Um físico iluminado
Em outubro, Carlos Alberto dos Santos fala sobre as
circunstâncias e experiências que levaram Albert Einstein a revolucionar
os estudos da luz.
Publicado em 02/10/2015
|
Atualizado em 02/10/2015
Em livro de memórias, Einsten contou que primeira intuição
que levaria a trabalhos revolucionários aconteceu quando ele tinha
apenas 16 anos. (foto: Wikimedia Commons)
Poucos cientistas se dedicaram tanto ao estudo da luz quanto Albert
Einstein, e ninguém produziu trabalhos tão revolucionários. Aos 16 anos,
quando cursava o último ano da escola secundária, ele teve uma intuição
paradoxal, uma espécie de devaneio juvenil. Imaginou-se perseguindo um
raio luminoso, com a mesma velocidade da luz. Esse “experimento
imaginário” levou Einstein a estabelecer a premissa da teoria da
relatividade restrita, que seria concluída 10 anos depois, no início de
1905, seu ano miraculoso. O episódio foi narrado pelo físico em suas notas autobiográficas, redigidas aos 67 anos.
A premissa da teoria da relatividade restrita afirmava que, para um observador com a velocidade da luz, tudo deveria acontecer de acordo com as mesmas leis aplicáveis a um observador que estivesse em repouso em relação à Terra. A intuição de Einstein tinha a ver com a mecânica newtoniana, mas na época do seu devaneio juvenil ele não tinha ideia dessa conexão. A percepção emergiu anos depois, quando crescia sua admiração pela mecânica de Newton, sobretudo por suas conquistas em áreas com as quais parecia ter pouca relação. Um exemplo era o que Einstein chamava de teoria mecânica da luz, que define a luz como um movimento de onda em um éter (meio que permitiria sua propagação sem oferecer restrição ao movimento) semirrígido e suas aplicações a diferentes processos térmicos. Não surpreende, portanto, que o eletromagnetismo e a termodinâmica tenham sido as principais áreas da vida científica de Einstein.
Entretanto, logo no início de sua carreira, Einstein foi levado da admiração à análise crítica da teoria mecânica da luz. A existência do éter era um problema, pois dificultava o entendimento de alguns fenômenos. Para explicar, por exemplo, o índice de refração dos corpos transparentes ou a emissão e absorção de radiação, era preciso pressupor interações complexas entre os dois tipos de matéria, algo que ninguém conseguiu fazer seriamente.
A crença na teoria mecânica da luz e na existência do éter começou a diminuir com o surgimento da eletrodinâmica de Faraday e Maxwell, confirmada experimentalmente quando Hertz descobriu as ondas eletromagnéticas. Mas foi a teoria da relatividade restrita que demoliu de vez essas ideias. Antes de Einstein, muita gente tentou, sem sucesso, conciliar a teoria eletromagnética de Maxwell com a existência do éter – o próprio Maxwell se posicionou ambiguamente em relação ao tema. De um lado, abandonou o modelo mecânico do eletromagnetismo, e de outro lado permaneceu com a ideia do éter, que estava associada ao modelo mecânico.
Quando Einstein entrou nessa história, a hipótese era de que toda a física reduzia-se à mecânica, que explicava a teoria cinética dos gases, a teoria cinética do calor e a hidrodinâmica. Deveria também explicar todos os fenômenos eletromagnéticos. Hertz passou os últimos três anos da sua vida tentando demonstrar essa hipótese, mas foi duramente criticado por importantes cientistas.
O éter deveria servir como um referencial absoluto, mas, quando Einstein demonstrou a relatividade do espaço-tempo, esse referencial perdeu seu valor. Portanto, foi a investigação do conflito entre o eletromagnetismo e a mecânica newtoniana que levou Einstein até a teoria da relatividade restrita. Por outro lado, ao investigar o conflito entre o eletromagnetismo e a termodinâmica, ele chegou na explicação do efeito fotoelétrico, que lhe valeria o Prêmio Nobel de Física de 1921. Para onde se virava, o físico via luz em seu caminho científico.
Outra ideia luminosa
Em 1907, Einstein teve mais uma das suas incríveis intuições, que ele
considerou como o pensamento mais feliz da sua vida. Enquanto esboçava
um trabalho de revisão sobre a teoria da relatividade restrita, Einstein
percebeu que todas as leis da natureza, exceto as leis da gravitação,
poderiam ser explicadas com base na teoria da relatividade restrita.
Ele não conseguia colocar as leis da gravitação no arcabouço teórico da sua teoria da relatividade, até que, um dia, sentado em seu gabinete no Escritório de Patentes de Berna, viu como poderia dar o pulo do gato nessa história. Ele se deu conta de que, se um homem cai livremente, ele não sente seu próprio peso. Este homem em queda livre é um referencial acelerado em relação à Terra. Assim, não sente seu peso porque no seu referencial existe um campo gravitacional que cancela o campo gravitacional terrestre.
Reza a lenda que a ideia surgiu porque Einstein presenciou a queda de um homem na frente da sua janela, mas aparentemente isso não passa de invenção. Ao narrar a descoberta em uma conferência ministrada na Universidade de Kyoto, no Japão, em 14 de dezembro de 1922, o físico não mencionou o fato. No folclore da ciência, esse ‘experimento imaginário’ está para Einstein como a queda da maçã está para Newton.
O ‘experimento’ de 1907 originou o famoso princípio da equivalência, que foi o ponto de partida para a elaboração da teoria da relatividade geral. Segundo esse princípio, é impossível distinguir entre um campo gravitacional uniforme e uma aceleração uniforme. Dito de outro modo, uma pessoa no interior de uma caixa completamente fechada não saberá se está em repouso na superfície da Terra ou se está acelerada no espaço. Uma consequência desse princípio é a curvatura da luz sob o efeito de um campo gravitacional.
O primeiro trabalho sobre a relatividade geral, publicado somente em 1911, teve como objeto justamente o efeito da gravidade na propagação da luz. Ao contrário da relatividade restrita, que levou dez anos sendo burilada na cabeça de Einstein, e cujo nascimento definitivo se deu em um único trabalho, em 1905, a relatividade geral chegou a uma definição completa em novembro de 1915, depois de mais de uma dúzia de trabalhos publicados desde 1911.
Eclipse revelador
O primeiro teste da teoria foi feito em 1919, durante um eclipse
total do Sol. Observações realizadas por astrônomos britânicos em
Sobral, no Ceará, e na Ilha do Príncipe (África) confirmaram a previsão
de Einstein, segundo a qual um campo gravitacional produz a curvatura de
um raio luminoso. Mas por que usar um eclipse para investigar a
previsão? A razão é que o Sol produz um enorme campo gravitacional, com
considerável efeito em qualquer raio de luz que passar nas suas
proximidades. A luz oriunda de estrelas por trás do Sol, ao se curvar,
mostrará de forma deslocada a posição das estrelas. Só que enxergá-las,
mesmo com a ajuda de um telescópio, só é possível com ausência da forte
luminosidade solar – ou seja, quando o Sol estiver totalmente eclipsado
pela Lua. Em resumo: observam-se as estrelas durante o eclipse, para ver
sua posição virtual e, depois, durante a noite, para ver sua posição
real. As diferenças de posicionamento indicam a grandeza da curvatura.
O já mencionado efeito fotoelétrico foi outra porta pela qual a luz entrou na vida científica de Einstein. Fazia 18 anos que esse fenômeno vinha desafiando os cientistas. As malsucedidas tentativas de explicá-lo a partir da teoria eletromagnética de Maxwell levaram Einstein a fazer uma proposta audaciosa. Tão audaciosa que quase duas décadas se passaram até que a comunidade científica da época a aceitasse. A proposta ficou conhecida como quantização da luz: em vez de uma onda contínua, a luz também pode ser vista como composta de partículas, ou quanta de luz. Cada uma dessas partículas, ou quantum de luz (quantum é o singular de quanta), ou simplesmente fóton, transporta uma energia igual ao produto da sua frequência pela constante proposta por Planck em 1900.
A terceira via pela qual Einstein surfou na luz foi aberta por ele em 1917. Mais uma vez, exatamente como no caso do efeito fotoelétrico, a luz apareceu depois da investigação de um problema de termodinâmica. Ele estava interessado em investigar a emissão e a absorção de radiação pela matéria, no contexto da teoria quântica.
Embora o foco aqui tenham sido as investigações de Einstein relacionadas com a luz, não custa lembrar suas numerosas contribuições nos diversos ramos da física e suas repercussões em aplicações tecnológicas, como fizemos em outra coluna. Não seria exagero dizer que há digitais de Einstein em toda parte, do laser aos equipamentos de GPS, passando pelas células solares.
Carlos Alberto dos Santos
Professor aposentado do Instituto de Física da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS)
A premissa da teoria da relatividade restrita afirmava que, para um observador com a velocidade da luz, tudo deveria acontecer de acordo com as mesmas leis aplicáveis a um observador que estivesse em repouso em relação à Terra. A intuição de Einstein tinha a ver com a mecânica newtoniana, mas na época do seu devaneio juvenil ele não tinha ideia dessa conexão. A percepção emergiu anos depois, quando crescia sua admiração pela mecânica de Newton, sobretudo por suas conquistas em áreas com as quais parecia ter pouca relação. Um exemplo era o que Einstein chamava de teoria mecânica da luz, que define a luz como um movimento de onda em um éter (meio que permitiria sua propagação sem oferecer restrição ao movimento) semirrígido e suas aplicações a diferentes processos térmicos. Não surpreende, portanto, que o eletromagnetismo e a termodinâmica tenham sido as principais áreas da vida científica de Einstein.
Entretanto, logo no início de sua carreira, Einstein foi levado da admiração à análise crítica da teoria mecânica da luz. A existência do éter era um problema, pois dificultava o entendimento de alguns fenômenos. Para explicar, por exemplo, o índice de refração dos corpos transparentes ou a emissão e absorção de radiação, era preciso pressupor interações complexas entre os dois tipos de matéria, algo que ninguém conseguiu fazer seriamente.
A crença na teoria mecânica da luz e na existência do éter começou a diminuir com o surgimento da eletrodinâmica de Faraday e Maxwell, confirmada experimentalmente quando Hertz descobriu as ondas eletromagnéticas. Mas foi a teoria da relatividade restrita que demoliu de vez essas ideias. Antes de Einstein, muita gente tentou, sem sucesso, conciliar a teoria eletromagnética de Maxwell com a existência do éter – o próprio Maxwell se posicionou ambiguamente em relação ao tema. De um lado, abandonou o modelo mecânico do eletromagnetismo, e de outro lado permaneceu com a ideia do éter, que estava associada ao modelo mecânico.
Quando Einstein entrou nessa história, a hipótese era de que toda a física reduzia-se à mecânica, que explicava a teoria cinética dos gases, a teoria cinética do calor e a hidrodinâmica. Deveria também explicar todos os fenômenos eletromagnéticos. Hertz passou os últimos três anos da sua vida tentando demonstrar essa hipótese, mas foi duramente criticado por importantes cientistas.
O éter deveria servir como um referencial absoluto, mas, quando Einstein demonstrou a relatividade do espaço-tempo, esse referencial perdeu seu valor. Portanto, foi a investigação do conflito entre o eletromagnetismo e a mecânica newtoniana que levou Einstein até a teoria da relatividade restrita. Por outro lado, ao investigar o conflito entre o eletromagnetismo e a termodinâmica, ele chegou na explicação do efeito fotoelétrico, que lhe valeria o Prêmio Nobel de Física de 1921. Para onde se virava, o físico via luz em seu caminho científico.
Outra ideia luminosa
Em 1907, Einstein teve mais uma das suas incríveis intuições, que ele
considerou como o pensamento mais feliz da sua vida. Enquanto esboçava
um trabalho de revisão sobre a teoria da relatividade restrita, Einstein
percebeu que todas as leis da natureza, exceto as leis da gravitação,
poderiam ser explicadas com base na teoria da relatividade restrita.Ele não conseguia colocar as leis da gravitação no arcabouço teórico da sua teoria da relatividade, até que, um dia, sentado em seu gabinete no Escritório de Patentes de Berna, viu como poderia dar o pulo do gato nessa história. Ele se deu conta de que, se um homem cai livremente, ele não sente seu próprio peso. Este homem em queda livre é um referencial acelerado em relação à Terra. Assim, não sente seu peso porque no seu referencial existe um campo gravitacional que cancela o campo gravitacional terrestre.
Reza a lenda que a ideia surgiu porque Einstein presenciou a queda de um homem na frente da sua janela, mas aparentemente isso não passa de invenção. Ao narrar a descoberta em uma conferência ministrada na Universidade de Kyoto, no Japão, em 14 de dezembro de 1922, o físico não mencionou o fato. No folclore da ciência, esse ‘experimento imaginário’ está para Einstein como a queda da maçã está para Newton.
O ‘experimento’ de 1907 originou o famoso princípio da equivalência, que foi o ponto de partida para a elaboração da teoria da relatividade geral. Segundo esse princípio, é impossível distinguir entre um campo gravitacional uniforme e uma aceleração uniforme. Dito de outro modo, uma pessoa no interior de uma caixa completamente fechada não saberá se está em repouso na superfície da Terra ou se está acelerada no espaço. Uma consequência desse princípio é a curvatura da luz sob o efeito de um campo gravitacional.
O primeiro trabalho sobre a relatividade geral, publicado somente em 1911, teve como objeto justamente o efeito da gravidade na propagação da luz. Ao contrário da relatividade restrita, que levou dez anos sendo burilada na cabeça de Einstein, e cujo nascimento definitivo se deu em um único trabalho, em 1905, a relatividade geral chegou a uma definição completa em novembro de 1915, depois de mais de uma dúzia de trabalhos publicados desde 1911.
Eclipse revelador
O primeiro teste da teoria foi feito em 1919, durante um eclipse
total do Sol. Observações realizadas por astrônomos britânicos em
Sobral, no Ceará, e na Ilha do Príncipe (África) confirmaram a previsão
de Einstein, segundo a qual um campo gravitacional produz a curvatura de
um raio luminoso. Mas por que usar um eclipse para investigar a
previsão? A razão é que o Sol produz um enorme campo gravitacional, com
considerável efeito em qualquer raio de luz que passar nas suas
proximidades. A luz oriunda de estrelas por trás do Sol, ao se curvar,
mostrará de forma deslocada a posição das estrelas. Só que enxergá-las,
mesmo com a ajuda de um telescópio, só é possível com ausência da forte
luminosidade solar – ou seja, quando o Sol estiver totalmente eclipsado
pela Lua. Em resumo: observam-se as estrelas durante o eclipse, para ver
sua posição virtual e, depois, durante a noite, para ver sua posição
real. As diferenças de posicionamento indicam a grandeza da curvatura.O já mencionado efeito fotoelétrico foi outra porta pela qual a luz entrou na vida científica de Einstein. Fazia 18 anos que esse fenômeno vinha desafiando os cientistas. As malsucedidas tentativas de explicá-lo a partir da teoria eletromagnética de Maxwell levaram Einstein a fazer uma proposta audaciosa. Tão audaciosa que quase duas décadas se passaram até que a comunidade científica da época a aceitasse. A proposta ficou conhecida como quantização da luz: em vez de uma onda contínua, a luz também pode ser vista como composta de partículas, ou quanta de luz. Cada uma dessas partículas, ou quantum de luz (quantum é o singular de quanta), ou simplesmente fóton, transporta uma energia igual ao produto da sua frequência pela constante proposta por Planck em 1900.
A terceira via pela qual Einstein surfou na luz foi aberta por ele em 1917. Mais uma vez, exatamente como no caso do efeito fotoelétrico, a luz apareceu depois da investigação de um problema de termodinâmica. Ele estava interessado em investigar a emissão e a absorção de radiação pela matéria, no contexto da teoria quântica.
Não seria exagero dizer que há digitais de
Einstein em toda parte, do laser aos equipamentos de GPS, passando pelas
células solares
Em um sistema quântico (como o átomo), a energia se distribui em
estados discretos. Quando um sistema recebe uma certa quantidade de
energia, ele passa para um estado mais elevado, dito excitado. Se nada
atuar sobre o sistema, alguns nanossegundos depois ele volta ao seu
estado inicial e libera a energia recebida sob a forma de um fóton.
Trata-se de um processo de absorção seguido de uma emissão espontânea.
Einstein introduziu o conceito de emissão estimulada, ou induzida, e
demonstrou que a probabilidade de ocorrer uma absorção é igual à
probabilidade de uma emissão estimulada. Ou seja, um átomo em estado
excitado pode ser estimulado a emitir sua radiação por um fóton emitido
por outro átomo idêntico. Isso é o princípio de funcionamento do laser, sigla em inglês para “amplificação da luz por emissão estimulada de radiação”.Embora o foco aqui tenham sido as investigações de Einstein relacionadas com a luz, não custa lembrar suas numerosas contribuições nos diversos ramos da física e suas repercussões em aplicações tecnológicas, como fizemos em outra coluna. Não seria exagero dizer que há digitais de Einstein em toda parte, do laser aos equipamentos de GPS, passando pelas células solares.
Carlos Alberto dos Santos
Professor aposentado do Instituto de Física da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS)
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