Cinco provas da
evolução das espécies
POR MARCUS CABRAL
Este é um assunto dos mais controversos:
a origem das espécies, desde as bactérias mais simples até os orgulhosos
seres humanos. A razão básica da confusão é que algumas pessoas querem fazer
crer que existe um conflito intrínseco entre a teoria da evolução pela seleção
natural e as religiões. É mentira.
Fósseis do gênero Homo de 1,8 milhão de anos encontrados na Ásia: nossos parentes evolutivos.
A ciência, aliás, não é inimiga da
religião. As duas são naturalmente complementares, e existe beleza no
equilíbrio — admirá-las igualmente pelo que são, tentativas de contextualizar a
existência humana respectivamente nos níveis natural e espiritual.
Uma diferença importante entre elas é
que a ciência, por sua própria natureza, se propõe a estabelecer (tanto quanto
possível) fatos objetivos. Já a religião fala de “verdades” pessoais. Por isso
cada um de nós pode ter suas próprias crenças, mas temos todos em comum uma
única ciência. E também é por isso que neste texto, daqui em diante, vamos
discutir apenas ciência. Começando do rasinho. Como se produz o conhecimento
científico?
A coisa funciona do seguinte modo:
primeiro deparamos com um fenômeno que desejamos compreender. Pode ser
qualquer coisa. Um exemplo simples: como acontece a chuva? Diante do enigma,
parte-se para formular uma hipótese. Podemos, por exemplo, imaginar que a chuva
está ligada à temperatura da água. Se aquecida, ela vira vapor e sobe. Se
resfriada, ela cai de volta no chão. Certo, temos nossa hipótese. E agora? A
ciência dita que precisamos colocar essa ideia à prova. Testá-la com
experimentos e observações.
Podemos esquentar a água com fogo e
notar que, a partir de um determinado momento, ela começa a subir para o ar, na
forma de fumaça. E se aprisionarmos esse vapor ascendente num recipiente
notaremos que, ao entrar em contato com a superfície mais fria, ele volta a
virar líquido. E percebemos que isso acontece também no mundo lá fora, embora
em ritmo bem mais lento. Uma poça d’água desaparece sob a ação da luz do Sol e
volta a se formar quando água cai do céu em forma de chuva. Grosso modo, a
confirmação de nossa hipótese a converte em teoria. Ela não é mais só um
exercício racional de adivinhação. Ela é uma explicação concreta que nos
permite compreender e até mesmo prever fenômenos.
Essa nossa teoria simples da chuva
explica toda a história? Claro que não. Sobre ela outros cientistas teriam de
formular outras hipóteses, que explicam como a água pode evaporar mesmo que a
poça inteira nunca atinja a temperatura necessária, ou como a água se aglutina
em nuvens e o que acontece na atmosfera para fazê-la se liquefazer e, enfim,
chover de volta ao chão. Essas hipóteses serão postas à prova e gerarão novas
teorias, que tornarão nossa compreensão do fenômeno ainda mais refinada. Mas
note que novas teorias não substituem as antigas. Elas aprofundam o
entendimento, sem anular as conclusões obtidas antes.
É a tal história do Isaac Newton, que ao
formular as bases da física moderna se disse “sobre os ombros de gigantes”. Ele
construiu sua obra sobre alicerces sólidos. A ciência é um muro de tijolos.
Novos tijolos são constantemente colocados no muro. Mas os antigos raras vezes
são substituídos. No mais das vezes, eles continuam formando a parede, que fica
cada vez mais alta, permitindo que enxerguemos cada vez mais longe.
Por isso é de uma desonestidade
intelectual profunda acusar a evolução pela seleção natural de ser “apenas uma
teoria”. Em ciência, uma teoria é o máximo que uma ideia pode chegar a ser. E
ela atinge esse ponto só depois que foi corroborada por observações e
experimentos. Só depois que ela se mostra a melhor explicação possível para um
certo conjunto de dados.
É nesse contexto que vamos apresentar
aqui cinco provas da evolução das espécies. Os mais atentos talvez queiram
criticar meu uso da expressão “provas”, lembrando o filósofo da ciência Karl
Popper, que sugere que observações só podem refutar teorias, mas nunca
prová-las. Concordo com Popper. Mas uso aqui o termo “provas” no sentido
jurídico. Imagine que estamos num tribunal, que julgará a veracidade da teoria
da evolução.
ANTES DE MAIS NADA, O
QUE É A TEORIA DA EVOLUÇÃO?
Formulada por Charles Darwin e Alfred
Russel Wallace independentemente e apresentada em 1858, ela parte de
pressupostos simples e incontestáveis.
A primeira premissa é que os seres vivos
de uma determinada espécie, por mais parecidos que sejam, apresentam,
naturalmente, pequenas diferenças entre si. Isso é mais do que evidente. Basta
olhar ao seu redor. Somos todos humanos, mas cada um é um pouquinho diferente
do outro. Um mais baixo, um mais alto, um loiro, um moreno, e assim por diante.
A segunda premissa é que os seres vivos
podem transmitir essas pequenas diferenças que os caracterizam a seus
descendentes. E isso também é mais do que evidente. Por isso filhos de morenos
são morenos, filhos de altos são altos, e por aí vai.
A terceira — e crucial — premissa é que,
no mundo natural, algumas características são mais vantajosas que outras. Hoje,
na população humana, isso não é muito evidente. Mas ainda acontece. Um exemplo:
um pequeno número de pessoas na África parece ser imune ao HIV. Muitos esforços
têm sido feitos pelos médicos para reduzir o impacto que o vírus da Aids tem na
mortalidade humana, mas imagine um mundo sem medicamentos. O que aconteceria na
África? Os que não resistem ao HIV morreriam, em muitos casos sem deixar
descendentes. Os imunes sobreviveriam e teriam mais filhos. Ao longo das
gerações, aumentaria a porcentagem de pessoas com imunidade natural ao HIV.
Isso é seleção natural. É a pressão que
a natureza exerce para selecionar certas características e eliminar outras.
Pois bem. Até aí, absolutamente nada de
controverso. O salto que Darwin e Wallace deram foi partir dessas premissas e
concluir que, ao longo de períodos muito grandes de tempo, esse processo de
seleção natural poderia produzir novas espécies a partir de um ancestral comum.
Como eles chegaram a essa conclusão? Observando o mundo natural. Note, por
exemplo, o clássico exemplo apresentado pelo próprio Darwin, ao refletir sobre
os tentilhões — grupo de espécies de pássaro — das ilhas Galápagos, que o
naturalista estudou pessoalmente ao passar pela América do Sul, em 1835. Ele
notou que cada ilha do arquipélago tinha suas próprias espécies de tentilhões,
cada uma com um formato de bico próprio.
Os tentilhões de Darwin, observados
nas ilhas Galápagos. Seleção natural em funcionamento.
Como explicar isso? Darwin imaginou que
todos eles tinham um ancestral comum. Separados em suas respectivas ilhas, eles
enfrentaram ambientes naturais ligeiramente diferentes, que por sua vez
selecionariam características diversas. Ao fim de milhões de anos, terminamos
com espécies diferentes de tentilhão.
O mesmo raciocínio pode ser aplicado a
toda a vida na Terra, e foi o que Darwin e Wallace fizeram. Se imaginarmos que
todos os seres vivos atuais têm um ancestral comum separado de nós por cerca de
4 bilhões de anos de seleção natural, temos uma explicação para a origem
de todas as espécies. Uma explicação que é passível de teste. E que foi testada
e corroborada de forma contundente, como veremos a seguir.
Um senão importante é que a teoria diz
respeito exclusivamente à origem das espécies. Ou seja, como, a partir de uma
única forma de vida, acabamos com uma biosfera tão incrível e diversa como a
nossa. A teoria nada fala sobre a origem da vida em si. Como o primeiro ser
vivo submetido ao processo de seleção natural veio a ser é outro mistério, um
que ainda não tem uma solução científica clara (embora diversos caminhos
promissores já se insinuem a esse respeito).
PROVA NÚMERO UM – O DNA
Manja teste de DNA, aquele usado
corriqueiramente para determinar paternidade de bebês? Você acredita nele? Pois
bem. Hoje temos tecnologia para comparar o DNA não só de humanos diferentes,
mas de diversas espécies diferentes. Essa análise revela que todos os seres
vivos que já investigamos têm algum grau de parentesco com todos os demais.
Trata-se de uma confirmação incrível da teoria da evolução pela seleção
natural. Tão contundente como um teste de paternidade diante de um juiz de
família.
A história da evolução está escrita no DNA. É só saber ler.
É interessante notar que, no tempo de
Darwin, o DNA nem era conhecido, muito menos seu papel na transmissão das
informações genéticas. Ele e Wallace estavam tateando às escuras, por assim
dizer. Quando o DNA foi descoberto e, mais tarde, aprendemos a “lê-lo”, ele
poderia ter refutado completamente a evolução. Bastaria para tanto que os
organismos tivessem genes tão diferentes entre si que não se estabelecesse grau
de parentesco entre eles.
Contudo, não foi o que se observou. Se
olharmos para o DNA humano e compararmos com o do chimpanzé, descobrimos que a
diferença entre eles é de cerca de 4%. Ou seja, a receita para a fabricação de
um chimpanzé é, em 96%, idêntica à que produz um ser humano. O que isso
significa, que nós evoluímos dos macacos? Claro que não! A afirmação de que o
homem veio do chimpanzé está errada. Tanto o homem como o chimpanzé evoluíram
de um ancestral comum, que não era nem uma coisa, nem outra.
O mesmo exercício pode ser feito entre
outras espécies, com resultado similar. Também temos um ancestral comum com os
camundongos. E com os répteis. E com os insetos. E com as plantas. E com as
bactérias. E com todo mundo que já analisamos até hoje. O que nos leva ao motor
da evolução por seleção natural — as mutações.
PROVA NÚMERO DOIS – MUTAÇÕES
Hoje conhecemos bem os mecanismos que
existem no interior de cada célula para replicar o DNA. Há um sistema integrado
de monitoramento e correção que tenta identificar falhas na replicação e
impedir que elas se perpetuem — se preciso for, induzindo o próprio suicídio
celular. No entanto, sabemos também que esse sistema não é à prova de falha. De
vez em quando, pequenas mudanças passam. Acontece direto. Nas suas células.
Agora. Na maior parte das vezes, ocorre em trechos do DNA que não codificam
informação genética, e aí pode não haver consequência nenhuma. Se acontecem num
pedaço de DNA que tem informação importante, podem produzir efeitos bem sérios.
Na maior parte das vezes, esses efeitos são ruins — o câncer é resultado de
mutações em células, alterações que atingem justamente o sistema que induz ao
suicídio celular quando há falhas de replicação do DNA. As células saem de
controle e se multiplicam sem parar, às custas do resto do organismo.
Contudo, em alguns casos, as mutações
podem produzir manifestações que não incapacitam a pessoa. E, claro,
quando acontecem nas células germinativas, precursoras de espermatozoides e
óvulos, elas não afetam o sujeito em si, mas afetarão a geração seguinte — para
o bem ou para o mal.
Isso não é ficção ou especulação. É
fato. Note que os seres humanos diferem entre si no seu DNA em cerca de 0,5%.
Ou seja, meu genoma é diferente do seu por essa quantidade. A maioria dessas
diferenças consiste em mudanças em uma única letra, o que os cientistas chamam
de SNPs (polimorfismos de nucleotídeo único, ou, mais simpático, “snips”).
Sabendo que isso acontece e que a vida tem quase 4 bilhões de anos na Terra, o
difícil é inventar um mecanismo que impeça a evolução. É muito mais complicado
termos espécies estáticas, imutáveis, do que espécies em eterna transmutação ao
longo das eras geológicas, movidas por mudanças pequenas e graduais. Bem, mas
se essas mudanças foram graduais, não deveríamos ter formas intermediárias
entre os animais vivos hoje? Claro que deveríamos! E temos! Basta olhar os
fósseis.
PROVA NÚMERO TRÊS – FÓSSEIS
Na época de Darwin, os fósseis já
estavam na moda, embora fossem poucos e incompreendidos. Foi justamente naquele
tempo que começaram a ser identificados os primeiros dinossauros. Sabemos hoje
com base em evidências geológicas concretas que eles viveram entre 230 milhões
e 65 milhões de anos atrás. E uma olhada neles revela o que a evolução é capaz
de fazer ao longo de períodos imensos de tempo.
Sabemos, por exemplo, que as aves
modernas têm como ancestrais dinossauros terópodes. E como podemos saber disso?
Além de observarmos características similares entre os ossos de um grupo e de
outro, há algumas espécies extintas que parecem uma exata mistura dos dois.
Pegue o arqueoptérix, por exemplo, que viveu cerca de 150 milhões de anos
atrás. Ele é metade ave, com penas capazes de voo e asas, e metade dinossauro,
com dentes e tudo. Tanto dinossauros como aves são as únicas criaturas que têm
aquele famoso “ossinho da sorte”. E uma análise de proteínas remanescentes de
uma coxa de tiranossauro mostrou em 2005 que o colágeno dos músculos do bichão
é muito parecido com o das galinhas modernas. São provas incontestes do processo
evolutivo.
Fóssil de arqueoptérix, metade-ave, metade-dinossauro. Ele viveu há
150 milhões de anos.
E toda a árvore da vida está cheia
dessas formas intermediárias, hoje extintas. Diversos hominídeos descobertos
mostram um aumento crescente da caixa craniana de nossos ancestrais.
Obviamente, aumento de cérebro (e de inteligência) foi favorecido pela seleção
natural, o que explica o processo.
É verdade que não existe na Terra
nenhuma espécie viva mais inteligente que a nossa. Mas isso não quer dizer que
exista um abismo intransponível entre nós e nossos parentes no reino animal, em
termos de comportamento.
PROVA NÚMERO QUATRO – COMPORTAMENTO ANIMAL
Costuma-se fazer uma distinção clara
entre humanos e o resto do reino animal. Nós seríamos inteligentes,
sofisticados, capazes de abstrações, conscientes de nós mesmos. Os demais não
teriam consciência de si mesmos e seriam estúpidos.
Essa distinção é puro preconceito. A
teoria da evolução por seleção natural sugere que essa escalada da inteligência
e da consciência deveria ser um aclive suave, e não uma divisão abrupta. Se os
evolucionistas estivessem errados, encontraríamos mesmo esse abismo. Mas os
etólogos (estudiosos do comportamento animal) encontram cada vez mais
evidências de que muitos dos atributos originalmente concedidos só aos humanos
estão presentes no reino animal.
Veja os chimpanzés mesmo. Eles são menos
espertos que os humanos, fato, mas ainda assim são bem espertos. E fazem coisas
que, até outro dia, achávamos que fossem exclusividades nossas. Chimpanzés não
falam, mas são capazes de aprender linguagem de sinais e conseguem comunicar
ideias simples. Constroem e usam ferramentas rudimentares. Seu nível de
inteligência para o uso de ferramentas é comparável ao de uma criança de cinco anos!
Gostam de montar quebra-cabeças só por diversão, como nós. Conseguem contar até
40 e fazer operações aritméticas simples. E são capazes de algum nível de
empatia. Não são animais estúpidos. São mais parecidos conosco do que
gostaríamos de admitir. Não há vergonha nenhuma em ser primo dos chimpanzés.
Apesar daquela mania horrível de jogar cocô nos outros, eles são legais e
representam nosso elo mais próximo na imensa corrente da vida na Terra.
Mais parecidos conosco do que alguns gostam de admitir. Mas DNA não
mente.
Apesar disso, seguimos caçando-os sem
dó. Limitados à África, eles estão ameaçados de extinção. Estima-se que existam
cerca de 150 mil chimpanzés em liberdade na natureza hoje. Humanos, são 7
bilhões. E subindo. Não é impensável que nossos parentes mais próximos passem à
categoria de fósseis em pouco tempo. A situação dos gorilas, que também estão
perto de nós evolutivamente, é ainda mais dramática. Seleção natural na sua
forma mais cruel. Nossa inteligência, mal empregada, está os destruindo. A
troco de nada. Quem é o inteligente mesmo?
PROVA NÚMERO CINCO – PSEUDOGENES
Os chimpanzés e gorilas podem sumir, mas
a vida é um contínuo, graças à evolução. Em meio ao DNA dos mais de 7 bilhões
de humanos, existem pedaços de genes de nossos ancestrais comuns, inativos, mas
ainda lá. Esse talvez seja a maior evidência de evolução já encontrada. As
mutações por vezes desativam genes não essenciais, tornando-os não funcionais
sem inviabilizar a vida do indivíduo e a passagem da modificação à próxima
geração.
Aí esses chamados pseudogenes continuam
guardados no genoma, mas não servem para grande coisa no organismo. Viram algo
como um “museu da vida”, guardado no interior das nossas células. Além de
permitirem que, ao lermos suas sequências, possamos traçar com precisão nossa
ancestralidade evolutiva, eles servem como uma “reserva” para o futuro da
evolução. Especula-se que genes inativos possam, com novas mutações,
tornarem-se ativos novamente, produzindo características novas que se
submetam à seleção natural.
Os cientistas mais ousados, por exemplo,
especulam sobre a possibilidade de reconstruir os genomas de dinossauros
extintos “pescando” pseudogenes em seus descendentes — as aves modernas — e
reativando-os. Díficil? Sem dúvida. Talvez até impossível para essas criaturas,
que sumiram há 65 milhões de anos. Mas pode ser uma estratégia viável para
trazer os mamutes, extintos há 12 mil anos, de volta à vida. São incríveis
perspectivas que só se abrem porque a evolução é um fato.
O RESUMO DA ÓPERA
Como se pode ver, a evolução por seleção
natural é uma teoria que explica muita coisa. Ela poderia ser superada por
outro paradigma científico no futuro? Em tese sim. Mas onde está esse
paradigma?
Alguns dizem que a melhor explicação
para a diversidade da vida seja o que eles chamam de Design Inteligente — a
ideia de que a vida é sofisticada demais para que suas incríveis nuances fossem
produzidas pela seleção natural, e que somente uma consciência superior poderia
ter produzido os seres vivos terrestres, individualmente, espécie por espécie.
Certo. É uma hipótese. Vamos testá-la?
Se o Design Inteligente estiver certo, não devemos encontrar parentesco claro
entre todas as espécies estudadas ao investigar seu DNA. Afinal de contas, se
cada uma delas foi individualmente projetada por uma inteligência superior, não
haveria razão para termos, por exemplo, distribuição similar dos genes pelos
cromossomos em diferentes espécies. Aliás, deveríamos encontrar distribuições
bem diferentes, otimizadas para cada forma de vida. Não é o que vemos.
Outra conclusão que advém da
hipótese do Design Inteligente é que as diferenças entre as espécies não podem
ser usadas para estimar a época em que elas divergiram (até porque, pelo Design
Inteligente, elas nunca teriam divergido para começar, tendo sido criadas
individualmente). Em resumo, deveria haver profundo desacordo entre estimativas
da época da especiação feitas com base na genética e o registro fóssil. Nos
casos estudados até agora, vemos que há acordo razoável. A genética sugere, por
exemplo, que o ancestral comum entre humanos e chimpanzés viveu entre 5 milhões
e 7 milhões de anos atrás. Os fósseis de formas intermediárias suportam essa
estimativa. A australopiteca Lucy, por exemplo, que seria posterior à
divergência, viveu cerca de 3,2 milhões de anos atrás. Ótimo encaixe com a
teoria da evolução, péssimo para a concorrência.
Aliás, os fósseis em geral apresentam um
desafio intransponível para o Design Inteligente. Porque eles revelam não só a
época em que certas espécies foram extintas, mas também a época em que certas
espécies apareceram. E vemos que as espécies surgem paulatinamente, num
processo contínuo, ao longo de bilhões de anos. O Designer passou todo esse
tempo por aqui, introduzindo uma a uma as novas espécies? E, curiosamente,
adotou um ritmo de introdução das espécies exatamente compatível com o que
seria produzido pela evolução por seleção natural, segundo nossas estimativas
de mutações?
Outra coisa: por que o Designer usou
formas intermediárias nesse processo? Por que ele teve de produzir Homo habilis, Homo
erectus e Homo ergasterantes de fazer o
glorioso Homo sapiens? Fosse uma criação
inteligente e projetada sob medida, não precisaria de formas intermediárias. Só
a evolução explica esse processo.
Por fim, uma conclusão possível do
Design Inteligente é que espécies modernas seriam tão boas e adaptadas
quanto possível. Existe espaço para aperfeiçoamento na biologia terrestre? Ô se
existe. Outro dia, um grupo de pesquisadores inseriu nanocápsulas em células de
plantas e melhorou o rendimento da fotossíntese em 30%. E nós, humanos,
supostamente o supra-sumo, temos um apêndice, cuja única função parece ser
causar apendicite, e os dentes do siso, que precisam ser extraídos na maior
parte de nós porque não nos cabem na boca. Que diabo de projeto inteligente é
esse? Por que temos órgãos vestigiais? Por que o Designer se deu ao trabalho de
disfarçar toda a biosfera para fazer que ela evoluiu, se esse não foi o caso?
O Design Inteligente não explica nada.
Nem de longe. E a evolução já tem evidências demais para que a descartemos como
uma infeliz coincidência. Vamos aos fatos: entre nós e os chimpanzés, 96% de
identidade no DNA. Se você prefere acreditar que nós e eles fomos criados
separadamente por um Designer, tem de se perguntar por que esse Criador quis
fazer você exatamente como se fosse primo dos macacos.
Deixo, afinal, uma pergunta para
reflexão. Qual é o Designer mais inteligente: aquele que constrói um relógio
automático, liga-o e vê, satisfeito, como cada ponteiro avança sozinho no
momento preciso para marcar o tempo, ou aquele que constrói um relógio e fica,
em sua paciência infinita, empurrando os ponteiros com o dedo a cada segundo
para mantê-lo sempre marcando a hora certa?
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