sexta-feira, 27 de junho de 2014

Pastagem adapta-se a mudanças climáticas

27/06/2014
Por Elton Alisson
Agência FAPESP – O aumento de 2 °C na temperatura global até 2050, conforme um dos cenários previstos pelo Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC), poderá beneficiar a fisiologia e os processos bioquímicos e biofísicos envolvidos no crescimento de plantas forrageiras como a Stylosanthes capitata Vogel, leguminosa utilizada para pastagem de gado em países tropicais como o Brasil.
A conclusão é de um estudo realizado por pesquisadores do Departamento de Biologia da Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras da Universidade de São Paulo (USP), campus de Ribeirão Preto.


Com 2 ºC a mais na temperatura, a planta Stylosanthes capitata Vogel teve suas folhas e a biomassa aumentadas em um estudo realizado na USP de Ribeirão Preto (foto: C.A.Martinez

Resultado de um Projeto Temático, realizado no âmbito do Programa FAPESP de Pesquisa sobre Mudanças Climáticas Globais (PFPMCG), o estudo acaba de ser publicado na revista Environmental and Experimental Botany.
“O aumento de 2 °C na temperatura do ambiente em que a Stylosanthes capitata Vogel foi cultivada experimentalmente favoreceu a fotossíntese, além do aumento das folhas e da biomassa da planta”, disse Carlos Alberto Martinez, coordenador do projeto e primeiro autor do estudo, durante palestra no Workshop on Impacts of Global Climate Change on Agriculture and Livestock, realizado no dia 27 de maio, na FAPESP.
De acordo com Martinez, a Stylosanthes capitata Vogel é uma importante leguminosa forrageira em regiões tropicais e subtropicais no mundo. A espécie de planta pode crescer em ambientes arenosos e é muito resistente à seca.

Com as mudanças climáticas globais, estimava-se que um aumento moderado de pouco mais de 2 °C na temperatura poderia ter efeitos prejudiciais sobre o desempenho fisiológico e o crescimento da planta quando cultivada em um ambiente tropical, como no Brasil.
A fim de testar essas hipóteses, os pesquisadores realizaram um experimento em que cultivaram plantas em campo aberto, em um ambiente com temperatura normal, e em uma área com temperatura controlada, por meio de um sistema chamado T-FACE.

O sistema conta com um equipamento que permite controlar a irradiação de calor sobre a copa das plantas, por meio de aquecedores de infravermelho, de modo a permitir que a temperatura do ambiente de cultivo esteja sempre 2 °C acima da temperatura normal.
Após cultivar as plantas com essas diferenças de temperatura durante 30 dias, os pesquisadores realizaram medições de conversão de energia fotossintética, além de análises bioquímicas e da biomassa acima do solo.
Os resultados das medições e análises indicaram que o aumento de cerca de 2 °C na temperatura foi capaz de melhorar a atividade fotossintética e a proteção antioxidante das plantas.
Além disso, resultou em um incremento de 32% no índice de área foliar e de 16% na produção de biomassa acima do solo em comparação com as plantas cultivadas sob temperatura normal, segundo Martinez.
“O aumento da temperatura durante o período experimental foi favorável para o desenvolvimento dos processos bioquímicos e biofísicos envolvidos no crescimento da planta”, afirmou.
Adaptação climática
Segundo Martinez, algumas das possíveis explicações para o aumento da atividade fotossintética, além do índice de área foliar e da produção de biomassa de exemplares de Stylosanthes capitata Vogel submetidas ao aumento da temperatura foram a aclimatação térmica e fotossintética da planta.
A planta promoveu ajustes em sua fisiologia de modo a não só lidar com um aumento potencialmente estressante na temperatura durante sua fase de crescimento, mas também para realizar fotossíntese com maior eficiência e manter ou até mesmo aumentar seu crescimento sob essa nova condição climática.
“Os resultados do estudo indicaram que um aumento de até por volta de 2 °C na temperatura pode ser vantajoso para o crescimento de algumas espécies de plantas tropicais, como a Stylosanthes capitata Vogel”, afirmou Martinez.
“É necessário elucidar, no entanto, os efeitos do aquecimento na fase reprodutiva para detectar possíveis impactos do aumento da temperatura sobre a floração, fecundação, rendimento de sementes e outros processos do desenvolvimento dessas plantas”, disse.
Em outro experimento, os pesquisadores cultivaram a planta forrageira Panicum maximum em temperatura 2 °C acima da normal e com uma concentração de carbono de 600 partes por milhão (ppm) – equivalente a 50% a mais do que a existente hoje e que deve ser atingida até 2050, conforme um dos cenários projetados pelo IPCC.
Os pesquisadores constataram que houve uma menor partição de biomassa para as folhas em relação ao caule das plantas cultivadas sob essas condições.
“Essa mudança na relação folha-caule é ruim porque o gado se alimenta da folha e não do caule, que é muito duro e o animal não consegue digerir”, disse Martinez.

Braquiária

Resultados similares também foram obtidos por pesquisadores do Centro de Energia Nuclear na Agricultura (Cena), da Escola Superior de Agricultura Luiz de Queiroz (Esalq) da USP, campus de Piracicaba, em um experimento realizado com Brachiaria decumbens – mato comum em lavouras de café e principal planta forrageira no Brasil, conhecida popularmente como capim-mombaça.
Ao cultivar a planta em um ambiente com 200 ppm de carbono acima do nível atual também em um sistema FACE, instalado na Embrapa Meio Ambiente em Jaguariúna, no interior de São Paulo, os pesquisadores observaram um aumento na produção de caule e diminuição de biomassa nas folhas da planta.
“Isso pode ter uma série de implicações para o uso dessa planta como forrageira, utilizada em mais de 80 milhões de hectares de pasto no Brasil”, disse Raquel Ghini, pesquisadora da Embrapa Meio Ambiente e uma das autoras do estudo, durante sua palestra no evento.

Segurança alimentar

Na avaliação de Martinez, é preciso investigar os possíveis impactos das mudanças climáticas globais sobre plantas utilizadas como pastagem, porque elas representam a principal fonte de alimento para o gado em países como o Brasil – um dos únicos no mundo que produz carne e leite por meio da pecuária extensiva, ou seja, por meio da criação de gado em pasto.
Se o rendimento de culturas tropicais e pastagens for afetado pelas mudanças climáticas, trará consequências econômicas importantes para o país e para a produção mundial de alimentos, avaliou.
“Os impactos das mudanças climáticas sobre as áreas de pastagem são muito sérios e já estão ocorrendo”, afirmou Martinez. “A solução para cultivar pasto em áreas suscetíveis à seca poderá ser a irrigação ou a utilização de espécies resistentes à deficiência hídrica e adaptadas às mudanças climáticas”, disse o
pesquisador à Agência FAPESP.

O Projeto Temático coordenado por Martinez conta com a participação de pesquisadores da University of Illinois, da Columbia University e do Departamento de Agricultura dos Estados Unidos (USDA, na sigla em inglês), além do Consiglio Nazionale delle Ricerche, da Itália, da Universitat de Barcelona, na Espanha, e no Brasil das Universidades Federal de São Carlos (UFSCar), Estadual Paulista (Unesp) e Estadual do Norte Fluminense (UENF), além do Cena da USP, do Instituto de Botânica e da Embrapa.

O artigo Moderate warming increases PSII performance, antioxidant scavenging systems and biomass production in Stylosanthes capitata Vogel (doi: 10.1016/j.envexpbot.2014.02.001), de Martinez e outros, pode ser lido por assinantes da revista Environmental and Experimental Botany em www.sciencedirect.com/science/article/pii/S009884721400029X.

E o artigo Biomass production, elemental and fibre composition of Brachiaria produced under free air carbon dioxide enrichment conditions, de Ghini e outros, pode ser lido em www.alice.cnptia.embrapa.br/bitstream/doc/981745/1/2013RA011.pdf.

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