A origem da montanha
Teoria alternativa propõe que planalto nordestino se formou há cerca de 30 milhões de anos
MARCOS PIVETTA |
Edição 197 - Julho de 2012
Um novo trabalho, feito pelos geofísicos Walter Eugênio de Medeiros, da Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN), e Roberto Gusmão de Oliveira, do Serviço Geológico do Brasil (CPRM), defende a hipótese de que outro mecanismo geológico, mais recente e de natureza distinta do esticão ocasionado pela separação dos continentes, também pode ter desempenhado um papel importante na formação do planalto nordestino. Segundo um artigo da dupla de pesquisadores, a ser publicado em agosto no Journal of South American Earth Sciences, o soerguimento da Borborema pode ser consequência de atividade magmática e de uma anomalia térmica profunda que teriam se iniciado há cerca de 30 milhões de anos naquele trecho do Nordeste.
Durante seu trajeto de ascensão das profundezas para a superfície do globo, material quente e fundido, basicamente magma basáltico, teria ficado aprisionado na zona limítrofe entre a crosta e o manto, respectivamente a camada mais externa e a intermediária da Terra. A diferença de densidade entre o magma e as rochas vizinhas teria provocado uma força no sentido vertical, o empuxo. “Essa força teria deformado a crosta e feito a região se elevar, dando origem assim ao planalto da Borborema”, diz Oliveira. “Não estamos dizendo que esse foi o único processo que levou à formação do planalto, mas, sim, que esse mecanismo também pode ser a causa profunda do surgimento da Borborema”, afirma Medeiros.
O foco do estudo são as chamadas condições isostáticas do planalto da Borborema, ou seja, as alterações no equilíbrio gravitacional entre duas estruturas internas da Terra: a litosfera, parte rígida que abrange a crosta e a parte superior do manto, e a astenosfera, segmento fluido do manto. Variações nesse equilíbrio produzem modificações no relevo terrestre e podem dar origem a montanhas ou depressões. As alterações podem ser causadas por forças localizadas na superfície ou no interior do planeta, ou em ambos. “O sistema funciona como uma estrutura elástica que flexiona quando as cargas são colocadas, mas recuperam sua condição inicial quando elas são removidas”, compara Oliveira.
No caso do planalto da Borborema, os dados da dupla de pesquisadores sugerem que essa serra foi formada pelo soerguimento da crosta em razão de forças localizadas imediatamente abaixo da camada mais superficial da Terra. As medições indicam, segundo a interpretação dos geofísicos, que as forças na base da crosta são maiores do que o peso da topografia ali formada. “Aparentemente, a julgar pela intensa atividade sísmica da região, o processo ainda está ativo”, afirma Medeiros. Ou seja, o planalto da Borborema ainda não teria atingido o equilíbrio isostático e, na medida em que a denudação das rochas ocorre, a crosta lentamente retorna de forma elástica para sua condição inicial.
Dados produzidos em viagens pela região serrana do Nordeste amparam a tese dos geofísicos, cujo estudo faz parte dos trabalhos patrocinados pelo Instituto Nacional de Ciência e Tecnologia (INCT) de Geofísica do Petróleo. A dupla de pesquisadores realizou medições da intensidade do campo gravitacional (gravimetria) em vários pontos do planalto da Borborema e também usou informações produzidas por outros centros de pesquisa. A partir desse tipo de dado, é possível inferir a densidade das rochas e a espessura das camadas geológicas numa região. Os pesquisadores registraram alguns tipos de perturbação, como a chamada anomalia de geoide positiva, que pode ser interpretada como um indicativo de que ali a camada geológica mais superficial é mais espessa. “A crosta é cerca de quatro quilômetros mais grossa sob o planalto do que fora dessa região”, diz Oliveira. Em certos pontos da serra ela atinge 35 quilômetros de espessura.
De Campina Grande a Caruaru
Com altitude média de 500 metros e picos extremos que chegam a 1.200 metros, o planalto da Borborema é uma das formações naturais mais interessantes e desafiadoras para os geofísicos brasileiros. Seus domínios englobam cidades conhecidas, como a paraibana Campina Grande e a pernambucana Caruaru. Seu formato se assemelha a uma elipse alongado na direção norte-sul, atingindo um comprimento máximo de 470 quilômetros e uma largura que varia de 70 a 330 quilômetros. Ao lado da depressão sertaneja, uma planície com altitudes entre 0 e 200 metros situada no norte do Nordeste, e da chapada do Araripe, um planalto mais modesto do interior de Pernambuco, Ceará e Piauí, a serra da Borborema faz parte de um enorme bloco de rochas que abarca quase todo o Nordeste: a província Borborema.
“No passado tectonismo e vulcanismo foram duas marcas significativas dessa região serrana, ainda hoje palco de pequenos terremotos e falhamentos que reforçam os indícios de que a província Borborema tem uma litosfera diferente da do restante do escudo brasileiro”, comenta Naomi Ussami, geofísica da Universidade de São Paulo e estudiosa da Borborema. Sob a província, a astenosfera, onde a temperatura do manto passa de 1.300 graus, é mais rasa. Estima-se sua profundidade em 80 quilômetros, enquanto no restante do Brasil – em especial nos crátons, pedaços antigos e frios de continente – é de 200 quilômetros. Como consequência, a litosfera da Borborema deve ser mais fina e quente. “Uma grande região no interior da litosfera com maior temperatura faz diminuir a densidade das rochas, que tendem a flutuar e se deslocar para profundidades menores. Esse pode ser um mecanismo alternativo para o levantamento e a erosão de partes da província Borborema”, cogita Naomi.
A hipótese formulada por Medeiros e Oliveira para explicar a formação do planalto da Borborema não é consenso entre os estudiosos. Trabalhos feitos com outras técnicas, como a refração sísmica profunda, permitem formular teorias distintas sobre o surgimento dessa importante serra nordestina, mais na linha de que as origens da serra estariam mais associadas ao processo de separação da América do Sul do continente africano. A refração sísmica consiste em gerar explosões próximas à superfície a fim de medir a propagação das ondas de choque no interior da Terra. Quando passam de um meio a outro, as ondas são parcialmente refletidas e refratadas, mudando de velocidade. Como as camadas geológicas da Terra apresentam densidades diferentes, a velocidade varia em distintos pontos das entranhas do planeta. Dessa forma, é possível estimar onde fica a divisa entre a crosta e o manto.
Para José Eduardo Soares, geofísico da Universidade de Brasília, as análises com a técnica de refração sísmica profunda sinalizam que a gênese da serra da Borborema ocorreu de forma diversa da proposta por Medeiros e Oliveira. “Nossa ideia é que o processo de formação do planalto foi muito simples”, afirma Soares. “Houve uma delaminação da litosfera, uma perda de material que levou ao soerguimento do planalto.” O processo teria ocorrido no Cenozoico, como consequência da separação dos continentes iniciada cerca de 100 milhões de anos atrás. Como se vê, as técnicas até hoje usadas para estudar esse importante acidente geográfico ainda não levaram a um consenso sobre as origens das elevações que marcam o interior de uma parte do Nordeste.
Artigo científico
OLIVEIRA, R.G. e MEDEIROS, W.E. Evidences of buried loads in the base of the crust of Borborema Plateau (NE Brazil) from Bouguer admittance estimates. Journal of South American Earth Sciences. v. 37, p. 60-76. ago. 2012.
OLIVEIRA, R.G. e MEDEIROS, W.E. Evidences of buried loads in the base of the crust of Borborema Plateau (NE Brazil) from Bouguer admittance estimates. Journal of South American Earth Sciences. v. 37, p. 60-76. ago. 2012.
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