Taxidermia - Natureza no museu
Profissão de taxidermista auxilia estudos taxonômicos, ecológicos, biogeográficos e ambientais
RODRIGO DE OLIVEIRA ANDRADE |
ED. 250 | DEZEMBRO 2016
Os olhos impávidos, as narinas umedecidas, a pelagem reluzente. O hiper-realismo promovido pela taxidermia, à primeira vista, causa fascínio e estranhamento. Ao fazer com que animais inanimados pareçam vivos, a área desperta o interesse de instituições de pesquisa e ensino do Brasil por possibilitar a conservação de espécies raras ou ameaçadas de extinção, além de auxiliar na identificação e na classificação de variedades muito parecidas entre si. Por sua vez, a exposição de animais taxidermizados em museus tem se revelado uma importante ferramenta didática para estudos ambientais. Pouco conhecida, a profissão de taxidermista — outrora denominada “empalhador” — apresenta-se como uma opção de carreira para aqueles interessados em preservar os animais para estudos científicos.
A taxidermia tem como objetivo manter a estética dos animais, reconstruindo suas características físicas e, às vezes, simulando o ambiente em que viviam. Trata-se de uma profissão que exige habilidade manual e experiência teórica em diversas subáreas da biologia, como anatomia, morfologia e ecologia, segundo o taxidermista Marcelo Felix, do Laboratório de Ornitologia do Museu de Zoologia da Universidade de São Paulo (MZ-USP). Ele explica que os profissionais que trabalham nessa área hoje no Brasil são muito especializados e escassos. “Como não existem cursos técnicos ou universitários, a maioria dos profissionais inicia a carreira em cursos informais ou em estágios em institutos de pesquisa e museus”, conta. Segundo Felix, é possível encontrar cursos de taxidermia organizados esporadicamente pelo Museu Nacional do Rio de Janeiro e pelo Museu Paraense Emílio Goeldi, em Belém. A taxidermia também é oferecida no curso de pós-graduação na Universidade de Santo Amaro, em São Paulo.
Apesar de ser uma carreira técnica, os interessados precisam cursar graduação em biologia, veterinária ou zootecnia, sendo recomendável fazer pós-graduação em zoologia e, em seguida, procurar por estágios em museus, na própria universidade ou nos institutos de pesquisa. Nesses estágios, o profissional irá aprender as técnicas de preparação dos animais. Por lei, a comercialização de peças taxidermizadas é proibida no Brasil. A prática é permitida apenas para fins de pesquisa ou ensino. O trabalho do profissional só começa quando o animal, morto, é destinado a jardins zoológicos, instituições científicas ou museus.
Marcelo Felix trabalha na profissão desde 2008. Ele entrou em contato com a atividade pela primeira vez pouco antes de concluir a graduação em biologia no Centro Universitário Adventista de São Paulo. “Participei de uma oficina sobre o assunto e conheci o museólogo e taxidermista Emerson Boaventura, que à época prestava serviços para o MZ-USP ”, conta. “Foi ele quem me orientou em meus primeiros passos nessa área.” Durante o estágio com Boaventura, Felix aprendeu as técnicas do processo de taxidermização de um animal. O primeiro passo consiste na retirada da pele, separando-a da carcaça ainda com as vísceras (ver infográfico). A pele é mergulhada em uma solução contendo ácido cítrico e sal, para descontaminação e preservação de suas características, enquanto a carcaça é congelada. Após alguns dias a carcaça é descongelada, e a pele, retirada da solução.
Em uma nova fase, os taxidermistas revestem a carcaça com um papel filme e, posteriormente, engessam-na. Algumas horas depois, o gesso é desprendido da carcaça e preenchido com espuma de poliuretano, tomando a forma exata do molde e se solidificando após algumas horas. Por fim, coloca-se em cada pata e na cabeça do animal um pedaço de arame fixado na espuma para que os membros e a cabeça permaneçam parcialmente móveis, permitindo ao taxidermista colocar o animal na posição desejada. Ao fim do processo, costura-se a pele em volta do molde esculpido.
O trabalho é definido como uma arte refinada e complexa pela taxidermista Maria da Graça Salomão, do Instituto Butantan. Ela também conheceu a profissão durante a graduação em biologia na Faculdade de Ciências e Letras Farias Brito, em Guarulhos. “Durante o mestrado, em 1983, meu orientador exigiu que eu guardasse e conservasse as amostras de animais analisadas em minha pesquisa.” Foi então que Maria da Graça começou a aprender as técnicas de preparação e conservação dos animais coletados. Quando foi para o Butantan, em 1987, trabalhou com a taxidermia de répteis e aracnídeos. “Nossa coleção tem animais preservados há mais de 100 anos”, diz. Sua experiência na área lhe permitiu escrever, junto com outros pesquisadores, o livro Técnicas de coleta e preparação de vertebrados (Instituto Pau Brasil de História Natural, 2002), no qual explica técnicas de conservação de aves, mamíferos, anfíbios, entre outros.
A taxidermização de animais é uma prática antiga. Na Europa, sabe-se que a atividade teve grande desenvolvimento durante o período da Renascença, ganhando força no século XVIII, em consequência da intensificação das expedições científicas e do desejo de conhecer melhor, e detalhadamente, novas espécies animais. No Brasil, a atividade era bastante difundida entre as décadas de 1930 e 1960, devido à legalização da caça de animais silvestres. Em janeiro de 1967, uma lei federal determinou a proibição da caça e da comercialização de espécimes da fauna brasileira. Com isso, a taxidermia perdeu relevância no país. À época os animais eram preenchidos com arame e palha — daí o termo “empalhado” — e expostos como troféus. O problema é que o uso desses materiais comprometia a fidelidade corpórea do bicho, que acabava ficando levemente deformado.
Os animais taxidermizados expostos em coleções didáticas de museus de história natural, laboratórios ou zoológicos, em geral, são encontrados mortos na natureza. Se estiverem em bom estado, são restaurados e expostos em museus. Em outros casos, são obtidos pelos próprios pesquisadores durante trabalho de campo. Não raro, os animais ficam expostos com dados sobre o local em que foram coletados, com informações científicas, comportamentais e registros fotográficos. As informações são usadas pelos cientistas como base para identificação de novas espécies. “Os pesquisadores comparam as características físicas entre o animal taxidermizado e o encontrado na natureza”, explica Felix. Além disso, os exemplares ajudam no desenvolvimento de estudos morfológicos sem a necessidade de o aluno
ou o pesquisador ir ao hábitat do animal.
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