O que é Seleção Natural?
A seleção natural é um dos núcleos da Teoria Sintética da Evolução, mas muita gente não sabe exatamente o que ela é.
Nas palavras de Stephen Jay Gould, a seleção natural é mal
compreendida, mal ensinada e mal citada, o que gerou muitos equívocos,
sendo o pior deles o darwinismo social: a ideia de que a ciência poderia
ser utilizada para justificar a eliminação sistemática de grupos
humanos “indesejados”.
Confira aqui alguns fatos sobre essa teoria famosa:
1 – A Teoria da Seleção Natural não nasceu junto com a Teoria da Evolução
Charles Darwin, quando começou a esboçar sua Teoria da Evolução em
1842, não estava inventando nada novo. Outros já haviam demonstrado o
fato da evolução, como Lamarck, e Darwin estava palmilhando caminho já
trilhado. Porém, ainda não se tinha um mecanismo para explicar como as
espécies se modificavam.
A inspiração veio do trabalho do Reverendo
Malthus (1766 – 1834): a
ideia de que os recursos crescem em progressão aritmética e os
consumidores em progressão geométrica leva à conclusão imediata: não é
possível que toda a prole dos consumidores sobreviva para passar seus
caracteres adiante. E quem é que sobrevive? Como cada animal tem uma
ligeira variação em relação aos de sua espécie, sobrevive quem tem
alguma vantagem sobre a concorrência, na competição pela sobrevivência e
reprodução. E, ao reproduzir, passa adiante suas características.
2 – A Seleção Natural não se chamava isso originalmente
Darwin tinha um grande receio de passar a ideia errada sobre a sua
descoberta, e evitava termos que levassem a uma compreensão teleológica
(ou seja, de que tudo tem um objetivo) das coisas. A expressão “seleção
natural” não aparece em seus livros, mas sim “sobrevivência do mais
apto” (“survival of the fittest”).
Curiosidade, o geneticista japonês Motoo Kimura sugeriu outro nome, a
“sobrevivência do mais sortudo”. Os sortudos que nascessem com o gene
“certo” acabavam sobrevivendo.
3 – A Seleção Natural demorou a ser aceita
Praticamente 80 anos. Desde a publicação da primeira edição, em 1859,
até a década de 1940, a seleção natural não foi aceita por um número
expressivo de cientistas. Não que não houvesse uma demonstração da
seleção natural. O trabalho de James
William Tutt, em 1846 (borboletas
Biston Betularia), já havia demonstrado a seleção, coisa que voltou a ser feita por Haldane em 1924.
Outras propostas existiam para explicar como as espécies surgiam com o
tempo, como o pontualismo, e mesmo teorias criacionistas, mas o fato é
que antes so biólogo e geneticista Theodosius Dobzhanksy fazer a síntese
do trabalho genético de Mendel com a Teoria da Evolução, a seleção
natural conforme proposta por Darwin foi rejeitada por uma boa parte dos
biólogos evolutivos.
Uma das razões para esta rejeição era que a ideia de um processo não
direcionado, e que não levasse a um progresso garantido, ia contra a
ideologia otimista vitoriana, que queria ver progresso em todas as
transformações e alterações, mesmo as naturais. De certa forma, Darwin
estava bem adiante de seu tempo.
4 – A Seleção Natural não é “a sobrevivência do mais forte”
Este é um erro comum: colocar a seleção natural como a sobrevivência
do mais forte. A seleção natural não privilegia, necessariamente, o mais
forte, mas o mais apto. E o mais apto pode ser o mais forte, ou o mais
rápido, ou o maior, mas nem sempre é este o caso.
Em 1977 aconteceu uma seca nas Ilhas Galápagos. As plantas produziram
sementes menores e mais duras. No mesmo período, os cientistas
observaram que os bicos dos tentilhões
Geospiza fortis estavam
5% maiores que antes da seca. Em 1983 houveram chuvas torrenciais e as
plantas produziram sementes mais macias. O tamanho médio do bico dos
tentilhões voltou ao que era antes da seca. Neste caso, a seleção
natural deu vantagem aos bicos mais fortes durante a seca. Depois da
seca, um bico mais forte custa mais, em termos de metabolismo, e não dá
vantagem nenhuma, assim o bico menor prevaleceu novamente.
Outro exemplo é o dos animais de cavernas. Em um ambiente escuro,
animais que têm olhos não têm vantagem alguma, e qualquer espécime que
tivesse a sorte de nascer sem olhos estaria em vantagem, por que para
desenvolver e manter os olhos, é preciso desviar um pouco da escassa
energia obtida na caverna com a alimentação. Fora da caverna, quem nasce
sem olhos está em desvantagem, por que não vê (o perigo) e é visto
(pelos predadores), sendo eliminado pela predação.
5 – A Seleção Natural continua agindo no ser humano
Durante algum tempo se questionou se o ser humano, vivendo em um
ambiente artificial e sem predadores naturais, continuaria sofrendo a
ação da seleção natural (e por conseguinte da evolução).
Entretanto, pesquisas recentes demonstraram que o ser humano continua sendo selecionado.
Por exemplo, a idade do primeiro filho mudou nos últimos 150 anos de 26
para 22 anos em uma região da Finlândia. A pesquisa conseguiu
demonstrar que se trata de um traço genético, não cultural, e só tem uma
maneira de uma característica genética se tornar comum ou predominante:
através de processos de seleção natural e hereditariedade – evolução.
Existem outras adaptações na raça humana. Os povos Inuit, que vivem
nas regiões árticas, tem o corpo curto, atarracado, e membros pequenos, o
que diminui a perda de calor. Os etíopes, por outro lado, são altos,
longilíneos, com extremidades longas, para perder calor mais
rapidamente.
Outra característica genética é a manutenção da capacidade de digerir
leite na idade adulta. Normalmente os mamíferos perdem esta capacidade
quando crescem, mas em alguns seres humanos esta característica
permanece, permitindo que eles tenham acesso a mais uma fonte de
proteínas, gordura e açúcares.
Finalmente, existem casos em que uma doença genética pode ser
favorecida. Algumas pessoas possuem uma doença hereditária, uma mutação
que altera a forma das hemácias, a “anemia falciforme” e a “talassemia”.
Esta é uma condição que pode causar a morte na infância, além de sérios
problemas, mas em ambientes onde a malária é endêmica, estes indivíduos
têm vantagem, por que o parasita não consegue se adaptar a eles.
6 A Seleção Natural só funciona até a idade reprodutiva
Um dos questionamentos que existem é por que temos o dente do siso,
que se não tratado pode causar a morte do seu portador por septicemia.
Ou do mal de Alzheimer, que causa demência.
A resposta para isto é que os genes do dente do siso, do mal de
Alzheimer e outras doenças genéticas degenerativas não são selecionados
por que estes males se manifestam depois que a pessoa já teve filhos. Ou
seja, os genes que determinam estas características são passados
adiante, sem sofrer seleção.
Outro erro comum é pensar que a Seleção Natural aumenta a
longevidade, já que os humanos, por exemplo, tem vidas em média cada vez
mais longas. Na realidade ela maximiza a reprodutividade e as
características que são importantes até a idade reprodutiva.
7 – A Seleção Natural não “pega” tudo
Uma das contribuições do biólogo Motoo Kimura para a Teoria da
Evolução foi a Teoria Neutralista da Evolução, que diz que a maioria das
mutações a nível molecular não tem influência na adaptação e seleção
natural do indivíduo, e acabam se tornando comuns na espécie por um
mecanismo chamado de “deriva genética”.
De acordo com Kimura, a deriva genética é um mecanismo evolutivo que
acontece sem seleção natural. Um gene se torna comum em uma população
simplesmente por sorte: ele não aumenta nem diminui a adaptação dos
indivíduos e acaba sendo passado adiante “de carona” com o resto do
código genético que está sujeito à seleção natural.
Entretanto, as mutações que hoje são neutras podem não ser amanhã.
Uma mudança no ambiente e uma característica que antes era neutra pode
passar a se constituir em vantagem ou desvantagem na luta pela
sobrevivência, sendo então passível do mecanismo da “seleção natural”.
8 – A Seleção Natural é o ambiente moldando o ser
Em qualquer ambiente que você for, vai encontrar animais adaptados a
ele, por que a seleção natural não para nunca, e começou desde sempre.
Ambientes desérticos contam com animais que conseguem guardar mais água.
Ambientes aquáticos contam com animais com corpo fusiforme, que gasta
menos energia ao nadar. Ambientes de savana têm mais animais que
conseguem ver melhor à grandes distâncias. A existência de predadores
favorece os animais que conseguem ver mais em todas as direções, por
isto a maioria das presas tem os olhos dos lados da cabeça, com
praticamente nenhum ponto cego na visão. A existência de predadores
rápidos favorece também as presas que são mais rápidas.
Todo animal guarda no corpo e nos genes as informações sobre o
ambiente em que vive. Mudando o ambiente, as informações mudam também. É
a seleção natural que dá aos seres vivos o aspecto de terem sido
projetados, “analisando” cada mínima alteração e adaptação do indivíduo,
eliminando do jogo da vida todos os indivíduos que não estão tão aptos
quanto seus concorrentes. Cada nova geração foi afiada um pouquinho mais
nesta pedra de moer carne e sangue; a luta pela vida.
Com o passar das gerações, as mudanças se espalham na população.
Novas mutações acontecem e os corpos são mais uma vez burilados. Se uma
asa um pouquinho maior permitia voar uma distância maior ou então gastar
menos energia para voar a mesma distância, milhares de gerações depois o
animal parece ter sido projetado para voar daquela forma.
Sir Charles Darwin, com o mecanismo da sobrevivência do melhor
adaptado, conseguiu uma ferramenta simples e ao mesmo tempo poderosa
para explicar como as espécies se alteram com o passar do tempo, mas não
foi o único mecanismo. Darwin também propôs a revolucionária ideia da
seleção sexual, “tão revolucionária” que só foi aceita a partir da
década de 1970, um século depois da publicação de “A Origem das
Espécies”, depois que o homem já havia dividido o átomo e pisado na lua.