas pelo satélite norte-americano Landsat, o geofísico Robert Dietz e o geólogo Bevan French sugeriram em um artigo na Nature que a região de Araguainha estava no interior de uma depressão que poderia ser uma cratera de impacto aberta por uma rocha vinda do espaço, estrutura a que os geólogos dão o nome de astroblema.
Mas o formato circular observado do espaço poderia representar também os restos de um vulcão extinto, coberto por sedimentos, dúvida que intrigou os pesquisadores por anos até que as imagens estudadas por Dietz e French chamaram a atenção de um geólogo brasileiro recém-formado, Alvaro Crósta, que começava seu mestrado em sensoriamento remoto no Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais. Após dias de viagem por estradas de terra esburacadas, em 1978 Crósta foi a Araguainha e Ponte Branca e percorreu a região, analisando os diferentes tipos de rocha que afloravam na paisagem. Nessa expedição encontrou os sinais característicos de uma cratera formada por impacto de um meteorito, entre eles fragmentos de rochas sedimentares que lembram a ponta de uma árvore de Natal. São os chamados cones de estilhaçamento ou shatter cones, que Crósta descreveu em um artigo publicado em 1981 na Revista Brasileira de Geociências, simultaneamente à publicação do trabalho da geóloga alemã Barbara Theilen Willige, que havia chegado ao mesmo resultado de modo independente e estimado a idade da cratera em 285 milhões de anos.
Crósta analisou rochas que se formaram com a pressão e o calor do impacto e calculou a idade do choque em aproximadamente 300 milhões de anos. “Mas na época não havia técnicas de datação adequadas e eu já supunha que pudesse ser mais recente”, comenta o geólogo, atualmente professor do Instituto de Geociências da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp). Datações posteriores feitas com técnicas mais precisas definiram em 245 milhões de anos a queda do meteorito na região.
Naquela época a Terra era bem diferente da que conhecemos hoje. O clima era mais quente e seco e as placas tectônicas, imensos blocos rochosos que formam os continentes atuais, ainda se encontravam coladas umas às outras, fundidos em um continente único: a Pangéia. Esse supercontinente que se estendia no sentido norte-sul dividia o globo ao meio e era banhado a leste por um mar chamado Tétis e a oeste pelo Pantalassa, um imenso oceano que cobria quase toda a Terra. O que mais chama a atenção é que justamente nesse período ocorreu a maior das cinco extinções em massa a devastar a vida no planeta. Fósseis encontrados em diferentes regiões do mundo permitem estimar que 96% das espécies que povoavam os oceanos e 70% das que habitavam terra firme tenham sido eliminadas há 250 milhões de anos, data que marca a transição do período geológico Permiano para o Triássico. Há até mesmo quem acredite que essa extinção tenha favorecido a soberania dos dinossauros, que surgiriam tempos mais tarde.
É pouco provável que o meteorito de Araguainha tenha sido o único responsável pela maior extinção da vida do planeta. Mas alguma contribuição ele pode ter dado, uma vez que o choque liberou uma quantidade de energia tão grande que causou em toda a região mais estragos do que se imaginava, revela um extenso trabalho realizado pela equipe de Yára Marangoni, do Instituto de Astronomia, Geofísica e Ciências Atmosféricas da Universidade de São Paulo (IAG-USP).
Em 2005 Yára reuniu especialistas de diferentes áreas da USP e da Unicamp e, em viagens de carro que duram dois dias a partir de São Paulo, os pesquisadores decidiram visitar a região, com o objetivo de investigar como o meteorito havia afetado as camadas mais profundas da crosta terrestre, que hoje se encontram expostas no centro da cratera. Associando técnicas distintas, esse trabalho vem permitindo redimensionar a intensidade do choque e a deformação provocada abaixo da superfície. Após quase dois anos de estudos e três expedições a Araguainha, a equipe de Yára já tem uma idéia mais precisa de como era a região antes da queda do meteorito e da profundidade dessa ferida aberta na pele do planeta. Também consegue estimar melhor o quanto já cicatrizou e foi apagado pelo vento e pela chuva.
Quando um bloco rochoso com 4 a 6 quilômetros de diâmetro despencou dos céus a milhares de quilômetros por segundo perto de onde hoje é Araguainha, a região era uma vasta restinga, submersa alguns metros em água salgada. A violência do impacto afetou imediatamente a região compreendida por um círculo de uns 30 quilômetros de diâmetro: a energia do choque transformou em vapor a água que havia ali e cavou um buraco com quase 2 quilômetros de profundidade, afirma o grupo de Yára em um artigo publicado em outubro no Geological Society of America Bulletin. O ponto diretamente atingido pelo meteorito foi submetido a altíssimas pressões. Mas não por muito tempo. Assim como uma pessoa que cai em uma cama elástica é lançada de volta ao ar, o alívio da pressão no centro do impacto fez brotar à superfície um gigantesco bloco de granito, rocha muito dura e antiga, que estava a dois quilômetros de profundidade – muito distante do centro da Terra, visitado pelos exploradores do livro de Júlio Verne. Esse núcleo com quase 5 quilômetros de diâmetro é parte da zona elevada no centro da cratera e inclui a atual serra da Arnica, a mesma que Ojeda visitou anos atrás à procura da cratera, também conhecida como domo de Araguainha.
Como se descobriu isso? É simples. Os geólogos Cristiano Lana, Ricardo Trindade e Elder Yokoyama analisaram as rochas que formam o relevo da região e constataram que camadas que deveriam estar a centenas de metros de profundidade apareciam ao nível do solo, como se as entranhas da Terra tivessem sido expostas. “A pressão do impacto fundiu parte dos sedimentos e após resfriar fez surgir no centro da cratera uma camada de 100 metros de espessura de uma rocha que contém fragmentos microscópicos de vidro”, conta Trindade.
Com um equipamento que mede variações na aceleração da gravidade – e permite estimar a densidade das rochas de uma região –, Yára e Marcos Alberto Vasconcelos avaliaram 300 pontos no interior da cratera. Notaram que a energia liberada no choque gerou danos muito abaixo da atual superfície. “A quase 2 quilômetros de profundidade é possível detectar os efeitos desse impacto no granito, que trincou e se tornou muito menos denso do que geralmente é”, conta a geofísica.
Os efeitos do choque se propagaram para muito além do núcleo e amarrotaram a crosta terrestre. Mapas tridimensionais produzidos a partir de imagens de satélite por Lana e Carlos Roberto Souza Filho, da Unicamp, mostram que círculos concêntricos se formaram em torno do local de impacto, como quando se lança uma pedra em uma bacia com água. Uma primeira cadeia circular de morros de até 500 metros de altura e quilômetros de extensão erigiu-se a 12 quilômetros do local de impacto, e uma segunda um pouco mais adiante, de 14 a 18 quilômetros do núcleo.
Nem tudo, claro, continua igual. “Nesses milhões de anos esses morros perderam de 250 a 350 metros de altitude devido à ação do vento e da chuva”, explica Yára. Apesar desse desgaste natural, os pesquisadores afirmam que a cratera permanece muito parecida com a que se formou logo após o impacto. “É difícil ter acesso a uma cratera com estruturas bem conservadas como a de Araguainha”, diz Trindade. Muitos geólogos acreditam que crateras escavadas por meteoritos tenham sido muito mais comuns do que se pode imaginar. No início da formação do Sistema Solar os planetas mais próximos ao Sol, incluindo a Terra, foram fortemente bombardeados por meteoritos. A diferença por aqui é que as condições climáticas e a movimentação das placas tectônicas apagaram parte dessa história, que permanece gravada nas crateras de Marte ou mesmo da Lua.
Como primeiro passo para proteger Araguainha, anos atrás Crósta registrou a cratera na lista da Comissão Brasileira de Sítios Geológicos e Paleobiológicos com os principais sítios geológicos nacionais, candidatos a serem classificados como patrimônio da humanidade pela Unesco. No início deste ano as prefeituras de Ponte Branca e Araguainha e o Ibama assinaram um documento propondo a criação de uma área de proteção ambiental na área da cratera. “Essa é uma forma de a região obter recursos para preservar as estruturas da cratera e adotar iniciativas como painéis explicando o que aconteceu por ali e programas de educação e divulgação nas escolas locais”, afirma Crósta. “Se não transmitirmos esse tipo de informação, há risco de os afloramentos rochosos serem destruídos.”
Ruy Ojeda, que até março era secretário de Meio Ambiente e Turismo de Ponte Branca, vê na conservação da cratera uma oportunidade de renascimento econômico para a região, que empobreceu desde o fim dos garimpos de pedras preciosas em meados do século passado. Desde que descobriu a cratera cinco anos atrás, se apaixonou e leu tudo o que pôde a respeito. E decidiu compartilhar com os moradores da região e de outras cidades o conhecimento sobre esse passado distante. “Não meço o tempo para falar sobre esse assunto”, diz Ojeda, que é conhecido como o embaixador do domo de Araguainha.
Desde que trocou a vida corrida das grandes cidades pela tranqüilidade do campo seis anos atrás, o publicitário paranaense Ruy Ojeda não se cansa de falar dos encantos da terra que adotou como sua: a pequena Ponte Branca, no sudeste do estado do Mato Grosso, já na divisa com Goiás. O que o seduziu não foi o sossego desse município de menos de 2 mil habitantes nem a beleza natural da região, onde as pastagens gradualmente substituíram as árvores de tronco retorcido e casca espessa do Cerrado. A razão do encanto é um fenômeno que ocorreu muito tempo atrás e ainda hoje Ojeda não compreende bem: o surgimento de uma imensa cratera formada pelo impacto de um meteorito que caiu há 245 milhões de anos perto de onde hoje fica Ponte Branca e o município vizinho de Araguainha.
Ojeda soube da cratera, cuja formação começa agora a ser mais bem conhecida a partir de estudos recentes de geólogos e geofísicos de São Paulo e Campinas, em julho de 2002, quando acompanhava o trabalho de campo da equipe de Claudinei Gouveia de Oliveira, da Universidade de Brasília. Maravilhado com a possibilidade de ver de perto essa cicatriz de um passado distante, Ojeda não perdeu tempo. Subiu a serra da Arnica – o ponto mais alto da região, a 16 quilômetros de Ponte Branca – e olhou em todas as direções, na esperança de encontrar um imenso buraco. Não viu nada que lembrasse uma cratera. Mas não desistiu de procurar e saiu pelas fazendas da região pedindo informações sobre o tal buraco. Só conseguiu encontrar a cratera, a maior da América do Sul provocada pela queda de um corpo celeste, quando aprendeu a decifrar as informações dos documentos científicos. “Não imaginava que vivíamos todos dentro dela”, conta.
Assim como ele, a maior parte dos 2 mil moradores de Ponte Branca e do 1,3 mil de Araguainha não sabe que as duas cidades nasceram no ventre de uma cratera aberta por um meteorito. Muitos nem acreditam que ela de fato exista. Dá para entender por quê. A cratera é tão extensa – tem 40 quilômetros de diâmetro – que da serra da Arnica, seu ponto central, não é possível enxergar os morros que formam sua borda. Só para ter uma idéia de sua dimensão, uma cratera como a de Araguainha abarcaria completamente a Região Metropolitana de São Paulo, a maior metrópole sul-americana, formada pela capital paulista e 39 municípios vizinhos.
Não é só quem mora por lá que tem dificuldade em perceber que as cidades estão no fundo de uma cratera: a primeira perto do centro, a região diretamente atingida pelo meteorito; e a segunda mais próxima à borda, onde extensas cadeias de morros semicirculares se ergueram em conseqüência do choque. Também os cientistas demoraram a notar a cratera. Sua estrutura em forma de um anel com 40 quilômetros de diâmetro foi inicialmente identificada na década de 1960 em estudos geológicos feitos pela Petrobras. Mas os indícios mais fortes de que se tratava mesmo de uma cratera só apareceram mais tarde. Em 1973, ao analisar as primeiras imagens do Brasil feitas pelo satélite norte-americano Landsat, o geofísico Robert Dietz e o geólogo Bevan French sugeriram em um artigo na Nature que a região de Araguainha estava no interior de uma depressão que poderia ser uma cratera de impacto aberta por uma rocha vinda do espaço, estrutura a que os geólogos dão o nome de astroblema.
© Elder Yokoyama/IAG-USP |
Após o choque: núcleo rochoso que estava a 2 quilômetros de profundidade aflorou e originou a serra da Arnica |
Crósta analisou rochas que se formaram com a pressão e o calor do impacto e calculou a idade do choque em aproximadamente 300 milhões de anos. “Mas na época não havia técnicas de datação adequadas e eu já supunha que pudesse ser mais recente”, comenta o geólogo, atualmente professor do Instituto de Geociências da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp). Datações posteriores feitas com técnicas mais precisas definiram em 245 milhões de anos a queda do meteorito na região.
Naquela época a Terra era bem diferente da que conhecemos hoje. O clima era mais quente e seco e as placas tectônicas, imensos blocos rochosos que formam os continentes atuais, ainda se encontravam coladas umas às outras, fundidos em um continente único: a Pangéia. Esse supercontinente que se estendia no sentido norte-sul dividia o globo ao meio e era banhado a leste por um mar chamado Tétis e a oeste pelo Pantalassa, um imenso oceano que cobria quase toda a Terra. O que mais chama a atenção é que justamente nesse período ocorreu a maior das cinco extinções em massa a devastar a vida no planeta. Fósseis encontrados em diferentes regiões do mundo permitem estimar que 96% das espécies que povoavam os oceanos e 70% das que habitavam terra firme tenham sido eliminadas há 250 milhões de anos, data que marca a transição do período geológico Permiano para o Triássico. Há até mesmo quem acredite que essa extinção tenha favorecido a soberania dos dinossauros, que surgiriam tempos mais tarde.
É pouco provável que o meteorito de Araguainha tenha sido o único responsável pela maior extinção da vida do planeta. Mas alguma contribuição ele pode ter dado, uma vez que o choque liberou uma quantidade de energia tão grande que causou em toda a região mais estragos do que se imaginava, revela um extenso trabalho realizado pela equipe de Yára Marangoni, do Instituto de Astronomia, Geofísica e Ciências Atmosféricas da Universidade de São Paulo (IAG-USP).
Em 2005 Yára reuniu especialistas de diferentes áreas da USP e da Unicamp e, em viagens de carro que duram dois dias a partir de São Paulo, os pesquisadores decidiram visitar a região, com o objetivo de investigar como o meteorito havia afetado as camadas mais profundas da crosta terrestre, que hoje se encontram expostas no centro da cratera. Associando técnicas distintas, esse trabalho vem permitindo redimensionar a intensidade do choque e a deformação provocada abaixo da superfície. Após quase dois anos de estudos e três expedições a Araguainha, a equipe de Yára já tem uma idéia mais precisa de como era a região antes da queda do meteorito e da profundidade dessa ferida aberta na pele do planeta. Também consegue estimar melhor o quanto já cicatrizou e foi apagado pelo vento e pela chuva.
Quando um bloco rochoso com 4 a 6 quilômetros de diâmetro despencou dos céus a milhares de quilômetros por segundo perto de onde hoje é Araguainha, a região era uma vasta restinga, submersa alguns metros em água salgada. A violência do impacto afetou imediatamente a região compreendida por um círculo de uns 30 quilômetros de diâmetro: a energia do choque transformou em vapor a água que havia ali e cavou um buraco com quase 2 quilômetros de profundidade, afirma o grupo de Yára em um artigo publicado em outubro no Geological Society of America Bulletin. O ponto diretamente atingido pelo meteorito foi submetido a altíssimas pressões. Mas não por muito tempo. Assim como uma pessoa que cai em uma cama elástica é lançada de volta ao ar, o alívio da pressão no centro do impacto fez brotar à superfície um gigantesco bloco de granito, rocha muito dura e antiga, que estava a dois quilômetros de profundidade – muito distante do centro da Terra, visitado pelos exploradores do livro de Júlio Verne. Esse núcleo com quase 5 quilômetros de diâmetro é parte da zona elevada no centro da cratera e inclui a atual serra da Arnica, a mesma que Ojeda visitou anos atrás à procura da cratera, também conhecida como domo de Araguainha.
Como se descobriu isso? É simples. Os geólogos Cristiano Lana, Ricardo Trindade e Elder Yokoyama analisaram as rochas que formam o relevo da região e constataram que camadas que deveriam estar a centenas de metros de profundidade apareciam ao nível do solo, como se as entranhas da Terra tivessem sido expostas. “A pressão do impacto fundiu parte dos sedimentos e após resfriar fez surgir no centro da cratera uma camada de 100 metros de espessura de uma rocha que contém fragmentos microscópicos de vidro”, conta Trindade.
Com um equipamento que mede variações na aceleração da gravidade – e permite estimar a densidade das rochas de uma região –, Yára e Marcos Alberto Vasconcelos avaliaram 300 pontos no interior da cratera. Notaram que a energia liberada no choque gerou danos muito abaixo da atual superfície. “A quase 2 quilômetros de profundidade é possível detectar os efeitos desse impacto no granito, que trincou e se tornou muito menos denso do que geralmente é”, conta a geofísica.
Os efeitos do choque se propagaram para muito além do núcleo e amarrotaram a crosta terrestre. Mapas tridimensionais produzidos a partir de imagens de satélite por Lana e Carlos Roberto Souza Filho, da Unicamp, mostram que círculos concêntricos se formaram em torno do local de impacto, como quando se lança uma pedra em uma bacia com água. Uma primeira cadeia circular de morros de até 500 metros de altura e quilômetros de extensão erigiu-se a 12 quilômetros do local de impacto, e uma segunda um pouco mais adiante, de 14 a 18 quilômetros do núcleo.
Nem tudo, claro, continua igual. “Nesses milhões de anos esses morros perderam de 250 a 350 metros de altitude devido à ação do vento e da chuva”, explica Yára. Apesar desse desgaste natural, os pesquisadores afirmam que a cratera permanece muito parecida com a que se formou logo após o impacto. “É difícil ter acesso a uma cratera com estruturas bem conservadas como a de Araguainha”, diz Trindade. Muitos geólogos acreditam que crateras escavadas por meteoritos tenham sido muito mais comuns do que se pode imaginar. No início da formação do Sistema Solar os planetas mais próximos ao Sol, incluindo a Terra, foram fortemente bombardeados por meteoritos. A diferença por aqui é que as condições climáticas e a movimentação das placas tectônicas apagaram parte dessa história, que permanece gravada nas crateras de Marte ou mesmo da Lua.
Como primeiro passo para proteger Araguainha, anos atrás Crósta registrou a cratera na lista da Comissão Brasileira de Sítios Geológicos e Paleobiológicos com os principais sítios geológicos nacionais, candidatos a serem classificados como patrimônio da humanidade pela Unesco. No início deste ano as prefeituras de Ponte Branca e Araguainha e o Ibama assinaram um documento propondo a criação de uma área de proteção ambiental na área da cratera. “Essa é uma forma de a região obter recursos para preservar as estruturas da cratera e adotar iniciativas como painéis explicando o que aconteceu por ali e programas de educação e divulgação nas escolas locais”, afirma Crósta. “Se não transmitirmos esse tipo de informação, há risco de os afloramentos rochosos serem destruídos.”
Ruy Ojeda, que até março era secretário de Meio Ambiente e Turismo de Ponte Branca, vê na conservação da cratera uma oportunidade de renascimento econômico para a região, que empobreceu desde o fim dos garimpos de pedras preciosas em meados do século passado. Desde que descobriu a cratera cinco anos atrás, se apaixonou e leu tudo o que pôde a respeito. E decidiu compartilhar com os moradores da região e de outras cidades o conhecimento sobre esse passado distante. “Não meço o tempo para falar sobre esse assunto”, diz Ojeda, que é conhecido como o embaixador do domo de Araguainha.
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