O veneno que vem do céu
Pulverização aérea de agrotóxicos, monocultivos, UCs e assentamentos da Reforma Agrária
Silvia
Beatriz Adoue leciona na Escola Nacional Florestan Fernandes, é
professora doutora na UNESP/Araraquara, parecerista da Revista Acadêmica
Multidisciplinar Urutágua (UEM) e da Revista Eletrônica Espaço
Acadêmico.
14/10/2017
Imagem de GPS para ver a distribuição da fazenda, a estação ecológica e o assentamento
Em
11 de outubro, das 10 h às 13 h, houve pulverização no monocultivo de
mandioca na fazenda "Brinco de Ouro", no município de Ubirajara-SP, na
divisa com o município de Gália-SP. A operação afeta o assentamento da
reforma agrária "Luiz Beltrame" e a estação agroecológica Caetetus
"Olavo Amaral Ferraz". O assentamento e a estação agroecológica, em
Gália, lindam com o campo pulverizado. O fato alarmou duplamente os
assentados, já que aconteceu no momento em que as crianças da comunidade
se deslocavam para as escolas que frequentam em Ubirajara, e o avião
fazia manobras acima do assentamento. .
Com 1.273 ha, o assentamento "Luiz
Beltrame" é composto por 77 famílias. Há nele 27 unidades que produzem
com sistema agroflorestal (SAF) e 100 ha já estão destinadas à produção
agroecológica e orgânica. Parte da área pertencia antigamente à fazenda
"Portal do Paraíso", que foi declarada improdutiva e, em 2012, e foi
arrecadada pelo Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária
(INCRA)[1].
Outra parte era a antiga fazenda "Santa Fé". Então, famílias que
durante 4 anos vinham ocupando e sendo despejadas para a beira da
estrada, entraram na sede da fazenda.
Na época, a Companhia Ambiental do Estado
de São Paulo (CETESB), agência do estado para monitoramento ambiental,
resistia a outorgar o licenciamento para instalação de assentamento da
reforma agrária na área, por lindar com a estação ecológica. O
fazendeiro e candidato a deputado federal pelo Partido Ecológico
Nacional (PEN) Ivan Cassaro chegou a iniciar um processo judicial para
impedir a constituição do assentamento, também com o argumento da
proximidade com a estação ecológica[2].
A área da estação ecológica é é de 2.178
ha, localizada entre nos municípios de Gália e Alvilândia-SP, e também
foi parte da fazenda "Paraíso", pertencente a Olavo Amaral Ferraz, foi
desapropriada em 1976 para constituir a Reserva Estadual de Gália. Em
1987, a reserva florestal foi transformada numa modalidade específica
de Unidade de Conservação (UC) que exige vigilância ambiental severa,
sob proteção integral: a estação ecológica[3]. O seu gestor é o Instituto Florestal. A unidade possui 83% de cerrado e 17% de mata atlântica[4]. Com riqueza em espécies ameaçadas, como o mico-leão-dourado[5].
A pulverização aconteceu sobre um plantio
de mandioca. A empresa que controla a fazenda possui também terras em
Goiás e Mato Grosso. Dedicados ao gado em condições de terra
improdutiva, os empresários sentiram-se ameaçados pelas ocupações de sem
terra que disputam a área, e então retiraram o gado e plantaram 100
alqueires de mandioca. A fazenda já vai pelo segundo ciclo de plantio.
A situação é paradigmática. São os
assentados os que dão a voz de alarme frente a agressão à área que
precisa ser preservada. O esforço da comunidade de "Luiz Beltrame"
combina a produção de alimentos livres de veneno com a preservação e
expansão do bioma, por meio dos SAFs. Isto é, a reforma agrária,
contrariando os prognósticos, tornou-se garantia não só de proteção, mas
também de ampliação da abundância no território. Enquanto isso, e
lançando mão de uma espécie nativa e que em princípio não teria impacto
negativo no ambiente, o agronegócio age com efeito destrutivo da
natureza e coloca em risco os habitantes da região.
Destruída a mata para formar pastagem, com
terra compactada, mesmo o plantio de mandioca, por ser realizado em
grande escala, exige a utilização de veneno para se tornar rentável. Os
povos da floresta, que habitaram esse território por pelo menos 2.500
anos, disseminaram a espécie em toda a região. A mandioca e outros
tubérculos foram de grande importância para preservar e expandir a
abundância no território. Mas o seu modo de plantio em nada parece com o
do agronegócio. Em primeiro lugar, porque os povos plantam mandioca no
que modernamente se chama de cultivos consorciados e não como
monocultivo. Em segundo lugar, porque a rotação de cultivos não permite o
esgotamento de uma área. Essas práticas, próprias dos povos da floresta
da região, aprendida na caboclagem, hoje também está sendo aprendida
pelos assentados da reforma agrária.
O povo encurralado e empobrecido pela
colonização, agora na forma do agronegócio, exige passagem. Para
defender o território da escassez e a morte.
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