Ictiologia - A vez da tilápia
Pesquisas com o peixe mais produzido no país resultam em nova variedade, vacina e probióticos, além de seleção genética
MARCOS DE OLIVEIRA |
ED. 249 | NOVEMBRO 2016
Podcast: Alexandre Wagner Silva Hilsdorf
00:00 / 14:11
egípcios há mais de 3 mil anos. Hoje, é o segundo peixe mais cultivado do mundo, perdendo apenas para o salmão, e o primeiro no Brasil. A preferência nacional pode parecer estranha para quem não sabe o nome mais conhecido do peixe: Saint Peter, muito presente em restaurantes e supermercados do país. Trata-se de uma variedade de pele vermelha da mesma tilápia nilótica, que tradicionalmente é preta com listras mais escuras. Na forma de filé não apresentam diferenças na cor e no sabor. O tamanho do mercado produtor e consumidor da tilápia no país mobiliza cientistas que pesquisam formas de melhoramento genético, doenças e tratamentos, até diferentes maneiras de comercializar o produto.
A variedade vermelha foi trazida de Israel pela empresa Aquaculture Production Technology (APT) nos anos 1980. “O nome Saint Peter pegou como bombril para palha de aço ou xerox para fotocópias”, compara o zootecnista e professor Alexandre Wagner Silva Hilsdorf, do Laboratório de Genética de Organismos Aquáticos e Aquicultura (Lagoaa), da Universidade de Mogi das Cruzes (UMC), na Região Metropolitana de São Paulo. Ele foi um dos primeiros pesquisadores brasileiros a trabalhar com genética de tilápia ao coordenar a criação de uma nova variedade vermelha para resolver um problema da Indústria Brasileira do Peixe (conhecida pelo nome de Royal Fish), empresa de Jundiaí (SP) que produzia a Saint Peter no final dos anos 1990 e teve dificuldades em importar matrizes de Israel.
Tilápias jovens no Instituto de Pesca, e…
Mesmo com o gosto e a cor do filé idênticos ao das tilápias pretas, as vermelhas chamam mais a atenção do consumidor nas gôndolas. “A vermelha é mais atraente, vende mais. Lembra peixes marinhos e por isso ganha melhor aceitação”, explica Hilsdorf. Mesmo com desempenho de crescimento menor que a preta, a tilápia vermelha inteira da Royal Fish é vendida no criadouro por R$ 9,80 o quilo (kg), enquanto a preta por R$ 8,50. Em São Paulo, a média do preço do quilo do peixe inteiro, no segundo trimestre de 2016, conforme um levantamento da Embrapa Pesca e Aquicultura, de Palmas (TO), foi de R$ 12,90, e o filé fresco, nos supermercados, de R$ 43,30. O preço varia de acordo com a região no Brasil. No levantamento da Embrapa, a média de preços do quilo do filé – no Distrito Federal e nos estados de São Paulo, Rio de Janeiro, Ceará, Paraná e Santa Catarina – ficou em R$ 31,23, e a do peixe inteiro, R$ 12,42.
…adulta dos tanques de criação da Barragem de Ponte Nova, em Salesópolis (SP)
Outra linha de pesquisa voltada para a criação de tilápia envolve uma ferramenta que já é usada para a criação de bovinos. O veterinário José Fernando Garcia, professor da Faculdade de Medicina Veterinária da Universidade Estadual Paulista (Unesp) em Araçatuba (SP), quer usar a sua experiência no desenvolvimento do chip de DNA bovino, usado comercialmente para selecionar melhores reprodutores em gado de leite. Ele está elaborando um chip para selecionar as matrizes de tilápias que são melhores reprodutoras com o objetivo de aumentar o rendimento do peixe em relação à produção de carne. “Com um pedaço da nadadeira da tilápia conseguimos extrair o DNA e, em uma lâmina com sensores nanotecnológicos, iremos identificar e caracterizar pontos do genoma chamados de SNPs [sigla em inglês para single nucleotide polymorphism, ou polimorfismo de nucleotídeo único], que são variações no DNA que permitem caracterizar individualmente cada peixe”, explica Garcia. “Com essa ferramenta será mais fácil, rápido e eficiente selecionar as matrizes. Cada casal de tilápia pode produzir de 200 a 300 filhotes por desova, três a quatro vezes por ano. O SNPchip vai facilitar o melhoramento genético da tilápia que ainda é incipiente. O melhoramento do salmão, em países como Chile e Noruega, já conseguiu dobrar o tamanho do peixe”, diz Garcia.
SNPChip: será usado para identificar marcadores genéticos em matrizes de tilápia
As doenças da tilápia também são objeto de estudos no Brasil. O mais recente resultou em uma vacina contra a bactéria Streptococcus agalactiae, desenvolvida na Unesp de Jaboticabal. O microrganismo provoca uma mortandade de peixes que pode chegar a 90% da produção na idade de pré-comercialização (cerca de 800 gramas). Esse patógeno normalmente já está na água e contamina os peixes de forma oportunista quando eles ficam estressados com a superlotação dos tanques ou com a variação brusca de temperatura. A infecção provoca alterações neurológicas na pele, olho saltado, além de sinais neurológicos, como natação errática, causados por meningoencefalite hemorrágica.
O problema é enfrentado com antibióticos, mas o uso indiscriminado de medicamentos leva à contaminação da água e de mananciais. “Existem várias vacinas contra a estreptococose no mundo, mas não temos informações sobre a industrialização, frequentemente por conta de segredos industriais. Como não há muita informação, nosso ex-aluno de doutorado, Paulo Fernandes Marcusso, propôs a sonicação, que é o uso de ultrassom como forma de inativação da bactéria, e a utilização de duas proteínas como imunógenos na vacina”, explica o médico-veterinário Flavio Ruas de Moraes, professor da Faculdade de Ciências Agrárias e Veterinárias (FCAV) da Unesp, em Jaboticabal (SP). “Nos testes que fizemos em laboratório, a taxa de sobrevivência dos peixes vacinados foi de 100%”, diz Marcusso, hoje professor na Universidade Estadual de Maringá (UEM). Além do Brasil, a bactéria foi relatada em criações nos Estados Unidos, Israel e Japão, explica Marcusso. O próximo passo seria fazer testes em campo, o que demanda financiamento e comprometimento de uma empresa ainda inexistente.
Tilápia Royal Fish, resultado do cruzamento entre as variedades Red Stirling, vermelha, e Chitralada, preta.
Tachibana diz que, embora não tenha números, o custo compensa a adição de probióticos na ração. “Gastam-se apenas 200 gramas por tonelada de ração na fase juvenil do peixe.” Em outro projeto no Instituto de Pesca em São Paulo, a bióloga Danielle de Carla Dias procura bactérias nas próprias tilápias nilóticas que possam inibir alguma doença do peixe. Para isso, ela e um grupo de pesquisadores do instituto percorreram vários locais de criação no Brasil. O resultado foi uma coleta de 1.125 espécies de bactérias encontradas nos peixes, obtidas da mucosa, pele ou intestino. “Até agora, desde o início de 2015, coletamos essas bactérias e testamos 30, das quais quatro passaram nos testes porque demonstraram algum benefício”, diz Danielle. “Pretendemos até abril de 2017 estar com uma bactéria probiótica específica para a tilápia e iniciar os primeiros testes em peixes.” Ela realizou alguns estágios de pós-doutorado com apoio da Fapesp na Universidade de Málaga e também no Instituto Espanhol de Oceanografia, na Espanha, onde participou de estudos para encontrar uma bactéria probiótica para peixes marinhos e que hoje são utilizadas como aditivos em criações comerciais de lubina, linguado e dourada.
Tanques de criação em Salesópolis, onde a UMC realiza experimentos de cruzamentos para melhoramento genético
A forma de consumo do peixe também é objeto de investigação. O último projeto Pipe coordenado por Hilsdorf foi destinado ao conhecimento do mercado consumidor da tilápia vermelha e o desenvolvimento de produtos processados com o peixe. O estudo que envolveu Royal Fish, UMC e Instituto de Tecnologia de Alimentos (Ital), de Campinas (SP), foi iniciado em 2011 e recebeu também recursos da Financiadora de Estudos e Projetos (Finep). Finalizado em 2014, o projeto, entre outros produtos, gerou filés cozidos em forma de cubos e filés frescos com molhos de forma semelhante a produtos existentes no exterior. Os filés em cubos nas embalagens de alumínio, na forma de sacos semelhantes àqueles utilizados em molhos e massas, são inéditos no Brasil. Poderão ser consumidos em refeições ou na forma de petiscos. “Fizemos filés cozidos de tilápia cortados em pedaços com salmoura. Depois de esterilizado, o produto é fechado e está pronto para uso”, conta José Ricardo Gonçalves, pesquisador do Ital. Também foram realizadas várias sessões de percepção de sabor por parte de consumidores. O filé cortado em cubos e cozido obteve uma aceitação de 70% e um percentual de rejeição de 20%, sendo que 10% foram indiferentes. Depois dos estudos, a Royal Fish analisa quais produtos poderá lançar no mercado.
Produção ascendente mostra a importância que a tilápia tem na aquicultura nacional
A tilápia é o peixe mais cultivado no Brasil. Em 2015 foram 219 mil toneladas despescadas (abatidas e comercializadas), segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Esse número aumentou 9,7% em relação a 2014 e quase 10 vezes em relação a 1998, quando foram vendidas 30 mil toneladas. As maiores regiões produtoras estão no Ceará, principalmente no município de Jaguaribara; São Paulo, nas cidades de Santa Fé do Sul e Rifaina; além de Toledo, no Paraná; e Glória, na Bahia. Segundo o IBGE, a produção movimentou R$ 1,177 bilhão no ano passado. Entre as variedades mais presentes no Brasil está a Chitralada, no país desde 1996, descendente de tilápias do Egito que foram selecionadas no Japão e posteriormente melhoradas na Tailândia. A outra é a Gift, sigla para genetically improved farmed tilapia, originária de um projeto de 10 anos (1988-1997) da International Center for Living Aquatic Resources Management (Iclarm), atual WorldFish Center, com sede na Malásia, para produzir uma variedade de tilápia geneticamente superior. Foi introduzida no país em 2005 por meio de uma parceria entre a Universidade Estadual de Maringá (UEM), no Paraná, e o WorldFish Center, com colaboração do ex-ministério da Pesca e Aquicultura e da Companhia de Desenvolvimento Agropecuário do Paraná (Codapar). O Informativo Mercado da Tilápia, de fevereiro de 2016, editado pela Embrapa Pesca e Aquicultura, de Palmas (TO), indica que o Brasil exportou 171 toneladas de filé fresco de tilápia para os Estados Unidos em 2015, 97% do total do comércio externo brasileiro, no valor de US$ 1,3 milhão. Somente no primeiro trimestre deste ano, também segundo a Embrapa, as exportações ultrapassaram o período de 2015, com 188 toneladas no valor de US$ 1,5 milhão.
Projetos
1. Agregação de valor ao processo de industrialização do híbrido da tilápia vermelha (Oreochromis niloticus) (nº 2011/51143-0). Modalidade Programa de Apoio à Pesquisa em Empresas / Programa FAPESP Pesquisa Inovativa em Pequenas Empresas (Pappe-Pipe); Pesquisador responsável Alexandre Wagner Silva Hilsdorf (UMC); Investimento R$ 102.237,95 (Fapesp) e R$ 83.298,37 (Finep).
2. Avaliação genética e zootécnica de duas variedades de tilápia nilótica para o estabelecimento de um programa de produção massal de um híbrido (nº 2001/08416-4); Modalidade Programa Pesquisa Inovativa em Pequenas Empresas (Pipe); Pesquisador responsável Alexandre Wagner Silva Hilsdorf (UMC); Investimento R$ 123.642,39 e US$ 8.998,66
3. Seleção de microrganismos isolados de tilápia para utilização como probiótico em peixes (nº 2014/15390-1); Modalidade Jovens Pesquisadores em Centros Emergentes; Pesquisadora responsável Danielle de Carla Dias (Instituto de Pesca); Investimento R$ R$ 142.089,84 e US$ 46.703,86.
4. Probióticos na alimentação de tilápia do Nilo, Oreochromis niloticus (nº 2013/09731-8); Modalidade Auxílio à Pesquisa – Regular; Pesquisador responsável Leonardo Tachibana (Instituto de Pesca); Investimento R$ 168.296,53 e US$36.739,96.
Artigos científicos
DIAS, M. A. et al. Evaluation of the genetic diversity of microsatellite markers among four strains of Oreochromis niloticus. Animal Genetics. v. 47, n. 3, p. 345-53. junho de 2016.
LAGO, A. A. et. al. The development of genetically improved red tilapia lines through the backcross breeding of two Oreochromis niloticus strains. Aquaculture. On-line. 30 jun. de 2016.
Nenhum comentário:
Postar um comentário
Observação: somente um membro deste blog pode postar um comentário.