quarta-feira, 15 de setembro de 2010

Mistérios do mar

13/9/2010

Por Fábio de Castro

Agência FAPESP – O conhecimento atual sobre a genética das populações marinhas ainda é repleto de lacunas e, nos últimos 20 anos, muitos estudos sobre a dispersão desses organismos no tempo e no espaço levaram a resultados cientificamente inexplicáveis. Mas esses mistérios podem estar com os dias contados, de acordo com Joseph Neigel, do Departamento de Biologia da Universidade da Louisiana em Lafayette, nos Estados Unidos.

Segundo o cientista, pesquisas que tiveram resultados intrigantes no passado poderão ter seus dados reinterpretados, graças ao desenvolvimento de novos métodos e tecnologias que permitam identificar geneticamente as larvas e investigar sua distribuição temporal e espacial em comunidades planctônicas.

Neigel participou, na sexta-feira (10/9), do Workshop sobre biodiversidade marinha: avanços recentes em bioprospecção, biogeografia e filogeografia, realizado pelo programa Biota-FAPESP.

Seu grupo de pesquisa desenvolveu métodos inicialmente usados para identificar larvas de espécies invasivas, mas a utilização dessas técnicas foi reorientada de acordo com as lacunas científicas existentes.

“Logo percebemos que esse método de identificação das larvas poderia ser utilizado para determinar seu genótipo. Mais tarde, essas técnicas foram associadas a métodos estatísticos capazes de estimar o fluxo genético das espécies a partir do uso de sequências de DNA como marcadores moleculares. Com isso, podemos detectar a presença de um único organismo em uma grande amostra de plâncton”, disse Neigel à Agência FAPESP.

A combinação desses novos métodos com outras ferramentas – incluindo tecnologias desenvolvidas para campos como a pesquisa em biomedicina –, estão propiciando, segundo ele, uma rápida transformação no conhecimento sobre genética de populações marinhas.

“Houve avanços tecnológicos muito rápidos. Atualmente, por exemplo, usamos robôs para fazer boa parte do nosso trabalho de extração do DNA dos organismos. Isso tudo permite ter dados muito mais amplos e reinterpretar resultados de pesquisas antigas”, afirmou.

Neigel apresentou exemplos de mistérios científicos que poderão ser resolvidos com as novas ferramentas. Um deles se refere a um estudo realizado por seu grupo, no Golfo do México, com duas espécies de caranguejo – a Menippe andina e a Menippe mercenaria, ambas comuns em costões da região.

“Os estudos sobre essas espécies, que apresentam pequenas diferenças morfológicas, começaram em 1986. Os dois caranguejos foram analisados a partir de alozimas – formas alternativas de enzimas, codificadas por diferentes alelos de um mesmo lócus genético”, explicou.

As análises mostraram que as espécies eram muito diferentes geneticamente. Quanto à distribuição na costa norte-americana, a M. andina predomina no litoral do Texas e a M. mercenaria se espalha por toda a costa Atlântica da Flórida. Enquanto isso, no litoral da Flórida voltado para o Golfo do México, há uma faixa de transição com as duas espécies.

“Era difícil explicar essa mistura das duas espécies. Analisando a história geológica do continente, chegou-se a uma explicação provisória: entre os períodos Plioceno e Mioceno, quando os níveis dos mares eram mais altos, a península da Flórida estava submersa e havia uma corrente que ia do golfo para o oceano. A espécie M. andina invadia então a região da M. mercenaria. Quando o nível das águas baixou, esses ‘invasores’ ficaram isolados e, milhões de anos depois, havia uma região de espécie híbrida”, disse Neigel.

De acordo com essa explicação, as diferenças genéticas mais marcantes entre as espécies deviam remontar ao período anterior à alta da maré. Com a submersão da Flórida, houve uma mistura, que explicaria as sequências genéticas mais semelhantes.

Depois do recuo da maré, o fluxo gênico entre as duas espécies deveria ter cessado. Mas, segundo Neigel, essa explicação não se sustentou quando confrontada a dados mais recentes.

“Em 1998, uma pesquisadora do nosso grupo participou de estudo que testou essas previsões com um relógio molecular. Essa técnica é usada para relacionar o tempo de divergência entre duas espécies com o número de diferenças moleculares medidas entre as sequências de DNA ou proteínas: quanto maior a proximidade genética, menor o tempo de separação entre duas espécies. Os dados conseguidos nesses testes eram bem diferentes dos previstos caso a hipótese da barreira geográfica estivesse correta”, disse.

Novas perspectivas

Nas previsões, a sequência genética mais distinta deveria refletir 6 milhões de anos de evolução. O estudo com o relógio molecular mostrou uma divergência menor que a esperada, refletindo um período de 1,5 milhões a 2,7 milhões de anos. A sequência com maior similaridade deveria refletir 2,6 milhões de anos de evolução, segundo a previsão. Mas o estudo de 1998 mostrou que as espécies compartilhavam sequências idênticas há menos de 900 mil anos.

“O mistério permanece. Há milhares de estudos na área de genética de populações marinhas com esse tipo de lacuna científica. Mas, a partir de agora, as novas metodologias e tecnologias poderão levar a novos avanços, permitindo que olhemos esses dados sob novas perspectivas”, apontou.

Ao superar certas limitações tecnológicas, os cientistas começam também a mudar interpretações e tendências teóricas. Segundo Neigel, os pressupostos relacionados à seleção natural eram em boa parte responsáveis pelos dilemas científicos apresentados por certos estudos. Às novas metodologias, será importante associar novas interpretações.

“Percebemos que havia padrões de dispersão e distribuição das espécies demasiadamente complexos para serem explicados apenas por um mecanismo. Há algumas décadas, tudo era atribuído a mecanismos de seleção. Mais tarde, passou-se a acreditar que esse era o mecanismo menos importante. Estamos chegando à conclusão de que há um equilíbrio entre seleção natural, a deriva genética e os fluxos genéticos”, destacou.

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