Primatas do Brasil: prioridade global
Estadão entrevistou o pesquisador que ajudou a incluir duas espécies de primatas brasileiros na lista dos 25 mais ameaçadaos da IUCN
27 de outubro de 2010 | 12h 00
Karina Ninni - Especial para o Estado
Cerca de metade das 424 espécies dos primatas do mundo estão ameaçadas de extinção. O Brasil é o país com maior diversidade desses animais e também lidera em número de espécies ameaçadas: 40 estão em uma das três categorias que a União Internacional pela Conservação da Natureza (IUCN, na sigla em inglês) considera problemáticas: criticamente em perigo; em perigo ou vulnerável. A cada dois anos, a IUCN divulga a lista dos 25 primatas mais ameaçados no mundo. Este ano ela inclui o guigó-da Caatinga (Callicebus barbarabrownae) e o macaco-prego-galego (Cebus flavius). Um dos três membros da delegação do País na ONG, o veterinário e doutor em Antropologia Biológica Maurício Talebi falou ao Planeta sobre o esforço para incluir na relação animais brasileiros.
Como é o processo de escolha dos animais que entram na lista da IUCN?
As delegações é que sugerem. No início a lista é bem grande, beirando cem espécies. O primeiro debate já tira quase 50% da lista preliminar. O macaco-prego-galego já havia sido recomendado na última reunião, mas não chegou ao final, caiu antes. Desta vez, conseguimos. Gastamos só 15 minutos na argumentação em favor de ambas as espécies. Mas a reunião durou quase 5 horas. Sobraram 32 espécies para a escolha final.
O que pesa para que o animal seja considerado ameaçado a ponto de estar entre os 25?
O fato de os animais estarem sem hábitat, ou reduzidos a um pequeno número de indivíduos, ou ainda quando há grande pressão antrópica (do homem) sobre eles. No caso do macaco-prego-galego, pesou o fato de ele ter sido considerado desaparecido. Como já havíamos apresentado a “candidatura” dele na reunião passada, os coordenadores entenderam que havia um esforço dos pesquisadores brasileiros para preservar a espécie. Em quatro anos conseguimos mapear a espécie, mostrar onde ocorria, estimar o número de remanescentes. Isso faz a diferença.
Quanto tempo ele ficou “desaparecido”?
Incríveis 300 anos. Nós, cientistas, achávamos que era erro de nomenclatura, que não havia macaco-prego “loiro”. Mas havia registros de pinturas do período imperial, da Família Real, nas quais sempre aparecia um membro da realeza com um macaco-prego albino no ombro. Gravuras do animal feitas pelos primeiros artistas que retrataram a fauna brasileira também eram comuns. Quando ele reapareceu, em 2006, fizemos um esforço imenso de mapeamento. É um bicho raríssimo.
Quantos indivíduos existem hoje no País?
Numa perspectiva otimista, 100, 150 indivíduos.
É bem pouco...
É, mas se for levado em conta que concorremos com espécies cuja população remanescente é estimada em seis, sete indivíduos, a relação muda de figura.
E onde vive esse macaco?
Na Mata Atlântica. Há pequenas populações em ilhas de floresta no Rio Grande do Norte, Paraíba, Pernambuco e Alagoas.
Qual é a importância de ter uma espécie na lista?
É estratégico para conseguir mobilizar recursos e pessoal para estudá-la. É o ponto de partida para a recuperação e a conservação. O mico-leão-preto esteve na lista e foi retirado em 2008. Foi criada uma unidade de conservação para ajudar a conservar a espécie, que não está mais criticamente em perigo.
A perda e a fragmentação de hábitat são os maiores problemas para as espécies originárias da Mata Atlântica?
Sem dúvida. Infelizmente 70% dos primatas do bioma estão sob algum nível de ameaça: vulneráveis, em perigo ou criticamente em perigo.
E quanto ao guigó-da-Caatinga? Por que está na lista?
O guigó é uma espécie endêmica da Caatinga que, por sua vez, é um bioma endêmico do Brasil. Ou seja, ele só ocorre aqui. Já estava na lista da IUCN, classificado como criticamente em perigo.
Ele também está ficando sem hábitat?
A Caatinga é fragmentada e pouco protegida. Tanto que as principais ameaças ao guigó são os ciclos de queimada e o desmatamento.
Quantos indivíduos existem e onde eles se concentram?
Também numa perspectiva otimista, entre 500 e 1.000. A distribuição original é de difícil reconstrução, pelo estágio atual de devastação da Caatinga. A espécie está restrita à Bahia e a Sergipe, numa área de 100 a 150 quilômetros quadrados.
A delegação brasileira tentou incluir outras espécies ameaçadas na lista?
Levamos um tipo de acari e outro chamado Saguinus bicolor (sauim-de-coleira), que é um sagui cuja pelagem, como o nome diz, é de duas cores. Ele só ocorre na região de Manaus, numa área excepcionalmente antropizada (com impacto da ação humana) – daí nossa preocupação em tentar protegê-lo.
Quais são os bons exemplos de preservação no Brasil?
O exemplo emblemático é o do mico-leão-dourado. Há 30 anos, eles eram 250. Hoje, a população é bem maior (são cerca de 1.600 animais).
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