terça-feira, 17 de maio de 2022

 

A ORIGEM E EVOLUÇÃO DAS TARTARUGAS: PROTO-QUELÔNIOS.

Os primeiros proto-quelônios surgiram no final do período Triássico, a cerca de 250 milhões de anos atrás. Seu casco permaneceu estável no plano corporal e evoluiu a partir de extensões ósseas de sua coluna e expandiram-se para formar um escudo completo que ofereceu proteção em todas as fases de sua evolução, mesmo quando o componente ósseo do casco não era completo. Isto é suportado por fósseis de quelônios como a Odontochelys semitestacea ou “tartaruga de meio-casco”, que foi encontrada perto de Guangling, no sudoeste da China.

Sinosaurosphargis é um gênero extinto de réptil marinho basal conhecido da Formação Guanling do Médio Triássico de Guizhou, uma cidade na China. Foi datada em 243 milhões de anos.

Muitos estudos de genética e paleontologia tem sido produzidos com a finalidade de elucidar um pouco mais sobre a origem e evolução das tartarugas, favorecendo então a implementação de projetos de conservação destes répteis.

Tartarugas são animais muito bem modelados por processos evolutivos, com um único plano corporal e um escudo que é considerado uma das estruturas biológicas mais intrigantes do reino animal.

Os membros deste grupo oferecem um caso excepcional para compreender as grandes mudanças evolucionárias que ocorreram na história dos vertebrados. Um estudo realizado por pesquisadores de 9 instituições internacionais decodificou o genoma da tartaruga verde da China (Pelodiscus sinensis) e estudaram a expressão da informação genética no desenvolvimento do animal.

Os resultados foram publicados na revista Nature Genetics e mostram que as tartarugas não são répteis primitivos como se pensava anteriormente, mas estão relacionados com o grupo composto por aves e crocodilianos, que também inclui os dinossauros extintos. Com base nas informações do genoma, os pesquisadores previram que as tartarugas devem ter dividido a linhagem a partir deste grupo cerca de 250 milhões de anos atrás.

Um estudo revelou também que, apesar de sua anatomia única, tartarugas seguem o padrão básico durante o desenvolvimento embrionário. Ao invés de se desenvolver diretamente em uma forma específica do corpo com o casco, ela primeiro estabelece o plano básico do corpo dos vertebrados e em seguida entra em uma fase de desenvolvimento específica. Durante esta fase de especialização tardia os pesquisadores encontraram vestígios de que a expressão de genes relacionados á formação dos membros esta ligado também á formação do casco. Isso indica que o casco da tartaruga evoluiu a partir de um recrutamento de parte do programa genético utilizado para a formação dos membros. Isto não é novidade para os geneticistas: a evolução de borboletas direcionou o uso do gene Distal-less não somente a produção de pernas e asas (como comum em artrópodes), mas a manchas ocelares. Portanto, já se sabe que genes podem ser recrutados a novas funções.

Outra constatação inesperada foi que tartarugas possuem um grande número de receptores olfativos e, portanto, tem a capacidade para sentir odor de uma grande variedade de substâncias. Os pesquisadores identificaram mais de 1.000 receptores olfativos na tartaruga da China que é um dos maiores números encontrados em um vertebrado não-mamíferos.

Tipos de crânios e suas respectivas fenestras e ossos.

A questão é; como um casco surgiu e foi selecionado? ou ainda: quais exemplares podem explicitar a origem de tal grupo com tal característica?

Existe uma série de fósseis que marcam a origem e evolução do casco. Mas a origem das tartarugas começa muito tempo antes do primeiro casco surgir. Para compreender a origem das tartarugas é preciso entender a origem do grupo na qual o animal pertence, os répteis.

Os primeiros répteis surgiram a cerca de 320 milhões de anos atrás, durante o período Carbonífero a partir de tetrápodes reptilimorphos. Répteis, no sentido tradicional da palavra vem do verbo latim reptare, que significa rastejar. São definidos como os animais vertebrados que têm escamas (ou cascos), põem ovos com cascas rígidas como forma de adaptação a desidratação e possuem metabolismos ectotérmicos (sangue frio).

Os taxonomistas ainda debatem a relação exata entre estes répteis basais (com mais de 300 milhões de anos) que apareceram no Carbonífero, com os répteis do Permiano, ou, os crânios anápsidos (sem aberturas, ou fenestras) e o grupo das tartarugas e cágados (Testudinata).

Muitos paleontólogos defendem que os testudíneos descendem de répteis diápsidos (com duas aberturas) que perderam as fenestras temporais. De fato, os únicos répteis vivos anápsideos são os testudíneos.

Na filogenia abaixo, não foi possível fazer a representação de todos os principais grupos répteis, mas apenas os grupos que permite-nos explicitar a trajetória evolutiva dos últimos 280 milhões de anos e localizar temporal e filogeneticamente onde estão as tartarugas.

A porção inferior em negrito representa os principais grupos fósseis de tartarugas, cujo representante mais antigo data 240 milhões de anos (Pappochelys), e o parente mais próximo do grupo é o Eunotosaurus, datado em aproximadamente 260 milhões de anos.

Relações filogenéticas entre os répteis. As setas em vermelho indicam grupos mais conhecidos e destacados no texto. O ponto azul indica a linhagem que mais nos interessa: proto-quelônios e os ancestrais das atuais tartarugas. Rainer & Hans, 2015

O primeiro réptil que aparece na filogenia (porção superior), é o Seymouria, que data aproximadamente 280 milhões de anos. Estas datas são importantes porque mostram que os grupos das tartarugas se diversificaram precocemente da linhagem que deu origem aos crocodilianos e aos dinossauros, ou seja, cerca de 260 milhões de anos. Os primeiros crocodilianos datam aproximadamente 235 milhões de anos e os primeiros dinossauros cerca de 231 milhões de anos (todos contidos em Archosauromorpha).

Obviamente, entre o Seymouria (Permiano de 280 milhões de anos na América do Norte e Europa) até as tartarugas 260 milhões de anos, a radiação adaptativa de répteis foi tão intensa que gerou várias das linhagens conhecidas atualmente; muitas delas ainda vivas. Obviamente, todas as outras foram extintas: como os Millerretidae de 252 milhões de anos, parte dos já citados Archossauros (onde estão os crocodilianos, dinossauros e aves), Squamata e Rynchocephalia (que juntos compreendem o grupo Lepidopsauria) datado em cerca de 220 milhões de anos.

Devidamente localizados, temos então um ponto crucial na filogenia (marcado pelo ponto azul na imagem): a origem de um grupo chamado Sauropterygia (traduzido á risca como “lagarto de nadadeira”). É um táxon extinto representado por diversificados répteis aquáticos que se desenvolveram a partir de ancestrais terrestres – logo após a extinção do fim do Permiano. Eles floresceram durante o Mesozóico e deram origem a animais presentes no Pliossauro (Cheng et al, 2013).

Neste ponto, a origem das tartarugas começa a ficar mais clara. Isto ocorre porque os sauropterigios tinham diversas divisões. As duas que nos interessam era a linhagem dos Eosauropterygia e Placodontiformes.

Eosauropterygia é um grupo de difícil classificação. Várias análises deste grupo e sua relação evolutiva com sauropterygia são feitas desde o início da década de 2010 e sugeriram que eles estão mais estreitamente relacionados com arcossauros (aves e crocodilianos) do que para Lepidosauros (lagartos e serpentes)( Lee, 2013).

Nele, há o grupo (clado) dos Sinosaurosphargis, um gênero extinto de réptil marinho basal do Triássico Médio (encontrado na China). O grupo tinha as narinas externas retraídas e fenestras temporais superiores. A região do tronco do corpo era curta e arredondada, coberta por um escudo composto por pequenas placas dérmicas (osteoderme), assim como o pescoço e as porções proximais dos quatro membros. As vértebras eram alongadas distalmente e expandiam projeções transversais. As costelas torácicas eram ampliadas e planas, contactavam entre si ao longo de seu comprimento formando uma corbelha (um cesto) de costelas torácicas fechadas (Li et al, 2011). Li et al (2014) descobriu que alguns destes traços são compartilhados enquanto outros são exclusivos do grupo.

O outro grupo bastante importante é o do Placodontiformes, descoberto em 2013, considerado um clado basal e irmão do Eosauropterygia (Neenan et al, 2013).

Este grupo já apresentava “cascos”, mas não são considerados tartarugas. Eram répteis aquáticos, mas diferente das tartarugas em sua anatomia. As espécies mais conhecidas podem ser divididas em dois grupos: os Placodontoides não-blindados que eram grandes, escamosos e cheio de dentes. De fato, há 247 milhões de anos a espécie representante deste grupo é o Paraplacodus broilli. Como todos os placodontes conhecidos, o Paraplacodus era um réptil aquáticos que alimentava-se quase exclusivamente de mariscos. Os fósseis foram descobertos no norte da Itália e a espécie foi nomeada em 1931 por Bernhard Peyer. Paraplacodus significa “quase com placas” (Dixon, 2006)

O outro grupo é chamado de Cyamodontides e eram “blindados”. O representante mais comum era Placodus, uma espécie irmã (derivada) de Paraplacodus que vai desenvolver uma placa semelhante a um casco.

Cyamodus (Cyamodontides)

O Placodus nadou nos mares rasos do período Triássico Médio a cerca de 240 milhões de anos atrás. Seus fósseis foram encontrados na Europa Central (Alemanha, França, Polônia) e China (Palmer, 1999).

Cyamodontides é classificado hoje em um grupo maior (a superfamília extinta Cyamodontoidea) e apresentava cascos grandes, formados a partir de placas ósseas fundidas, a osteoderme que era superficialmente semelhante ao casco de tartarugas. Os ciamodontoideos também têm crânios distintos com mandíbulas, muitas vezes desdentados estreitos e largas regiões temporais atrás dos olhos. Há duas grandes aberturas temporais que são posicionadas na parte superior da parte posterior do crânio, um arranjo que é conhecido como euryapsida e visto ao longo dos Sauropterygia. Os Cyamodontoideos são distintos das tartarugas nos seus grandes dentes que crescem a partir dos ossos do palatino – ou seja, sobre o céu da boca (Rieppel, 2002).

O casco de Cyamodontoideo difere das tartarugas de várias maneiras. Os cascos de tartaruga são fundidos a seus esqueletos em várias regiões, incluindo as vértebras, costelas, e a gastrália, ou seja, as costelas abdominais e cintura escapular. Os cascos de Cyamodontoideos não têm os ossos fundidos. Os cascos de tartarugas também são compostos de duas camadas da osteoderme, enquanto em Cyamodontoideos só há uma camada que é maior e configura seu casco e plastrão (parte superior e inferior) das tartarugas. A osteoderme têm formas mais bem definidas do que as formas geométricas das tartarugas (Rieppel, 2002).

Há algumas espécies representantes deste grupo. No grupo Cyamodus, fósseis datados do Período Triássico (Diedrich, 2011), são considerado como um possível ancestral das tartarugas devido ao seu torso amplo e achatado coberto de ossículos dérmicos. É um grupo derivado de Paraplacodus e filogeneticamente precedida por Placochelys (Naish, 2004). Inicialmente foi considerada como uma tartaruga ancestral devido à sua cabeça semelhante a dos testudines (atuais tartarugas) e grande carapaça bifurcada. Com uma investigação mais aprofundada resultou na sua reclassificação como um Placodontia, e está intimamente relacionada com outros répteis semelhantes a tartaruga do período Triássico, como Henodus e Psephoderma.

Psephoderma (significa “pele de cascalho”) tinha um crânio achatado e um estreito. Dentro do crânio estava incorporada as mandíbulas com dentes especializados para esmagar moluscos. Ao contrário da maioria dos placodontes, o Psephoderma tinha uma carapaça que foi dividida em duas partes, uma sobre os ombros e costas e outra na extremidade traseira. Psephoderma chegava até 1,80 m e viveu a cerca de 210 milhões de anos atrás. Foi um dos últimos placodontes a ser extinto.

Portanto, nem todo réptil observado no registro fóssil que detém um casco deve ser considerado uma tartaruga. Ambos os grupos são relacionados evolutivamente, mas detém características distintas que garante ser agrupados de modo distinto.

Victor Rossetti

Palavras chave: NetNature, Rossetti, Tetrápodes reptilimorphos, Carbonifero, SeymouriaArchosauromorphaSquamataRynchocephaliaLepidopsauriaSinosaurosphargisPlacodontiformesCyamodontides, Triássico.

 .

Referências

Cheng, J. et al. 2013. “Highly diversified Chaohu fauna (Olenekian, Early Triassic) and sequence of Triassic marine reptile faunas from South China”, in Reitner, Joachim et al., eds. Palaeobiology and Geobiology of Fossil Lagerstätten through Earth History p. 80
Dixon, Dougal (2006). The Complete Book of Dinosaurs. Hermes House.
Diedrich, Cajus G. (2011). “The shallow marine placodont Cyamodus of the central European Germanic Basin: its evolution, paleobiogeography and paleoecology”. Historical Biology: An International Journal of Paleobiology. 24.3: 1–19.
Lee, M. S. Y. (2013). “Turtle origins: Insights from phylogenetic retrofitting and molecular scaffolds”. Journal of Evolutionary Biology. 26 (12): 2729–2738.
Li, Chun; Olivier Rieppel; Xiao-Chun Wu; Li-Jun Zhao; Li-Ting Wang (2011). “A new Triassic marine reptile from southwestern China”. Journal of Vertebrate Paleontology. 31 (2): 303–312
Li, Da-Yong Jiang, Long Cheng, Xiao-Chun Wu and Olivier Rieppel (2014). “A new species of Largocephalosaurus (Diapsida: Saurosphargidae), with implications for the morphological diversity and phylogeny of the group”. Geological Magazine. 151 (1): 100–120.
Naish, D. (2004). “Fossils Explained 48 – Placodonts”. Geology Today. 20: 153–158.
Neenan, J. M.; Klein, N.; Scheyer, T. M. (2013). “European origin of placodont marine reptiles and the evolution of crushing dentition in Placodontia”. Nature Communications. 4: 1621.
Palmer, D., ed. (1999). The Marshall Illustrated Encyclopedia of Dinosaurs and Prehistoric Animals. London: Marshall Editions. p. 70
Rainer R. Schoch & Hans-Dieter Sues. A Middle Triassic stem – turtle and the evolution of the turtle body plan. 00 Month 2015. Vol 000. Nature
Rieppel, O. (2002). “The dermal armor of the cyamodontoid placodonts (Reptilia, Sauropterygia): morphology and systematic value” (PDF). Fieldiana. 46: 1–41.

Nenhum comentário:

Postar um comentário

Observação: somente um membro deste blog pode postar um comentário.