quinta-feira, 10 de maio de 2018

Inseto produz espuma para se proteger do calor

04 de maio de 2018

Elton Alisson  |  Agência FAPESP – Durante o verão é possível observar no solo de canaviais, próximo à raiz da cana-de-açúcar, uma espuma semelhante à de sabão que envolve o corpo de formas imaturas (ninfas) de um inseto conhecido popularmente como cigarrinha-da-raiz (Mahanarva fimbriolata). O inseto representa uma importante praga da cana e tem esse nome porque as ninfas se desenvolvem nas raízes da planta.
Inseto produz espuma para se proteger do calor Pesquisadores da USP constatam que bolhas produzidas pelo inseto, que é uma importante praga da cana-de-açúcar, atuam como isolante térmico, mantendo a temperatura ideal para seu desenvolvimento (foto: INCT Semioquímicos e Esalq-USP) 
 
 Pesquisadores da Escola Superior de Agricultura Luiz de Queiroz (Esalq), em colaboração com colegas do Instituto de Física de São Carlos, ambos da USP, descobriram que essa espuma, produzida pela própria cigarrinha-da-raiz, confere ao inseto proteção às flutuações de temperatura do ambiente externo.

A temperatura no interior da espuma é semelhante à do solo e ideal para o desenvolvimento do inseto, e permanece constante durante o dia independente da variação da temperatura externa, constataram os pesquisadores.
A descoberta, feita durante um estudo realizado no âmbito do Instituto Nacional de Ciência e Tecnologia de Semioquímicos na Agricultura – um dos INCTs apoiados pela FAPESP em colaboração com o Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) no Estado de São Paulo –, foi publicada em um artigo na revista Scientific Reports.

“Desde a década de 1950 já se especulava que a espuma produzida pela cigarrinha-da-raiz funcionaria como um mecanismo de termorregulação [manutenção da temperatura ideal] do inseto, mas até então isso não tinha sido comprovado. Conseguimos comprovar essas hipóteses por meio de análises diretas”, disse José Maurício Simões Bento, um dos pesquisadores principais do INCT de Semioquímicos na Agricultura e um dos autores do estudo, à Agência FAPESP.

Os pesquisadores já tinham observado que, com a proibição das queimadas para colheita da cana no Estado de São Paulo a partir de 2016, a cigarrinha-da-raiz começou a surgir em maior proporção nos canaviais paulistas.

O inseto costuma aparecer em sua fase ninfal nos pés de cana entre novembro e março, que coincide com o período de verão, em que a umidade do ar é baixa e o excedente hídrico no solo é alto em razão das chuvas da estação. O principal indício do surgimento dele é justamente a espuma que produz e recobre seu corpo.

A fim de avaliar se a espuma conferia proteção térmica durante esse estágio crucial de seu desenvolvimento, antes de alcançar a fase adulta, os pesquisadores fizeram experimentos em campo com monitoramento das temperaturas dentro e fora da espuma e a do solo em um canavial na região de Piracicaba, no interior de São Paulo, durante um dia quente de verão, em que a temperatura oscilava bastante.

As análises indicaram que, enquanto as temperaturas externas variaram entre 24,4 °C e 29,2 °C, a temperatura no interior da espuma se manteve constante ao longo do dia, em torno de 25 °C, que é a ideal para o desenvolvimento do inseto na fase de ninfa e próxima à temperatura do solo.
“Confirmamos que a espuma promove proteção térmica aos insetos durante essa fase de seu desenvolvimento”, afirmou Mateus Tonelli, doutorando em entomologia na Esalq e um dos autores do estudo.

Termorregulador
A fim de avaliar a capacidade de resistência térmica da espuma em temperaturas maiores que as encontradas no campo, os pesquisadores realizaram um experimento em que introduziram ninfas da cigarrinha-da-raiz envolvidas pelas bolhas em uma câmara de crescimento, em laboratório, com temperaturas superiores às do experimento em campo, entre 32 °C e 33 °C.

As análises indicaram que, quando a temperatura da câmara foi aumentada para 32 °C, a temperatura no interior da espuma permaneceu 2 °C abaixo da externa, em torno de 30 °C, e a estrutura da espuma se manteve intacta.
“Observamos que a espuma atua como um termorregulador para a cigarrinha-da-raiz, mantendo a temperatura a menos de 32 °C, que é letal para o inseto, e funciona como um espécie de micro-habitat ou microambiente, em que a temperatura no interior dele é inferior à do ambiente externo e se mantém constante, independente das flutuações da temperatura externa”, disse Tonelli.

Os pesquisadores também analisaram a composição química da espuma, a fim de identificar os compostos relacionados à produção e à estabilidade das bolhas.

As análises indicaram que a espuma é composta por ácidos palmítico e esteárico, além de proteínas e carboidratos. Essas substâncias atuam como surfactantes para estabilizar a espuma, ao reduzir a tensão superficial e modular o tamanho e a distribuição da bolha em razão de suas forças elásticas. As interações dos carboidratos com as proteínas criam um filme estável que endurece e estabiliza a espuma, permitindo envolver o inseto, apontaram os pesquisadores.
“A composição química da espuma, que permite que as bolhas tenham uma arquitetura rígida, era mal compreendida”, disse Bento.

A espuma é composta por líquido, derivado da seiva da cana, do qual a cigarrinha-da-raiz se alimenta, além de ar e de moléculas de ácidos palmítico e esteárico, proteínas e carboidratos, que reduzem a tensão superficial e interfacial para formar emulsões.

Para produzir a espuma, a cigarrinha-da-raiz utiliza seu aparelho bucal para perfurar a raiz da cana e chegar até o xilema (tecido) da planta, por onde circula a seiva, e absorver o líquido. Parte desse líquido se mistura com algumas substâncias presentes nos túbulos de Malpigi – o principal órgão excretor dos insetos – para compor a espuma. Para formá-la, o inseto aspira ar por meio de dutos localizados na cavidade ventral de seu abdome e libera a mistura composta por líquido, ar e moléculas de compostos na forma de bolha, explicaram os pesquisadores.

“Estudos filogenéticos demonstraram que a cigarrinha-da-raiz evoluiu há, aproximadamente, 200 milhões de anos da cigarra, que durante a fase ninfal constrói túneis subterrâneos que permitem que possa viver durante anos sob condições térmicas favoráveis, mantendo uma temperatura corporal constante, sem nenhum mecanismo de isolamento térmico. A espuma produzida pela cigarrinha pode servir como uma ‘extensão do solo’ para o inseto”, disse Bento.

“Sem essa proteção, a cigarrinha, que, ao contrário das ninfas da cigarra, que têm pernas dianteiras fortes suficientes para escavar e se enterrar no solo e, dessa forma, manter uma temperatura corporal constante, tem cutícula delicada, ficaria vulnerável a fatores ambientais, como alta temperatura e baixa umidade”, avaliou.

De acordo com o pesquisador, o conhecimento sobre as propriedades físicas e químicas da espuma produzida pela cigarrinha-da-raiz pode abrir a possibilidade de desenvolvimento de compostos que possibilitem impedir a formação das bolhas pelo inseto e, consequentemente, controlar a praga.

“Ainda não existe, comercialmente, nenhum composto que possibilite eliminar essa espuma”, afirmou o pesquisador.
Outra possibilidade é o desenvolvimento de isolantes térmicos inspirados na espuma.

O artigo Spittlebugs produce foam as a thermoregulatory adaptation (doi: 10.1038/s41598-018-23031-z), de Mateus Tonelli, Guilherme Gomes, Weliton D. Silva, Nathália T. C. Magri, Durval M. Vieira, Claudio L. Aguiar e José Maurício S. Bento, pode ser lido na Scientific Reports em www.nature.com/articles/s41598-018-23031-z.

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