Fósseis de pacas gigantes descobertos em Minas Gerais são atribuídos a espécie extinta
Achado ajuda a compreender melhor a fauna que viveu na América do Sul há mais de 30 mil anos
RODRIGO DE OLIVEIRA ANDRADE |
Edição Online 12:49 17 de outubro de 2016
Em 2006, durante escavações na Gruta Cuvieri, em Lagoa Santa, Minas Gerais, o biólogo Elver Mayer se deparou com centenas de fragmentos de dentes e ossos fósseis, incluindo crânios e mandíbulas. Ele os encontrou no fundo de um abismo de oito metros de profundidade em meio aos restos mortais de outras espécies de mamíferos. À época aluno de iniciação científica no curso de ciências biológicas do Centro Universitário Fundação Santo André, em São Paulo, Mayer pensou ter encontrado os esqueletos de uma espécie comum de paca. Somente em 2014, já no doutorado na Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), reavaliou melhor os fragmentos, verificando que os fósseis, na verdade, pertenciam a uma espécie extinta de paca de grande porte, chamada Cuniculus rugiceps.
A conclusão se deu após o pesquisador comparar os fragmentos encontrados a partir de 2006 com os exemplares de pacas extintas descritos entre 1837 e 1839 pelo naturalista dinamarquês Peter Lund. Em colaboração com o biólogo Leonardo Kerber, da Universidade Federal de Santa Maria, no Rio Grande do Sul, que visitou a coleção de Lund na Dinamarca e coletou dados sobre as espécies extintas, Mayer pôde comparar as amostras e descrever os crânios, mandíbulas e dentes encontrados na Gruta Cuvieri, verificando que se tratava da espécie C. rugiceps.
No mesmo período, o biólogo descobriu na coleção paleontológica da Fundação Museu do Homem Americano, no Piauí, dois dentes que pertenciam à mesma espécie de paca encontrada em Lagoa Santa. O achado permitiu a ele fazer o primeiro registro da espécie fora da região de Lagoa Santa, ampliando em mais de 1.500 quilômetros ao norte a distribuição da espécie identificada, conforme descreveu em um artigo publicado na revista Acta Palaeontologica Polonica, junto com o bioantropólogo Walter Neves, coordenador do Laboratório de Estudos Evolutivos e Ecológicos Humanos do Instituto de Biociências da Universidade de São Paulo (USP).
A espécie extinta assemelha-se muito às pacas conhecidas hoje. Ambas têm câmaras formadas pelos arcos zigomáticos — contato entre ossos que formam a parte inferior da órbita ocular, na região da bochecha — que lhes permitem se comunicar com o interior da boca. Dessa forma, os sons emitidos pelos animais eram amplificados ao ressoarem nessas cavidades ósseas, tornando-se ainda mais intensos. “É possível também que essas estruturas fossem usadas como reservatório para o transporte de alimentos”, diz Mayer.
No entanto, a característica que mais chamou a atenção dos pesquisadores diz respeito ao tamanho dos bichos. Os ossos da espécie extinta eram até 30% maiores do que os da paca atual. “Fizemos uma estimativa do peso da espécie extinta e o resultado indicou que os indivíduos poderiam superar os 17 quilogramas (kg), enquanto que o peso das espécies viventes chega, no máximo, a 12 kg.” Os pesquisadores não sabem exatamente o período em que essa espécie habitou aquela região. “Com a datação que temos dos sedimentos é possível dizer que os indivíduos que encontramos na Gruta Cuvieri viveram há mais de 30 mil anos”, afirma Mayer.
Outro aspecto interessante relacionado à descoberta é que os fósseis encontrados possivelmente eram de animais que morreram em razão de acidentes. Os pesquisadores suspeitam que eles entravam na caverna à procura de abrigo, água e sais minerais depositados nos sedimentos. Nessas ocasiões, devido à topografia irregular da caverna e à falta de luz, os bichos provavelmente se acidentavam. Em muitos casos os animais caiam em abismos ou fissuras. Assim, a topografia da Gruta Cuvieri funcionava como uma armadilha natural. “O fato de termos encontrado no fundo da caverna esqueletos de pacas extintas e de outros mamíferos de médio e grande porte relativamente completos é uma forte evidência da ocorrência deste processo”, diz Mayer.
Segundo ele, os achados contribuem para um melhor entendimento da fauna do final Quaternário (desde 2,5 milhões de anos atrás até os dias de hoje), um período de grandes mudanças ambientais, extinções e marcada pela chegada dos seres humanos na América do Sul.
Artigo científico
MAYER, E.L. et al. Taxonomic, biogeographic, and taphonomic reassessment of a large extinct species of paca from the Quaternary of Brazil. Acta Palaeontologica Polonica. 2016.
Nenhum comentário:
Postar um comentário
Observação: somente um membro deste blog pode postar um comentário.