terça-feira, 6 de outubro de 2015


Cactos em risco de extinção

Levantamento mundial indica que um terço das espécies pode desaparecer
MARIA GUIMARÃES | Edição Online 12:00 5 de outubro de 2015
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© MARLON MACHADO/UEFS
Descrita em 2003, Arrojadoa marylaniae cresce apenas no topo de um morro no município de Tanhaçú,  Bahia
Descrita em 2003, Arrojadoa marylaniae cresce apenas no topo de um morro no município de Tanhaçú, Bahia.

Quase um terço dos cactos do mundo sofre alguma ameaça de extinção, segundo artigo publicado hoje (5/10) na revista Nature Plants. A avaliação é resultado de um esforço internacional liderado pela ecóloga mexicana Bárbara Goettsch, da União Internacional para a Conservação da Natureza (IUCN, na sigla em inglês). “A partir de workshops e grupos de trabalho que compilaram trabalhos publicados, além de nosso próprio conhecimento, foi possível avaliar a situação de quase todas as espécies da família das cactáceas que existem no mundo e todas as 260 espécies que ocorrem no Brasil”, conta a botânica Daniela Zappi, do Jardim Botânico Real de Kew, na Inglaterra. No mundo são 1.480 catalogadas, quase exclusivamente nas Américas – uma única espécie ocorre naturalmente na Ásia e na África – e apenas duas não foram incluídas no estudo por falta de dados. Além de Daniela, também participaram da avaliação os botânicos brasileiros Marlon Machado, da Universidade Estadual de Feira de Santana, na Bahia, e João Larocca, da Fundação Gaia, no Rio Grande do Sul (veja na galeria de imagens um pouco dessa diversidade).

Para quem cacto é sinônimo de Caatinga, será uma surpresa descobrir que a maior ameaça a essas plantas reside nos Pampas gaúchos. Lá existe uma diversidade de cactos pequenos, principalmente dos gêneros Parodia e Frailea, como bolotas ou cilindros espinhudos de flores vistosas. O fato de serem muito apreciadas por colecionadores é parte do problema, junto com a pecuária, a agricultura e a mineração. Mais recentemente as agressões se diversificaram, explica Larocca, com atividades como a silvicultura em larga escala e a instalação de parques eólicos. “O uso da paisagem torna mais frágeis populações que já eram pequenas”, resume.

O problema é justamente que esses cactos se distribuem em pequenas áreas dispostas como as ilhas de um arquipélago – uns aqui, outros ali. A distribuição dificulta a preservação, já que não adianta fazer um grande parque nacional ou estadual. O botânico gaúcho sugere a preservação por meio de Reservas Particulares do Patrimônio Natural (RPPNs), em que proprietários de terra seriam estimulados a manter intactas áreas onde há cactos. “Temos condições de desenvolver um projeto nessa direção, que incluiria visitas técnicas às fazendas para orientar os proprietários, mas não temos a verba para executá-lo”, lamenta Larocca. Ele ressalta que ações nessa região teriam que ser coordenadas com países vizinhos, porque a flora de cactáceas gaúchas tem mais semelhança com as da Argentina e do Uruguai do que com a do resto do Brasil.

A interface entre o Cerrado do centro-norte de Minas Gerais e a Caatinga, especialmente da Bahia, é onde está a maior diversidade de cactos no Brasil. O estudo também destaca o México pela riqueza, porém com uma proporção menor de espécies ameaçadas. Marlon Machado destaca que a região se caracteriza por alto endemismo, com plantas que só existem em um morro de pedra, ou no topo de uma montanha. Quando uma dessas áreas se torna um foco de mineração, por exemplo, pode-se perder um tipo de cacto. Na Bahia, ele também se preocupa com as espécies do Cerrado no oeste do estado, uma vegetação pouco protegida no estado que se torna cada vez mais rara. O problema está nos pequenos, coletados de forma indiscriminada para o comércio de plantas ornamentais. “Espécies mais emblemáticas, como o mandacaru e o xique-xique, são abundantes e não correm riscos.”

Daniela Zappi ressalta a ameaça da mineração. “Muitas das Cactaceae endêmicas do leste do Brasil ocorrem em substrato extremamente específico. Por exemplo, Arthrocereus glaziovii é endêmica de Minas Gerais e ocorre diretamente sobre canga”, explica, se referindo ao substrato rochoso rico em ferro. “Essa espécie era outrora comum nas imediações de Belo Horizonte, e agora encontra-se ameaçada.” Segundo ela, uma grande variedade de cactos vive em substratos valiosos em termos de minério ou mesmo de pedras ornamentais.

Os pesquisadores destacam a necessidade de levantamentos abrangentes da flora para pensar em conservação, mas sem esquecer que as plantas são parte de uma rede ecológica. “Considerando que todas as cactáceas existentes são polinizadas por animais e muitas delas dependem de vertebrados para dispersão, conhecimento sobre os polinizadores e dispersores é vital para a proteção efetiva das populações”, ressalta Daniela.

Iniciativas como a capitaneada por Bárbara Goettsch são empreendimentos trabalhosos que envolvem dezenas de pesquisadores trabalhando em consonância. E são necessários, segundo a pesquisadora da IUCN. “Se queremos comparar grupos de plantas diferentes, deveríamos manter a metodologia que usamos para avaliar o risco de extinção de forma coerente”, afirma.
Artigo científico
GOETTSCH, B, et al. High proportion of cactus species threatened with extinctionNature Plants, artigo 15142, 5 out 2015.

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