Taxonomia em barras
11/07/2011
Por Fábio de Castro
Agência FAPESP – Em 250 anos de prática taxonômica os cientistas descreveram cerca de 1,7 milhão de espécies de seres vivos. Mas estima-se que cerca de 87% das espécies existentes ainda são completamente desconhecidas, de acordo com o professor Cláudio Oliveira, do Instituto de Biociências da Universidade Estadual Paulista (Unesp) de Botucatu.
Utilizando técnica de DNA barcoding, cientistas pretendem catalogar 10% das espécies biológicas do Brasil em quatro anos (Foto: CBOL)
Segundo ele, o Brasil está contribuindo para diminuir essa imensa lacuna do conhecimento com o uso da técnica de
DNA barcoding – ou código de barras de DNA – que vem se estabelecendo como um padrão global para a identificação de espécies biológicas.
Durante o 7º Simpósio do Programa BIOTA-FAPESP, realizado na semana passada em São Carlos (SP), Oliveira afirmou que, utilizando a técnica de
DNA barcoding, a Rede de Pesquisa de Identificação Molecular da Biodiversidade Brasileira (BR-BoL) deverá catalogar 120 mil exemplares de 24 mil espécies em quatro anos.
A rede, coordenada por Oliveira, tem financiamento do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) e integra o projeto internacional
Barcode of Life (“Código de Barras da Vida, ou iBOL, na sigla em inglês), iniciado em 2004. Os dados coletados são inseridos na base de dados
Barcode of Life Data Systems (Bold, na sigla em inglês).
“O objetivo é que, em quatro anos, sejam catalogados 120 mil exemplares na base Bold. Nossa estimativa é que isso corresponda a cerca de 10% da biodiversidade brasileira”, disse Oliveira.
Segundo ele, atualmente são conhecidas – isto é, possuem nome científico – cerca de 50 mil espécies de vertebrados, 800 mil espécies de insetos, 200 mil espécies de plantas com flores. Mas os números das espécies desconhecidas são muito mais impressionantes.
“Estima-se que o número de espécies ignoradas seja da ordem de 10 vezes o número das espécies identificadas taxonomicamente. Os vertebrados são até bem conhecidos: calcula-se que a taxa de desconhecimento seja de apenas 7%. Mas essa taxa é de 15% para as plantas, 65% para moluscos, 80% para protozoários, 90% para insetos e 99% para bactérias, por exemplo. Por isso é fundamental ter um método simples e eficaz de identificação, como o
DNA barcoding”, afirmou.
A base Bold tem catalogadas, atualmente, mais de 106 mil espécies descritas em mais de 1,2 milhão de registros de código de barras. O processo é rápido, já que começou há apenas cinco anos. Mas a principal característica é a confiabilidade: com a técnica, os cientistas têm mais de 90% de chance de identificar com precisão as espécies.
“A base Bold preza muito pela qualidade dos dados. Para cada indivíduo há duas páginas de informação e não se trata de informação estática. Se identificamos uma sequência idêntica à que está na base, mas verificamos que o organismo é outro, podemos fazer reparos nos dados. Assim, o crescimento da base de dados apura sua qualidade progressivamente”, disse Oliveira
Erro histórico corrigido
Durante o evento, que foi realizado em conjunto com a 7ª Reunião de Avaliação do Programa BIOTA-FAPESP e a Reunião de Avaliação do BIOprospecTA, Oliveira apresentou uma conferência sobre a aplicação do DNA Barcoding no estudo comparativo de faunas.
Ele descreveu um estudo realizado por seu grupo que, graças à técnica do
DNA barcoding, foi capaz de revelar e corrigir um erro taxonômico histórico. Em artigo publicado na revista
Zootaxa, os cientistas revelaram que existiam dois nomes para uma única espécie de tainha.
O projeto
“Filogeografia das espécies de tainha Mugil liza e Mugil platanus, tem apoio da FAPESP na modalidade Auxílio à Pesquisa – Regular.
“A espécie
Mugil liza foi identificada em 1836 em Maracaibo, na Venezuela. Em 1880 foi identificada a suposta espécie
Mugil platanus, em Buenos Aires, na Argentina. Mas no
DNA barcoding, as espécies diferentes de tainha apresentam uma distância genética de quase 20%. Entre a
liza e a
platanus havia uma distância genética de apenas 0,2%”, explicou o pesquisador.
Antes do estudo, considerava-se que a tainha encontrada entre a Venezuela e Cabo Frio (RJ) era
Mugil liza e, dali até a Argentina, o
Mugil platanus. Ambas apresentavam, de fato, algumas diferenças morfológicas.
“A análise genética mostrou que as diferenças eram um polimorfismo ocasionado pela variação da temperatura da água. Essa diferença não tem validade do ponto de vista taxonômico. Trata-se de uma única espécie distribuída no Oceano Atlântico em toda a América do Sul. Em 2010, descrevemos a espécie com seu verdadeiro nome:
Mugil liza”, disse Oliveira.
O cientista também coordena o Projeto Temático
“Biodiversidade e relações filogenéticas dos gêneros Astyanax, Hemigrammus, Hyphessobrycon e Moenkhausia”, financiado pela FAPESP.