A
edição do jornal O Globo de hoje (9) traz duas opiniões opostas sobre
os resultados da Conferência as Nações Unidas sobre Desenvolvimento
Sustentável (Rio+20).
Visão realista, opinião do jornal
Pressionada por demandas específicas, muitas inconciliáveis, de 191
países, e em meio a grave crise econômica mundial cujos efeitos sobre
resultados e objetivos do encontro não poderiam ser ignorados, a Rio+20
produziu um documento final que deve ser julgado pelas intenções. Não é
uma peça para embasar ações radicais e imediatas, como queriam
militantes ambientalistas, organizações não governamentais,
observadores, negociadores etc. Dentro das circunstâncias, o texto
aprovado por chefes de Estado e de governo reunidos na capital
fluminense é positivo. Chegou-se a um consenso possível numa conferência
de cúpula que começou com uma pauta em que 70% do seu conteúdo estavam
marcados por impasses.
O documento, como já se esperava, não agradou aos grupos que viam na
cúpula mais do que um momento extraordinário de reflexão, pela
peculiaridade de reunir altos mandatários de todo o mundo. Tratava-se de
avaliar até onde foi possível avançar, desde a Rio 92, em questões como
sustentabilidade, ambientalismo, economia verde, e estabelecer passos a
serem dados, daqui em diante, não só para equacionar demandas não
resolvidas desde a primeira cúpula, na última década do século passado, e
outras que inevitavelmente teriam de ter surgido pela dinâmica da
ocupação do planeta e das relações políticas e econômicas entre as
nações.
O resultado mais significativo do encontro talvez não tenha sido a
dimensão do que ficou consignado no texto final. Por óbvio, ao passar
por crivos ideológicos, políticos ou econômicos, o documento produzirá
mais ou menos entusiasmo, de acordo com a conveniência e a coloração
política de quem o analisa. O que o torna altamente positivo é o fato de
que o mundo se reuniu, discutiu demandas (algumas delas diretamente
relacionadas com o futuro da Humanidade, como a utilização de recursos
naturais não renováveis e o uso, em escala cada vez maior, de energia
limpa) e, ao fim, admitiu a existência de problemas que reclamam ações
urgentes. Nisto, a cúpula deu um salto: reconhecer erros e equívocos é o
primeiro passo para buscar soluções.
A Rio+20 teve o mérito de mostrar que se conseguiu sensibilizar os
países no sentido de encontrar saídas para grande parte dos problemas da
agenda da cúpula. Apararam-se arestas e suprimiram-se pontos de atrito
para se elaborar um texto que consagra um conjunto de boas intenções. A
desaprovação há de ter ficado restrita ao âmbito dos segmentos
internacionais que esperavam, ao fim da conferência, estabelecer
compromissos imediatos e resolver, por atos concretos, de resto quase
sempre descoladas da realidade, os problemas do mundo.
É fundamental avaliar o resultado da Rio+ 20, cujo nome remete a uma
revisão e análise do legado da Rio 92, também à luz da conjuntura atual.
Teria sido irreal, por exemplo, aprovar a constituição de um fundo
internacional, sustentado pelas economias mais fortes do planeta, quando
o mundo está às voltas com gravíssima crise. Também não pode deixar de
ser visto como positivo o saldo de um encontro que se comprometeu com a
manutenção de políticas para erradicar a fome, que manterá os países
mobilizados na discussão de temas como sustentabilidade e saúde do
planeta, e que consagrou o vigor do C40, o grupo que reúne 59 das
maiores cidades do mundo em busca de soluções globais e regionais para
melhorar a qualidade de vida de seus habitantes.
O futuro que não queremos, opinião de Marcos Arruda, economista, educador e associado do Instituto Transnacional.
Duas clivagens dividem hoje a humanidade: entre a classe dos donos do
capital e as classes que só possuem sua força de trabalho; e entre o
bloco dos que professam a fé na acumulação ilimitada de riqueza
material, ignorando que os recursos do planeta são finitos, e o bloco
dos que já praticam uma socioeconomia fundada na sobriedade feliz,
conscientes de que podemos ser felizes consumindo menos bens materiais e
vivendo em solidária harmonia entre humanos e com os outros seres da
Terra.
Apesar dos compromissos voluntários assumidos pelas elites nas
Cúpulas oficiais (Rio92 e Rio+20), os indicadores de "desenvolvimento
sustentável" dos últimos 20 anos são estarrecedores: PIB global, +75%;
emissões de carbono,+36%; degelo da banquisa do Ártico, +35%; ritmo
anual de degelo das geleiras, +100%; população mundial, +26%; produção
de alimentos, +45%; 1/3 deste total (1,3 bilhões de toneladas) é
desperdiçado; desnutridos: mais de 1 bilhão, obesos: mais de 1 bilhão;
agricultura usa 70% da água consumida; crescente desigualdade de renda
como fator de geração de pobreza: renda mundial detida pelos 20% mais
ricos passou de 82,7% para 91,5%; a fração dos 20% mais pobres caiu 20
vezes, de 1,4% para 0,07%; crescente desigualdade de expectativa de
vida: para os 20% mais ricos, de 77 para 79 anos; para os 20% mais
pobres, de 46 para 44 anos de vida (PNUD).
Estes indicadores comprovam o fracasso do "Desenvolvimento
Sustentável". Mas a avaliação dos resultados de 20 anos de tratados
internacionais sobre pobreza, clima, gênero, biodiversidade,
desmatamento e desertificação, água, emissões de gases-estufa,
acidificação dos oceanos, degelo das calotas e geleiras foi retirada da
agenda da Rio+20. Por que? "Não devemos olhar para trás. É tempo de
construir o futuro." Para disfarçar esse fracasso as grandes empresas
lançaram a Economia Verde, não só para evitar a avaliação dos 20 anos de
promessas vazias, mas para pintar de verde a economia 'de mercado',
apresentada como 'o novo caminho' de salvação da vida e do planeta.
Soluções efetivas além da retórica estão ausentes no documento
oficial, O Futuro que Queremos. A Declaração da Cúpula dos Povos na
Rio+20 é incisiva: "As instituições financeiras multilaterais, as
coalizões a serviço do sistema financeiro, como o G8/G20, a captura
corporativa da ONU e a maioria dos governos demonstraram
irresponsabilidade com o futuro da humanidade e do planeta e promoveram
os interesses das corporações na conferência oficial. Em contraste, a
vitalidade e a força das mobilizações e dos debates na Cúpula dos Povos
fortaleceram a nossa convicção de que só o povo organizado e mobilizado
pode libertar o mundo do controle das corporações e do capital
financeiro."
As elites globais presentes na Cúpula oficial identificam o
"desenvolvimento sustentável" com "o crescimento econômico sustentado".
No mundo atual, quase 90% do consumo global é atribuído aos 20% mais
ricos. Sem reduzir este consumo excessivo e planejar o crescimento
econômico em prol dos necessitados não há solução para a crise social e
ambiental. Sem compartilhar a riqueza, o saber e o poder a humanidade
não sobreviverá. Só uma nova consciência e um novo paradigma de
desenvolvimento podem responder a este desafio.
* A equipe do Jornal da Ciência esclarece que o conteúdo e opiniões
expressas nos artigos assinados são de responsabilidade do autor e não
refletem necessariamente a opinião do jornal.
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