Por: Marcus V. Cabral - 01/07/15
caranguejo Pachygrapsus transversus (Praia de Cibratel, Itanhaém, SP). Foto por Fernanda Zambom.
O costão rochoso é um ambiente costeiro formado por rochas
situado na transição entre os meios terrestre e aquático (SANTOS &
GOMES, 2006). É considerado muito mais uma extensão do ambiente marinho
que do terrestre, uma vez que a maioria dos organismos que o habitam,
estão relacionados ao mar (LITLLE & KITCHING, 2000 apud ALMEIDA,
2008). É composto por diversos micro-habitat que contribuem para a
riqueza da comunidade biológica, pois apresenta superfície extra para
fixação, abrigo contra predadores, refúgio e proteção contra a
dessecação, favorecendo as fortes interações biológicas como
consequência da limitação de substrato, ao longo do gradiente existente
entre os habitat terrestre e marinho (ALMEIDA, 2008).
O costão pode ser dividido em costões expostos (batidos),
formados por paredões lisos, os quais apresentam grande hidrodinamismo
pelo alto impacto de ondas, menor diversidade de hábitat, elevada taxa
de produtividade primária devido ao elevado fluxo de nutrientes. Porém, a
riqueza de espécies nesta região é menor, devido à grande perturbação
sofrida pelos organismos, requerendo adaptações fisiológicas e
morfológicas, desenvolvendo estruturas eficientes de proteção e fixação,
para suportar o estresse ambiental (ALMEIDA, 2008; COUTINHO, 2004,
MORENO & ROCHA, 2012; MAIS & ZALMON, 2008). Já o costão
protegido, caracteriza-se por ser bastante fragmentado e por apresentar
baixo hidrodinamismo. Isso leva a formação de complexos habitats com
muitas espécies associadas, pois não requer adaptações complexas.
Entretanto, o fluxo de nutrientes é menor, limitando o crescimento das
algas.
De acordo com Moreno & Rocha (2012) e Mais & Zalmon
(2008), uma das características mais representativas do costão é sua
zonação vertical, implicando em uma elevada variação das condições
ambientais (temperatura, salinidade e teores de oxigênio dissolvido) em
menor escala espacial do que nos ambientes terrestres. Assim, essa
zonação determina e limita a distribuição dos organismos em locais onde a
interação de fatores físicos, químicos e biológicos favorecem a
sobrevivência.
Segundo Almeida (2008) diversas metodologias, como as de
Stephenson & Stephenson (1949) e de Lewis (1964), buscaram
classificar a zonação do costão, entretanto, independentemente da
metodologia adotada, definiram-se, de modo geral, três principais zonas
de distribuição. As regiões mais superiores são mais influenciadas pelos
fatores físico-químicos, contudo, cada região possui sua própria
fisionomia, respondendo diferente para cada fator ambiental (LEVINTON,
2001 apud ALMEIDA, 2008).
A zona supralitoral, permanentemente exposta ao ar, chegando
apenas borrifos da água do mar. Seu limite inferior é caracterizado pela
presença de vegetação terrestre (liquens, bromeliáceas, cactáceas,
entre outras) e o limite superior pela ocorrência de cirripédios
(cracas), isópodes ou gastrópodes. Nesta faixa, os fatores abióticos
como temperatura e radiação solar influenciam bastante na distribuição
dos organismos, os quais são muito adaptados à perda de água e à
variação da temperatura (ALMEIDA, 2008; MORENO & ROCHA, 2008; MAIS
& ZALMON, 2008).
Segundo Almeida (2008), a zona mesolitoral é a região sujeita às
flutuações da maré, submersa durante a maré alta e exposta durante a
maré baixa. Seu limite superior é caracterizado, geralmente, pela
ocorrência de cirripédios e o inferior pela alga parda Sargassum sp. Os
organismos sésseis desta região estão adaptados à esta variação diária e
consequentemente à todas as mudanças físicas que isto implica. Nessa
área se formam as "poças de maré", depressões onde a água do mar fica
represada durante a maré baixa e que podem estar sujeitas a alta
exposição ao calor, sofrendo grandes alterações de temperatura e
salinidade.
A
zona infralitoral é a região que permanece submersa, caracterizada
pela alga Sargassum sp em seu limite superior e pelo encontro das rochas
com substrato arenoso em seu limite inferior. Como os fatores
ambientais são mais estáveis nessa zona, as relações bióticas (predação,
herbivoria e competição) adquirem maior importância na determinação da
distribuição biológica (MORENO & ROCHA, 2012; ALMEIDA, 2008)
Segundo Coutinho (2004) é considerado um dos ecossistemas mais
produtivos e importantes da zona costeira por abrigarem numerosas
espécies de reconhecida importância ecológica e econômica, tais como:
mexilhões, ostras, crustáceos, algas e peixes. Por ser um ambiente de
transição apresentam grande quantidade de nutrientes e,
consequentemente, uma elevada biomassa e produção primária de
microfitobentos e de macroalgas.
Portanto, os costões rochosos são locais de alimentação,
crescimento e reprodução de um grande número de espécies vinculadas por
fortes interações biológicas, em função da limitação de substrato ao
longo de um gradiente existente entre estes ambientes (Coutinho, 2004).
Dessa forma, esse ecossistema funciona como um bioindicador das
condições ambientais locais.
Para a caracterização de alguns organismos que compõem a biota,
foi realizada uma visita técnica à praia de Cibratel, na cidade de
Itanhaém, localizada na Baixada Santista, a 90 km da capital paulista,
compondo com os municípios de Bertioga, Cubatão, Guarujá, Mongaguá,
Peruíbe, Praia Grande, Santos e São Vicente.
Os materiais utilizados para a coleta dos organismos foram
roteiros, sacos plásticos, pinças, potes escuros, oxigenador portátil,
refratômetro, termômetro, luvas, GPS, elásticos, caixas de plástico,
réguas e lápis. Foi realizada a medição de salinidade, temperatura e
posição geográfica do local.
As coletas foram realizadas no período matutino, correspondente à
vazante da maré e durante o período lunar de sigizia. Desta forma, foi
possível permanecer por aproximadamente três horas.
Uma vez que o nível da maré encontrava-se na região de
infralitoral, foi possível realizar as atividades entre as rochas, poças
de maré e a areia. Para a coleta no costão rochoso da praia de
Cibratel, Itanhaém-SP, foi escolhida a
maré de sigizia, caracterizada
pelo aparecimento da lua cheia ou nova. Tal evento resulta em preamares
mais altas e baixa-mares mais baixas, fornecendo um tempo maior de
coleta e permanência no local. Isso ocorre devido ao alinhamento da Lua,
Sol e Terra, no qual as forças de atração da Lua e do Sol se somam
provocando uma grande interferência. (NYBAKKEN, 2001).
O costão rochoso de Cibratel apresenta uma grande diversidade de
organismos por ser protegido, caracterizado por ser uma região com
baixo hidrodinamismo, o que favorece a fixação e estabelecimento de
espécies. Com isso, os mesmos ainda apresentam diversas adaptações para
as condições ambientais encontradas no costão. Tais adaptações estão
relacionadas, principalmente, com: variações de umidade, temperatura,
salinidade e concentração de oxigênio na água, proteção contra os
choques das ondas, contra predadores, entre outros.
A seguir, estão relacionados alguns dos organismos encontrados ao longo
do costão, apresentando algumas de suas principais características e
adaptações que permitem à sobrevivência nesse ambiente, de acordo com
HICKMAN et al. 2004 e NYBAKKEN, 2000.
Pepino do mar – São caracterizados por
apresentarem endoesqueleto calcário, que os fornecem sustentação. A
organização ou rearranjo dos ossículos calcários pode tornar o pepino
mais mole ou rígido, sendo que o enrijecimento pode ser um fator
contribuinte contra a predação. Alimentam-se através da presença de
tentáculos cobertos por muco na região da boca, os ajudando na captura
de microrganismos e suspensões. Em situações de emergência, estes
tentáculos podem ser retraídos, conferindo proteção. Ainda para a
proteção, algumas espécies possuem veneno na parede do corpo, ou a
chamada evisceração, onde o animal expele parte de suas vísceras, como
forma de distrair o predador, ou pela presença de veneno nas regiões
internas do corpo, encontrado em apenas algumas espécies. A região
expelida é regenerada posteriormente. Também podem se proteger por
possuírem coloração semelhante ao do substrato, dificultando a
visualização por parte de predadores. Locomovem-se através dos pés
ambulacrais, e apresentam um sistema de bombeamento de água, do ânus até
a árvore respiratória, onde ocorrem as trocas gasosas.
Siris – Possuem apêndices toráxicos que
auxiliam na alimentação, bem como os quelipodos, um apêndice modificado
com a função de manipulação do alimento e proteção. Apresentam os
apêndices posteriores modificados na forma de um remo, o que lhes
auxilia na natação. Os abdomes são pequenos e dobrados abaixo de uma
carapaça, sustentando o corpo, além de os proteger de possíveis choques
mecânicos, predação e dessecação.
Caranguejos – Semelhantes aos siris, com abdome pequeno
e dobrado abaixo de uma carapaça, fornecendo sustentação ao corpo e
conferindo proteção contra predadores, choques mecânicos e dessecação.
Apresentam quelípodos e apêndices toráxicos modificados para a
manipulação do alimento e proteção contra predadores. Deslocam-se a
fendas rochosas para evitar predação, e algumas espécies possuem
coloração semelhante ao substrato, dificultando a sua visualização.
Outros possuem colorações mais chamativas, com a finalidade de atrair
parceiros sexuais, entre outras.
Anêmonas – Possuem tentáculos na cavidade oral
para a captura de alimento e um sistema intrínseco de revestimento,
evitando a dessecação. Possuem ainda um sistema de ajuste osmótico para
evitar o estresse osmótico. Algumas espécies produzem toxinas para
evitar a predação.
Ouriço do mar – São caracterizados pela presença de
espinhos, utilizados na locomoção, via sistema ambulacral, proteção e
fixação em fendas, esta os auxiliando contra os movimentos das ondas e
os protegendo de predadores. Algumas espécies podem ser venenosas.
Apresentam endoesqueleto calcário para a sustentação do corpo e possuem a
boca na parte inferior do corpo, onde se encontra a lanterna de
Aristóteles, responsável pela raspagem do substrato, fornecendo
alimentos.
Peixes – Possuem diversas adaptações
morfológicas, fisiológicas e comportamentais que os conferem
sobrevivência para as variações de temperatura, concentração de oxigênio
e salinidade das poças formadas pela maré. Refugiam-se em fendas e
buracos nas rochas e no solo para se protegerem das ondas.
Camarão – Possuem apêndices especializados e o leque
caudal com a finalidade de auxiliar na natação, e apêndices toráxicos
modificados para a alimentação. Seu exoesqueleto é formado de quitina,
responsável pela sustentação do corpo e proteção contra choques
mecânicos. Através da mudança de pigmentação do corpo devido à ação do
sistema nervoso, podem se camuflar, evitando possíveis predações.
Cracas – São encontradas fixadas a um substrato, aos
quais se fixam através do processo de cimentação, evitando o arraste das
ondas, ao mesmo tempo em que não se ressecam. Para evitar possíveis
choques mecânicos e a dessecação, possuem uma carapaça formada por
placas calcárias. Alimentam-se através da filtração de partículas
suspensas na água pelos apêndices toráxicos.
Barata do mar (Lygia sp) – São muito encontrados nas
praias e apesar de não serem marinhos propriamente, são encontrados
acompanhando a linha da maré e se alimentam de detritos. Podem mudar de
coloração para dificultar a visualização por parte dos predadores.
Ermitões (Pagurus sp) – Possuem apêndices
toráxicos modificados que os auxiliam na alimentação, bem como a
presença de quelípodos, que os auxiliam na manipulação do alimento e
contra a predação. Seu exoesqueleto é composto de quitina, fornecendo
sustentação e proteção contra choques mecânicos. A região do abdome é
vulnerável, mas são flexíveis para prender o animal dentro de conchas
vazias, evitando assim que seja predado. São dependentes da água para
sobreviver.
Poliquetas – Possuem numerosas cerdas nos segmentos do tronco, a maioria com parapódios bem desenvolvidos que os auxiliam na natação.
Portanto, a partir dessas observações as possíveis conclusões
são: (1) o costão é um ambiente estressante para muitas espécies,
principalmente as que vivem em condições ambientais variáveis em relação
à temperatura, salinidade e dessecação (ALMEIDA, 2008; COUTINHO, 2004);
(2) os organismos que habitam o costão possuem muitas adaptações
morfológicas, como o fechamento hermético das valvas (bivalves),
coloração escura do corpo para refletir calor, estruturas de fixação e
superfície corpórea arredondada; fisiológicas, como tolerância à
desidratação e variações de salinidade, produção de muco e resfriamento
por evaporação; e comportamentais, como a migração vertical de
organismos frágeis em função da maré e refúgio em fendas ou banco de
algas; (3) apesar de ser um ambiente estressante, a diversidade de
espécie nesse tipo de ambiente é bastante elevada, onde podem ser
encontrados diferentes grupos taxonômicos; (4) as espécies distribuem-se
de acordo com a zonação vertical do costão, de acordo com as adaptações
às condições do ambiente; e (5) destacando-se as espécies de crustáceos
como caranguejos, siris, ermitões, camarões e cracas.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
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http://www.unigranrio.br/unidades_acad/ibc/sare/.../A01N02P06_R.html.
Acesso em: 22 Abr.2014
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