Um novo roteiro para o povoamento da América
Estudo sugere que uma migração principal e duas secundárias deram origem às populações nativas do continente
MARIA GUIMARÃES |
Edição Online 17:09 11 de julho de 2012
Antes do povoamento da América, outros estudos já tinham indicado que uma população de origem asiática se instalou na Beríngia entre 20 mil e 18 mil anos atrás, e ficou lá tempo suficiente para acumular diferenças genéticas que se tornaram exclusivas dos americanos (ver também Pesquisa FAPESP nº 182).
Há cerca de 15 mil anos, esses seres humanos começaram a se espalhar rumo a leste e sul. Mas não foi, segundo sugere o estudo recém-publicado, a única origem das populações do continente. Um tempo depois, os pesquisadores ainda não estimaram quanto, dois outros grupos menores chegaram da Ásia e contribuíram para a formação dos esquimós na Groenlândia e dos Chipewyan, também conhecidos como Na-Dene pela língua que falam, no norte do Canadá.
Mas esses grupos não permaneceram isolados. Ao contrário, continuaram em constantes migrações e encontros. “O processo é muito mais dinâmico do que se costuma pensar”, ressalta a geneticista gaúcha. “Essas pessoas andaram 5 mil quilômetros pelo gelo para chegar ali, não iam ficar parados!” Os dados indicam que essa migração secundária é responsável por apenas 50% dos genes dos esquimós, com a outra metade originária da onda principal, os beringianos. Já os Chipewyan descendem em 90% dos beringianos, com uma contribuição genética modesta dos que vieram depois. “Muitos pesquisadores não consideravam os esquimós como parte dos nativos americanos, por serem tão diferentes do ponto de vista anatômico e linguístico”, comenta Tábita. De acordo com os novos resultados, essa interpretação é no mínimo incompleta.
Essas análises, que levaram quatro anos para serem concluídas, trazem consequências importantes para a compreensão do povoamento das Américas. Elas resgatam partes da hipótese que postulava várias ondas migratórias e estava praticamente desacreditada, e as integra ao cenário mais aceito hoje de uma única invasão populacional. “A genética deveria ser vista como uma ferramenta que permite resgatar muitos dados do passado”, defende Tábita. Neste caso, os achados se encaixam com o que dizem indícios menos abundantes, como os fósseis (raros no Brasil devido ao solo ácido) e as linguagens, que se perdem por não terem registro escrito.
A publicação de hoje é um feito genético e estatístico. “Há 6 anos, não existia a tecnologia para realizar o que fizemos agora”, conta Tábita, que trabalhou no laboratório de Ruiz-Linares durante metade de seu doutorado, orientado por Maria Cátira. Era inimaginável reunir num banco de dados um número tão grande de trechos do material genético provenientes de tantas populações: foram quase 365 mil fragmentos de DNA conhecidos como SNPs, de 52 populações nativas americanas e 17 grupos siberianos. A pesquisadora esteve em Londres justamente entre 2009 e 2010, quando pôde participar da análise do gigantesco banco de dados que deu origem ao trabalho da Nature e usar subconjuntos do trabalho para seu projeto principal, que envolvia a conexão entre os genes e a aparência das populações nativas sul-americanas. Além da capacidade inédita de analisar um conjunto tão grande de dados genéticos, o grande feito técnico do trabalho foi a análise estatística, que permitiu eliminar a influência da miscigenação com europeus e africanos nos últimos 500 anos, e recuperar a história original dos ameríndios.
Para Tábita, a publicação marca na verdade o início de um trabalho muito maior. De posse desse precioso conjunto de dados, todos os grupos de pesquisa envolvidos no estudo poderão atacar perguntas que até agora não se tinha recursos para responder. Para o grupo brasileiro, destaca-se a possibilidade de entender a povoação da Amazônia, que parece ter acontecido de forma peculiar em relação às outras populações ameríndias.
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