Chumbo (1)
O limite de uso de alguns metais pesados
Carlos Roberto de Lana*
Essa foi uma das razões pelas quais o fabricante montou uma gigantesca operação para recolher milhões de unidades comercializadas pelo mundo. É natural que a divulgação desses fatos desperte perguntas em consumidores preocupados, principalmente pais temerosos pelos riscos ocultos num inocente bonequinho:
O que o chumbo faz ali?
O chumbo foi um dos primeiros metais utilizados pelo homem para construir artefatos, por ser abundante, fácil de modelar e versátil. Com o tempo passou a ser utilizado não apenas na sua forma metálica, mas também na forma de óxidos e compostos, que serviam como agentes químicos para variadas aplicações.Como resultado dessa antiga, fácil e ampla utilização do chumbo, os romanos já registravam os sintomas de doenças provocadas pela contaminação, chamadas de saturnismo, referência ao deus Saturno, ou plumbismo, derivado do nome latino do metal (Plumbum).
Desde então e mesmo com tal histórico, o chumbo continuou (e continua) sendo utilizado em uma enorme gama de aplicações, estando presente em tantos produtos do dia-a-dia que é quase impossível evitar algum contato direto ou indireto com eles - artefatos metálicos, componentes eletrônicos, soldas, baterias, plásticos, vidro e por aí vai.
Se essa proximidade com um metal pesado causador de doenças graves parece ameaçador, que dizer dos produtos para tintura de cabelos que apresentam compostos de chumbo em sua composição ou das obturações odontológicas, cujo amálgama é uma liga de mercúrio e prata? Além disto, durante décadas, a gasolina automotiva foi aditivada com chumbo-tetra-etila, cujos resíduos impregnados de chumbo eram lançados à atmosfera nos gases de escape.
Metais pesados
O fato é que se os males dos metais pesados são conhecidos de longa data, suas propriedades os tornam ainda uma matéria-prima indispensável em uma longa lista de aplicações, sendo que seu uso pode ser considerado seguro desde que respeitadas as especificações técnicas de dosagem e composição aprovadas pelos órgãos competentes de controle.No caso específico das tintas, só nas últimas décadas o chumbo vem sendo gradativamente banido das formulações, uma vez que desde os primórdios era utilizado na produção de pigmentos e secantes.
Compostos sintéticos vem substituindo os pigmentos metálicos, principalmente os considerados de risco ambiental e para a saúde, mas o chumbo não foi banido da lista de matérias primas e seu uso não é proibido pela legislação, desde que respeitados os limites máximos admitidos.
No caso dos brinquedos, o Inmetro (Instituto Nacional de Metrologia, Normalização e Qualidade Industrial) utiliza a tabela abaixo para aprovar ou reprovar um produto testado no requisito:
Tabela INMETRO – Limites para Metais Pesados | |
Elemento | Concentração máxima (mg/Kg) |
Antimônio | 60 |
Arsênio | 25 |
Bário | 1000 |
Cádmio | 75 |
Chumbo | 90 |
Cromo | 60 |
Mercúrio | 60 |
Selênio | 500 |
Se os critérios técnicos e regulamentares admitem o uso do chumbo dentro das tolerâncias definidas e consideradas seguras, resta considerar os fatores econômicos dentre os que influenciam a continuação do uso desta matéria prima.
Tintas a base de chumbo podem custar até um terço do valor das isentas de igual característica, o que pode ser decisivo na opção por elas, quando a busca por custos competitivos é posta acima de outras considerações.
Como ocorre o envenenamento pelo chumbo?
Quando assimilado pelo organismo, o chumbo pode afetar a produção da hemoglobina, causar distúrbios renais e neurológicos. Devido a sua característica de bioacumulação, ele não é eliminado pelo organismo. Por isso, a partir de certos teores contamina o cérebro, o sistema nervoso, a medula óssea e os rins. É um agente teratogênico, ou seja, pode provocar mutações genéticas.As crianças são muito mais vulneráveis aos efeitos, podendo sofrer, mesmo em pequena exposição, rebaixamento de inteligência, distúrbios psicológicos e retardamento mental.
Os efeitos em crianças podem incluir doenças renais e artrite.
Quanto ao mecanismo químico pelo qual o chumbo afeta as funções fisiológicas, segundo artigo do professor Etelvino J. H. Bechara, do Instituto de Química da Universidade de São Paulo (USP):
"Foram propostas várias hipóteses para explicar os efeitos moleculares de íons de chumbo (Pb2+) na saúde humana, a maioria delas baseadas em duas de suas propriedades químicas:
(1) assim como íons de outros metais pesados (Hgn+, Ag1+), o Pb2+ forma sulfetos estáveis (na verdade, mercaptetos) com biomoléculas tiólicas, tais como glutationa e proteínas, inativando-as; e
(2) Pb2+ substitui íons de Ca2+ e de Zn2+ em várias proteínas e enzimas, também resultando perda de sua atividade biológica.
A ligação de chumbo a essas biomoléculas e a fosfolípidos dispara eventos bioquímicos importantes que comprometem a vida celular: alteração da composição e peroxibilidade de membranas biológicas, depleção de antioxidantes como glutationa e melatonina, inibição de enzimas-chave como Na+K+-ATPase, fosfocreatina quinase e nucleases e indução da oxidação de hemoglobina.
Ressaltamos aqui a inibição da aminolevulinato desidratase (ALAD) por chumbo, com conseqüente acúmulo e excreção urinária do ácido d-aminolevulínico (ALA) e produção deficiente do grupo heme constituinte de hemoglobina e proteínas respiratórias (citocromos), e, por isso, a classificação do saturnismo como um tipo de porfiria química adquirida."
O tratamento do envenenamento por chumbo geralmente é longo e difícil, começando com o afastamento do paciente de todas as fontes possíveis de contaminação, seguido da administração de quimioterapia específica sob intensa supervisão médica.
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