Grupo da USP levanta volume de dados inédito sobre o Pantanal
05/06/2014
Por Fabio ReynolAgência FAPESP – A maior planície alagável do mundo é um dos mais complexos biomas para se delimitar fronteiras e definir suas subdivisões internas. Levantar dados e estabelecer critérios para esse mapeamento foram alguns dos desafios de um trabalho de pesquisa liderado pelo Instituto de Geociências da Universidade de São Paulo (IGc/USP) que se debruçou sobre os quase 200 mil quilômetros quadrados do Pantanal Mato-grossense.
O projeto “Subdivisão do Pantanal em áreas geológica e ambientalmente homólogas”, apoiado pela FAPESP na modalidade Auxílio à Pesquisa – Regular, coletou informações referentes ao período de 2001 a 2012 por meio de novas metodologias e tecnologias, gerando um imenso volume de informações sobre o bioma jamais reunido até então.
Imagem
do Pantanal processada por computador integra pesquisa realizada no
Instituto de Geociências que busca definir subdivisões internas para o
bioma (IGc/USP)
De acordo com Almeida, imagina-se comumente o Pantanal como uma planície de charcos. Embora seja de fato uma planície, trata-se de uma região de grande variabilidade ambiental e com amplas porções que sofrem ano a ano secas intensas. O cenário heterogêneo, complexo e dinâmico foi o alvo do trabalho que procurou elementos para embasar um ordenamento das inúmeras fácies do Pantanal.
“Nossa proposta considerou tanto a vegetação quanto o meio físico para fazer essa classificação, além de apresentar uma descrição metodológica ampla e passível de ser reproduzida, que é uma premissa básica em ciência”, disse Almeida.
A pluviosidade da região varia entre 800 e 1.600 milímetros por ano e são as águas que caem nas terras mais elevadas a norte e a leste as principais responsáveis pela modificação da paisagem ao longo do ano e pelas enchentes.
Há áreas com índices de chuva quase tão baixos quanto os da Caatinga, como no oeste do Pantanal, perto de Corumbá (MS). Já em outras regiões pantaneiras, como ao norte da cidade de Aquidauana (MS), há milhares de lagoas de água doce vizinhas a lagos de água salobra. Entre Corumbá (MS) e Cáceres (MT), há lagos e charcos contínuos por mais de 150 km, em terrenos praticamente sem ocupação humana.
Pesquisadores estabelecem variadas divisões para o bioma, que vão de seis a 25 sub-regiões, o que torna difícil até a utilização de uma referência para trabalhos científicos. “Muitas vezes não dá para saber qual a subdivisão utilizada por um pesquisador”, comenta a bióloga Natasha Costa Penatti, que desenvolve seu doutorado no âmbito do projeto.
Penatti explica que é comum recorrer a diferentes mapas de solos, bacias hidrográficas, geologia, entre outros, e sobrepô-los tentando encontrar características comuns de certas regiões – o que dá margem a muita subjetividade na hora de estabelecer os limites de cada divisão. “Queremos estabelecer critérios mais objetivos para agrupar essas áreas”, disse.
A organização das informações está em andamento. Parte do trabalho será feita por programas computacionais que processam grande volume de dados, da categoria Self Organizing Maps (mapas auto-organizáveis), com o auxílio de um software oriundo da Austrália.
O grupo apresentou resultados preliminares em simpósios internacionais e submeteu recentemente dois artigos para publicação. Outros dois estão em fase de redação. A tese de doutorado de Penatti, programada para ser defendida em novembro deste ano, trará a proposta de divisão do Pantanal baseada nessa pesquisa.
Acompanhando o ciclo das plantas
O grupo usou como critério principal de diferenciação de sub-regiões a chamada fenologia da superfície da Terra (Land Surface Phenology ou LSP).
A fenologia pode ser definida como o estudo do ciclo das plantas (germinação, emergência, crescimento e desenvolvimento vegetativo, florescimento, frutificação, formação das sementes e maturação) ou dos eventos periódicos da vida da planta em função da sua reação às condições do ambiente.
“Percebemos que a fenologia seria um bom parâmetro porque as plantas respondem basicamente a todos os elementos do ambiente que queríamos observar: o tipo de solo, o clima, o meio físico e muitos outros”, disse Penatti.
A LSP distingue-se do monitoramento in situ das fases de plantas específicas, como floração ou brotação, por se basear em observações em escala global e regional da fenologia. Dados de sensoriamento remoto da LSP servem como indicadores biológicos fundamentais para detectar a resposta dos ecossistemas terrestres à variação climática.
As métricas fenológicas registram os fenômenos periódicos das plantas, como período de crescimento, verdor e senescência da vegetação de uma determinada área. Por meio de imagens de satélites, acompanha-se o desenvolvimento da vegetação ao longo de um ano. Apesar de não coincidirem com os eventos fenológicos tradicionais, as métricas obtidas pela LSP dão indicação da dinâmica do ecossistema.
A equipe de Almeida utilizou tecnologias modernas de sensoriamento remoto, uma vez que os satélites atuais permitem coletas em períodos de tempo menor – diferença importante quando se trabalha com áreas dinâmicas.
Antes, até o fim dos anos 1990, o satélite Landsat, da agência espacial norte-americana Nasa, fornecia um panorama formado por imagens coletadas a cada 16 dias. A fim de cobrir todo o Pantanal com imagens sem nuvens eram necessários registros realizados ao longo de dois anos.
Hoje, o sensor MODIS, de dois satélites da Nasa, produz imagens diárias que, combinadas em séries de 16 dias, formam mosaicos (chamados composite images) com os melhores pixels (pontos) selecionados de cada imagem captada. Eles evitam, sobretudo, pontos encobertos por nuvens.
“Numa região dinâmica como o Pantanal, ao longo de um ano você obtém situações bem diferentes para um mesmo local, o que dificulta a montagem de mosaicos de imagens”, disse Penatti. A tecnologia anterior, explica ela, limitava o detalhamento dos resultados.
Para esse projeto, foram utilizadas 276 destas imagens compostas do MODIS, produzidas de 2001 a 2012. Foram 12 anos de observação, cada um com 23 composite images.
Após adquiridas, as composites foram tratadas com um software que, além de suavizar as imagens, gera gráficos que permitem extrair métricas fenológicas a partir das datas em que ocorrem as modificações sofridas pela vegetação ao longo do ano, como início e fim da estação de crescimento.
O programa ainda fornece a intensidade desse processo. São obtidas 11 diferentes métricas relativas ao desenvolvimento da vegetação. Os dados ainda são comparados a outros fatores como chuva, inundação, seca, tipo de vegetação, entre outros.
As informações sobre pluviosidade foram fornecidas pelo satélite Tropical Rainfall Measuring Mission (TRMM); as variações no armazenamento total de água foram captadas pelo Gravity Recovery and Climate Experiment (GRACE); e a evapotranspiração mensal foi obtida pelo MODIS (produto MOD16A2). Os três satélites são da Nasa.
Outro parâmetro que compõe o estudo é a neotectônica – a observação e o estudo dos movimentos tectônicos atuais. O Pantanal é uma região tectonicamente ativa, com terremotos recentes de até 4 graus na escala Richter. A formação da região está relacionada à pressão da placa Sul-Americana, onde está o Brasil, contra a placa de Nazca, sob a cordilheira dos Andes. Foi o movimento entre essas duas placas tectônicas que fez a região baixar e formar o Pantanal, há cerca de 2,5 milhões de anos.
‘Uma caixa de areia gigantesca’
O trabalho também foi complementado por amostras de solos coletadas em duas campanhas de 15 dias cada em dois anos diferentes. Foram reunidas 218 amostras georreferenciadas coletadas em pontos de interesse mapeados por sensores remotos.
O material foi submetido a análises de granulometria e fertilidade. Essa atividade, durante a qual foram percorridos mais de 4 mil quilômetros, serviu ainda para checar o registro espectral das imagens de satélites e verificar a que tipo de granulometria elas correspondiam.
A granulometria, ou o tamanho dos grãos que compõem os solos, é um dos elementos-chave para entender a dinâmica da vegetação pantaneira, explica o professor. A enorme depressão que começou a se formar na região há cerca de 2,5 milhões de anos vem desde então sendo preenchida por sedimentos em grande parte arenosos.
Embora uma enorme porção do Pantanal seja inundada todos os anos, como em uma caixa de areia gigantesca, grande parte da região não consegue segurar água durante o longo período de estiagem, pois os sedimentos e os solos que a recobrem são porosos e permeáveis.
Há também regiões mais argilosas, que permanecem úmidas por mais tempo por ter solos pouco permeáveis. Ao mesmo tempo, outras áreas de solos arenosos permanecem úmidas após as inundações enquanto áreas vizinhas, de solos similares, secam completamente. Nesse caso, pequenas diferenças de relevo explicam o fenômeno, sendo que parte delas se deve a movimentos tectônicos recentes.
Boa parte do Pantanal é formada por oito depósitos de detritos arenosos que formam imensos cones chamados de megaleques fluviais. “Com 250 quilômetros de diâmetro, o megaleque do Rio Taquari, no Pantanal, é o maior do mundo”, disse Almeida.
Charcos, savanas, florestas e áreas imensas de predominância de uma única espécie vegetal são aspectos de uma paisagem multifacetada e contrastante. “Não há um Pantanal único, são diversos 'pantanais' com características próprias que podem ser delimitadas”, disse o professor da USP.
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