Feras brasileiras
O número de novas espécies de dinossauros encontradas no
Brasil aumentou mais de cinco vezes desde o início de 1999. Em sua
coluna de outubro, Alexander Kellner faz um breve levantamento desses
animais que viveram em nosso território e comenta as dificuldades de sua
identificação.
Publicado em 12/10/2012
|
Atualizado em 12/10/2012
O primeiro dinossauro descrito no Brasil foi o
‘Staurikosaurus pricei’, que tinha pouco mais de 2 m de comprimento e
caminhava sobre duas patas. (ilustração: Maurilio Oliveira – Museu
Nacional/ UFRJ)
Desde o início de 1999, o número de novas
espécies brasileiras mais do que quintuplicou: passou de quatro para 21
consideradas válidas
Durante a minha carreira, já me perguntaram diversas vezes quantos
dinossauros existem no Brasil. Mas nunca ouvi tanto essa pergunta como
neste ano. Os próprios leitores da coluna já fizeram essa indagação mais
de uma dezena de vezes.Confesso que não tenho a menor ideia do motivo desse interesse nos nossos dinossauros. Já pensei até que todos (menos eu!) soubessem de algum lançamento da série Jurassic Park. Aliás, seria legal se um novo filme dessa fantástica série de Steven Spielberg estivesse em produção... Bem, promessas de um quarto episódio aparecem de vez em quando na internet, mas não existe nada de concreto – pelo menos, não que eu saiba.
Voltando aos nossos dinos, na maioria das vezes quem pergunta são alunos – ou pais de alunos – que estão desenvolvendo algum tipo de trabalho na escola. Mas também muitos profissionais da mídia têm se interessado no assunto. Por isso, resolvi abordar esse tema nesta coluna.
Número controverso
O número exato de dinossauros brasileiros pode variar, dependendo de quem for consultado. Sei que, à primeira vista, pode parecer meio confuso para o leitor, mas eu já explico. E nada melhor do que um bom exemplo para isso.O primeiro dinossauro a ser descrito no Brasil foi o Staurikosaurus pricei. Essa espécie foi proposta a partir de um único exemplar coletado nas rochas avermelhadas que recebem o nome de Formação Santa Maria e que afloram em uma localidade próxima à cidade homônima, no interior do Rio Grande do Sul. Essas camadas são datadas de cerca de 225 milhões de anos atrás, época em que os dinossauros acabavam de surgir e estavam começando a se diversificar para ocupar diferentes regiões do nosso planeta.
O único esqueleto dessa espécie recuperado até agora foi descrito pelo famoso paleontólogo norte-americano Edwin Colbert (1905-2001) em 1970 e sempre gerou controvérsias. Havia pesquisadores, como o próprio Colbert, que consideravam essa espécie herbívora e pertencente ao grupo dos ‘prossaurópodes’.
Mas estudos posteriores sugeriram que se tratava de uma forma carnívora, do grupo dos terópodes. Com base no exemplar encontrado, concluiu-se que o Staurikosaurus pricei tinha pouco mais de 2 m de comprimento total, caminhava sobre duas patas e se alimentava provavelmente de pequenas presas.
Existem ainda paleontólogos que defendem que o Staurikosaurus pricei não seria exatamente um dinossauro, mas sim um pré-dinossauro, ou seja, um réptil que, se pudesse, diria algo do tipo: eu quero ser um dinossauro quando evoluir!
Características típicas
Como se resolve um impasse como esse? A resposta está na própria maneira como se fazem as classificações atualmente: é preciso procurar no animal estudado características únicas e exclusivas (também denominadas sinapomorfias) de um determinado grupo, o que indicaria um parentesco próximo.No caso dos dinossauros, existe um orifício na bacia (pélvis) onde a perna se encaixa. Essa região de encaixe, que se chama acetábulo, é perfurada nos dinossauros, tornando-se uma característica única desse grupo. Ela está presente no nosso Staurikosaurus, o que leva a maioria dos pesquisadores a classificar a espécie dentro desse grupo de répteis.
Além do acetábulo perfurado, há mais uma dezena de sinapomorfias que unem o grupo dos dinossauros, a maioria delas presente nas pernas e nos pés. Nesse ponto, existe um grande problema para classificar o nosso Staurikosaurus: não se conhecem os pés desse animal!
Portanto, nem todas as características típicas dos dinossauros podem ser comprovadas nessa espécie brasileira, o que gera dúvidas nos pesquisadores. De qualquer forma, pelo que se sabe hoje em dia, a maioria dos paleontólogos está confortável com a proposta de o Staurikosaurus pricei ser um dinossauro primitivo – e não um pré-dinossauro.
Vários restos de outros dinossauros primitivos foram encontrados nos sedimentos de 225 milhões de anos da Formação Santa Maria, assim como em depósitos um pouco mais novos (de aproximadamente 215 milhões de anos) da Formação Caturrita, também no Rio Grande do Sul.
Até o momento, são mais três espécies. O Pampadromaeus barberenai, descrito em 2011, e o Unaysaurus tolentinoi, descrito em 2004, já foram apresentados anteriormente nesta coluna. Além destes, tem o Saturnalia tupiniquim, um dos raros casos em que são conhecidos não apenas um, mas três esqueletos.
Esse dinossauro, descrito em 1999 por uma equipe coordenada por Max Langer (Universidade de São Paulo em Ribeirão Preto, SP), tinha um crânio pequeno em relação ao seu corpo e alcançava em torno de 1,5 m de comprimento. Acredita-se que sua dieta era variada, incluindo tanto pequenas presas como plantas.
Ossos de uma perna só!
Outro exemplo de controvérsia na classificação desses répteis pré-históricos é o suposto dinossauro descrito em 2006 pelos colegas Jorge Ferigolo (Fundação Zoobotânica, Rio Grande do Sul) e Max Langer (USP-Ribeirão Preto).Em escavações coordenadas por Ferigolo na região do entorno da cidade de Agudo (RS), foram encontrados vários ossos de répteis, incluindo 15 fêmures (osso que forma a parte superior da perna) do lado direito e nenhum do lado esquerdo! O material foi coletado em rochas associadas ao Triássico Superior (cerca de 215 milhões de anos atrás).
A descoberta inusitada levou os pesquisadores a denominarem esse novo réptil de Sacisaurus agudoensis, em alusão ao famoso Saci, figura de uma perna só típica do folclore brasileiro. Os cientistas acreditavam que se tratava de um dinossauro herbívoro, com cerca de 1,5 m de comprimento, pertencente a um grupo que não havia sido encontrado anteriormente no país: o Ornithischia.
No entanto, novos estudos defendem que o Sacisaurus agudoensis seria, na realidade, um daqueles pré-dinossauros. Ou seja, a rigor, essa espécie não é, hoje em dia, considerada um dinossauro, mas um parente bem próximo.
Resumindo: foram descritos ao todo no Brasil até a presente data 21 espécies de dinossauros e um pré-dinossauro. Também existem duas espécies que hoje não são mais consideradas válidas, pois os exemplares em que são baseadas estão bastante incompletos e não exibem características diagnósticas que permitam sua individualização. Abordei aqui apenas algumas dessas espécies, mas em colunas futuras vou escrever sobre as demais.
Enfim, essa é a situação atual dos dinossauros encontrados no Brasil. Pelo menos por enquanto...
Os dinossauros do Brasil
- Dinosauriformes (‘pré-dinossauros’):
Sacisaurus agudoensis
- Dinossauros primitivos:
Staurikosaurus pricei
Saturnalia tupiniquim
Pampadromaeus barberenai
Unaysaurus tolentinoi
- Dinossauros saurópodes (herbívoros):
Amazonsaurus maranhensis
Adamantisaurus mezzalirai
Baurutitan britoi
Uberabatitan ribeiroi
Tapuiasaurus macedoi
Gondwanatitan faustoi
Trigonosaurus pricei
Aeolosaurus maximus
Maxakalisaurus topai
- Dinossauros terópodes (carnívoros):
Pycnonemosaurus nevesi
Irritator challengeri
Angaturama limai
Oxalaia quilombensis
Santanaraptor placidus
Guaibasaurus candelariensis
Mirischia asymmetrica
- Dinossauro indeterminado
Teyuwasu barberenai
- Espécies questionáveis (não-válidas)
Spondylosoma absconditum
Antarctosaurus brasiliensis
Nenhum comentário:
Postar um comentário
Observação: somente um membro deste blog pode postar um comentário.