Resquícios dos Andes na Amazônia
Árvores de clima frio já foram comuns na região Norte do Brasil
CARLOS FIORAVANTI |
ED. 221 | JULHO 2014
© EDUARDO CESAR

Pesquisadores imaginam uma floresta contínua unindo a Cordilheira dos Andes (foto) à Amazônia
Porto Velho, capital de Rondônia, hoje é muito quente e abafada, mas
há 30 mil anos seu território provavelmente foi frio como a atual Porto
Alegre, capital do Rio Grande do Sul, a 3.500 quilômetros (km) de
distância. A temperatura média anual deve ter sido de no máximo 18º
Celsius (C), seis abaixo da média atual. Não havia gelo, que cobria
vastas áreas ao norte e ao sul do planeta, mas a temperatura nos
invernos devia chegar a 10ºC, o suficiente para fazer os atuais
moradores do sudoeste da Amazônia brasileira se sentirem enregelados.
Por meio de análises de pólen e dos isótopos (variações) de carbono e
nitrogênio de sedimentos retirados de até 20 metros de profundidade,
pesquisadores do Pará e de São Paulo concluíram que a vegetação também
deve ter sido diferente. Além de espécies de árvores ainda hoje
encontradas na região, a floresta abrigava outras, típicas de clima
frio, que desapareceram à medida que o clima se tornou mais quente.
© COLEÇÃO DO LABORATÓRIO C-14 DO CENA/USP

Pólen de Alnus
O
Alnus, um dos gêneros de árvores hoje extintos, marca com
clareza as mudanças de clima e vegetação na região entre o norte de
Rondônia e sul do Amazonas. “O
Alnus só cresce em clima frio”,
diz Marcelo Cohen, professor da Universidade Federal do Pará. Nesse
estudo, ele identificou grãos de pólen de 65 grupos de árvores e plantas
herbáceas retirados das amostras de sedimentos e acredita ter
encontrado o primeiro registro de árvores de
Alnus na Amazônia
brasileira. Na América do Sul, árvores desse gênero são encontradas
atualmente em regiões acima de 2 mil metros de altitude na cordilheira
dos Andes, a pelo menos mil km de Porto Velho.
© COLEÇÃO DO LABORATÓRIO C-14 DO CENA/USP

Pólen de Weinmannia
Por serem leves e minúsculos, com diâmetro variando de 10 a 40
micrômetros (1 micrômetro equivale à milésima parte do milímetro), os
grãos de pólen podem ser transportados facilmente pelo vento ou pela
água da chuva e dos rios. “Na região estudada”, diz Cohen, “o percentual
de pólen de
Alnus chegou a 11% do total encontrado, muito acima
do esperado para a dispersão pelos rios ou vento”. Segundo ele, essa era
uma indicação de que as populações de
Alnus, vindas
provavelmente dos Andes, devem ter encontrado condições favoráveis para
seu crescimento nas terras baixas do oeste da Amazônia entre 40 mil e 20
mil anos, e depois se extinguido, à medida que o clima se tornou mais
quente. Cohen identificou também pólen de outros gêneros de árvores de
clima frio, como
Hedyosmum,
Weinmannia,
Podocarpus,
Ilex e
Drymis, já identificados em outros pontos da Amazônia.
Podocarpus, por exemplo, é um gênero de árvore do grupo das coníferas, como as araucárias, que ainda crescem no Sudeste e Sul do país.
Com base nesse trabalho, torna-se possível imaginar uma floresta
contínua unindo os Andes à Amazônia, com as espécies de árvores de clima
frio mais comuns a oeste e as de clima quente a leste, naquele período.
“Havia uma mistura de espécies de árvores, formando uma floresta
glacial, muito singular, como não existe mais hoje”, diz Cohen. À medida
que o clima se tornava quente, as plantas que crescem apenas sob
temperaturas mais baixas desapareceram, permitindo a expansão das mais
adaptadas ao clima quente ou resistentes a variações climáticas
intensas. Os pesquisadores encontraram também trechos de rios
abandonados que formaram lagos, depois preenchidos por sedimentos e
cobertos por vegetação herbácea, formando as savanas.
© COLEÇÃO DO LABORATÓRIO C-14 DO CENA/USP

Pólen de Podocarpus
Florestas avançam
A identificação de muitas espécies arbóreas e de clima frio é também
uma indicação de que o clima entre 40 mil e 30 mil anos era frio e
úmido, e não frio e seco, como outros especialistas haviam indicado,
segundo Luiz Carlos Pessenda, pesquisador no Centro de Energia Nuclear
da Agricultura (Cena) da Universidade de São Paulo (USP). Pessenda
obteve em 2001 as primeiras indicações de que o clima no sudoeste da
Amazônia era úmido, provavelmente com chuvas regulares. Ele, com sua
equipe, coletou amostras de solo em uma linha de 250 km entre Humaitá,
sul do estado do Amazonas, e Porto Velho, e verificou o predomínio de
plantas adaptadas à umidade. Estudos recentes com rochas de cavernas,
realizados por outros grupos de São Paulo e de Minas Gerais, reforçam a
hipótese de que o clima deve ter sido úmido e, portanto, chovido mais do
que se pensava na região, principalmente entre 30 mil e 20 mil anos,
quando o nível do mar devia estar 100 metros abaixo do atual e o
litoral, a 100 km da atual linha de costa e a América do Sul e a
Antártida, unidas por um istmo de gelo. Além disso, capas de gelo com
até 3,5 km de espessura cobriam boa parte da América do Norte, Europa e
Oceania.
Para Pessenda, esses resultados reforçam sua hipótese de que a
umidade da floresta amazônica é que deve ter abastecido outra floresta
híbrida, a da serra do Mar no estado de São Paulo, a quase 3 mil km de
distância, cuja vegetação ele analisou em outros estudos. Há 30 mil
anos, a serra do Mar era coberta por espécies de árvores de dois
ecossistemas distintos, a mata atlântica e a mata de araucária. Depois,
como na Amazônia, também ali sobreviveram apenas as resistentes a
temperaturas mais elevadas e depois também desapareceram, cedendo espaço
para os atuais campos (
ver Pesquisa FAPESP nº 160).
© EDUARDO CESAR

Vegetação característica da floresta amazônica.
Nos últimos 15 anos, Pessenda tem examinado pólen e a proporção entre
as formas (isótopos) de carbono e nitrogênio de sedimentos de todo o
país, além de ter formado uma coleção com cerca de 4.500 amostras de
grãos de pólen que fundamentam trabalhos como o de Cohen, que fez o
pós-doutorado em seu laboratório em 2011. Seus estudos revelam a
constante transformação das florestas e a retração dos campos, que já
foram mais amplos por todo o país, desde aproximadamente 4 mil anos.
Segundo Pessenda, a maior parte das áreas hoje ainda ocupadas por campos
em São Paulo e Rondônia, por exemplo, tende a desaparecer, mesmo sem a
expansão das cidades e da agropecuária, e ser naturalmente ocupadas por
florestas, em algumas dezenas de séculos, em resposta ao clima atual.
Artigo científico
COHEN, M.C.L.
et al.
Late Pleistocene glacial forest of Humaitá-Western Amazonia.
Palaeogeography, Palaeoclimatology, Palaeoecology. dez. 2013.
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