Um herbívoro do Oeste
Pesquisadores descobrem esqueleto de um antecedente dos saurópodes em Utah, nos Estados Unidos. O réptil, de um grupo pouco comum naquele país, chama a atenção por ter sido encontrado de cabeça para baixo em uma camada de arenito.
Por: Alexander Kellner Publicado em 02/04/2010 | Atualizado em 02/04/2010
Ossos do dinossauro 'Saitaad ruessi' encontrados em Utah. Os fósseis foram encontrados em uma camada de arenito com idade de cerca de 185 milhões de anos (foto: Museu de História Natural de Utah / Univ. de Utah).
Esse grupo de répteis pré-históricos é muito bem representado nos principais depósitos fossilíferos dodo Cretáceo, mas sua origem é bastante debatida pelos pesquisadores. Jurássico e
Os animais que antecederam esses dinossauros são conhecidos como sauropodomorfos basais. Eles foram encontrados em camadas que vão do Triássico Superior ao Jurássico Inferior, em muitas partes do mundo como Argentina, Ásia, África, Europa e até na Antártica. Também no Brasil os sauropodomorfos basais estão representados com o Unaysaurus e o Saturnalia (talvez o mais primitivo de todos) do Rio Grande do Sul.
uriosamente, apesar das intensas pesquisas sobre dinossauros nos Estados Unidos, o registro de sauropodomorfos basais naquele país é bastante escasso. Isso começa a se modificar com a descoberta de uma nova espécie – o Saitaad ruessi – pelos pesquisadores Joseph Sertich (Universidade de Stony Brook, Nova York) e Mark Loewen (Museu de História Natural de Utah, Salt Lake City). O novo réptil foi descrito em artigo que acaba se ser publicado pela revista PLoS One.
Um único esqueleto de Saitaad ruessi foi encontrado ao acaso por um artista chamado Joe Pachek, que avistou ossos em um penhasco na região de Comb Ridge, em San Juan, no sul do estado de Utah. Nessa área são encontradas rochas do Jurássico Inferior formadas há aproximadamente 185 milhões de anos e denominadas de ‘arenito de Navajo’.
Ambiente árido
O exemplar estava preservado em uma camada de arenito depositado pelo vento em um ambiente desértico. Logo abaixo dessa camada são encontradas as rochas da Formação Kayenta, que representa um antigo ambiente formado por rios. Isso sugere que o dinossauro vivia provavelmente em um ambiente muito árido, no qual ocasionalmente os rios eram assoreados por dunas – o que, diga-se de passagem, também ocorre em algumas regiões nos dias de hoje.Avisados, os pesquisadores do Museu de História Natural de Utah foram ao local e constataram que o exemplar era realmente interessante, mas a sua coleta não seria nada fácil: os ossos estavam na parede de um penhasco quase vertical. Ao contrário do que se faz normalmente, a coleta não se daria em uma camada horizontal, mas seria necessário escavar ‘para dentro’ da parede – algo nada trivial. As complicações não pararam por aí. A rocha era muito dura – justamente a pior combinação para recuperar um fóssil.
Para a retirada do exemplar foi necessário empregar uma serra industrial com uma lâmina de serra diamantada – nada de pincéis ou trinchas como no filme Jurassic Park. O trabalho avançou lentamente, pois havia o risco de fraturar esqueleto. Mesmo com todo cuidado – que envolveu os tradicionais martelos e ponteiras –, o que todos temiam acabou acontecendo: o bloco com o dinossauro se partiu em dois, para desespero dos pesquisadores. Apesar do susto inicial, felizmente não foi nada grave e a maioria dos ossos quebrados puderam ser cuidadosamente restaurados no laboratório.
Apesar da dureza da rocha, os ossos eram frágeis. Assim, os preparadores optaram por isolar apenas alguns elementos e expor os demais somente em um dos lados, mantendo-os na forma em que foram encontrados. As partes que ficaram escondidas nas rochas puderam ser estudadas com ajuda de imagens de tomografia – técnica cada vez mais utilizada na pesquisa paleontológica.
No final, tudo valeu a pena: os esforços foram recompensados com a descoberta de um novo sauropodomorfo basal – bastante raro naquele país. As principais feições que distinguem o Seitaad ruessi das outras espécies do grupo estão localizadas nos braços e mãos, que sugerem uma musculatura muito desenvolvida. O animal tinha aproximadamente 3,5 metros do focinho à cauda. Ele era, portanto, bem menor do que os saurópodes, seus parentes mais distantes.
De cabeça para baixo
Um fato que deixou Joseph Sertich e Mark Loewen muito intrigados é a maneira um tanto inusitada de como o esqueleto de Seitaad estava preservado: inclinado, quase verticalmente em relação à superfície da camada rochosa, tendo a região da cabeça – que não ficou preservada – disposta para baixo. Este tipo de postura difere muito do que normalmente ocorre nos achados de vertebrados fossilizados, geralmente dispostos paralelamente à superfície da camada.Embora seja difícil inferir o que aconteceu, os pesquisadores observaram que o esqueleto estava articulado, com praticamente todos os ossos encontrados dispostos em posição anatômica. Esse fato indica claramente que tecido mole – como músculos e tendões – estavam presentes mantendo todas as partes encontradas do esqueleto em posição quando esse indivíduo foi soterrado.
Porém, ao contrário do que se poderia pensar, o dinossauro não foi enterrado vivo – faltam muitas partes. Algumas – como o pescoço e a cabeça – deveriam estar originalmente presentes, mas foram perdidas devido à erosão. Mas a falta de outros ossos, como alguns das pernas, indica que o espécime de Seitaad já deveria estar morto quando foi soterrado.
A melhor explicação é que, após a morte do animal, ele ficou exposto por algum tempo até um momento em que houve o colapso de uma duna, fazendo com que ele ficasse de cabeça para baixo e, em seguida, fosse soterrado pela areia.
Possivelmente essa curiosa preservação inspirou a escolha do nome da nova fera: Seitaad vem de Séít'áád, uma criatura mitológica da tribo indígena Diné que soterrava as suas vítimas em dunas de areia. O nome da espécie homenageia também o naturalista Everett Ruess (1914-1934?), que sumiu misteriosamente ao explorar o estado de Utah.
Laços de família
Joseph Sertich e Mark Loewen também tentaram estabelecer com quais outras espécies de sauropodomorfos primitivos o Seitaad ruessi estava mais proximamente relacionado. Infelizmente, os resultados não foram conclusivos: a nova espécie podia tanto estar mais relacionada a algumas formas da Argentina como da Europa ou mesmo da África.De qualquer maneira, antes da descoberta do Seitaad, os registros de dinossauros sauropodomorfos nos Estados Unidos, particularmente em Utah, eram muito escassos e incompletos, formados por sequências de vértebras caudais ou de ossos isolados, o que restringia muito as informações desse grupo.
O encontro desse novo exemplar abre a esperança de que mais esqueletos desses dinossauros sejam encontrados na região, o que ajudaria a elucidar como os sauropodomorfos primitivos evoluíram e se distribuíram em todos os continentes.
Alexander Kellner
Museu Nacional/ UFRJ
Academia Brasileira de Ciências
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