A era do homem
Nunca, em toda a história da vida na Terra, uma espécie alterou tanto
o planeta quanto o ser humano. Estudiosos agora debatem a possibilidade
de uma mudança de era geológica: sairíamos do holoceno e passaríamos ao
antropoceno, a era do homem.
Em abril de 2001, numa conferência sobre os efeitos do aquecimento global realizada em Londres, o químico holandês Paul Crutzen, vencedor do Prêmio Nobel uma década antes, teve o seu momento de aluno rebelde. Do hotel onde estava hospedado até a sede do evento, ele atravessou por uma semana o fog londrino, a bruma cinza e espessa reflexo da poluição, que naqueles dias havia alcançado o nível 10, índice máximo estabelecido pelo Departamento do Meio Ambiente do Reino Unido. No palco, quando cientistas do mundo debatiam o holoceno, a época geológica iniciada no fim da última glaciação - 11,5 mil anos atrás - e que oficialmente continua até hoje, Crutzen interrompeu o curso natural com uma exclamação. "Precisamos parar. Coisas ruins estão acontecendo", disse. "Devemos falar sobre uma nova era".
Paul Crutzen, um senhor robusto, de ombros e rostos largos, como se tivesse passado a vida se exercitando numa piscina, lembra da primeira vez em que utilizou o termo antropoceno como um "alívio". "Todos naquela conferência ficaram mudos, mas, durante a pausa para o café, a ideia do antropoceno foi o principal assunto das conversas. Alguém até chegou a sugerir que eu patenteasse o termo", lembra ele em entrevista à Muito. "Para mim, foi como descarregar uma inquietação".
O substantivo, lançado num evento científico tal qual uma flecha, tenta abarcar as recentes mudanças no planeta. Nunca, em toda a história da vida na Terra, uma espécie parece ter alterado tanto o globo, e em uma escala tão rápida, quanto o homem. Mudamos os cursos de rios, alteramos a composição química da atmosfera e dos oceanos, domesticamos plantas e animais a ponto de sermos considerados uma força tectônica. Esse impacto é tão forte que fez Crutzen - e, agora, muitos cientistas ao redor do globo - propor uma mudança de época geológica. Deixaríamos o holoceno e passaríamos ao antropoceno, a era do homem.
Quinze anos depois de cunhar a ideia, Crutzen poderá ver o alívio amplamente disseminado em livros, pesquisas e conversas. Há dois anos, a União Internacional de Ciências Geológicas (IUGS) determinou que a Comissão Internacional de Estratigrafia (ICS), seu mais antigo órgão científico, criasse um grupo de trabalho para avaliar uma possível troca de nome e apresentar uma proposta sobre o assunto, a ser votada no próximo Congresso Internacional de Geologia, marcado para agosto deste ano na África do Sul. Se o trabalho for aprovado, será o primeiro passo para as famosas tabelas coloridas, que aparecem em cartazes de escolas e museus, mostrando os diferentes momentos da Terra, serem reformuladas.
"Será um grande marco filosófico para a humanidade", diz Crutzen, enquanto folheia um estudo de sua autoria, o primeiro sobre o tema, publicado em 2002, na revista Nature. "Num sentido diverso, terá impacto semelhante ao de outros marcos da história da humanidade, como a chegada do homem à Lua ou a descoberta da energia devastadora da bomba atômica".
"O homem move mais rochas e sedimentos do que as forças do gelo, do vento e da água, acelera processos de erosão e libera mais nitrogênio no ar do que plantas e outros organismos seriam capazes, principalmente desde a segunda metade do século 20", diz Carlos Nobre, presidente da Capes e único pesquisador brasileiro que participa do grupo de trabalho do antropoceno, no ICS. "A geologia está fundamentada em função de eventos naturais, glaciação, aquecimento e resfriamento da natureza. Pela primeira vez nós estamos criando uma era geológica que tem como motivo a ação humana".
Se for decidido, em agosto deste ano, que passamos ao antropoceno, será preciso justificar a decisão com amostras de solo, feitas com sondas, que mostram a "rubrica" do período. Essas amostras podem incluir, por exemplo, sedimentos de oceanos com marcadores de poluição, como partículas produzidas pela queima de combustíveis fósseis. Antes, porém, membros da União Internacional de Ciências Geológicas precisarão entrar num acordo acerca do marco inicial desta nova era.
Integrantes do ICS, como Nobre, acreditam que este marco poderia ser 16 de julho de 1945, o dia do primeiro teste da bomba atômica na história - um símbolo da forma como o homem alterou a quantidade de elementos radioativos no planeta. A data marcaria, também, o momento em que população humana acelerou o seu padrão de consumo e coincidiria com a proliferação dos "tecnomateriais", como alumínio, concreto, plástico e cobre.
"Seja o marco inicial em 1945 ou durante a Revolução Industrial, no século 18, creio que estamos num momento em que a espécie humana é determinante", diz Nobre. "O que precisamos, agora, é regular e avalizar que nossas ações não apressem processos naturais de maior duração".
"A última Conferência do Clima em Paris fechou um acordo para limitar o aquecimento global. É um bom ponto de partida", diz a jornalista e escritora britânica Gaia Vince, autora do livro Adventures in the anthropocene (Aventuras no antropoceno, em tradução livre), referindo-se ao evento realizado no final do ano passado, que envolveu 195 países, entre eles o Brasil. "Por outro lado, este é o momento em que uma grande parcela da população do planeta, que historicamente estava fora do mundo do consumo, passou a ter acesso a este mundo. Me parece que essa é uma pendência hoje: como dar essa má notícia, a de que agora que podem consumir, de fato não podem, porque as elites esgotaram o planeta nos últimos séculos?".
Em seu livro, espécie de diário que tenta explicar as enormes mudanças que têm ocorrido na Terra, Vince viaja por países ricos e pobres para exibir uma verdade que, face ao capitalismo, é inconveniente: o jeito como o mundo está andando não pode continuar, pois se baseia na ideia de que o crescimento econômico pode ser infinito, uma curva sempre ascendente, quando moramos num mundo finito, com recursos finitos.
É em cima deste dilema que o Breakthrough Institute, um centro de pesquisa da Califórnia, publicou, em abril do ano passado, um documento batizado de Manifesto Ecomodernista, defendendo a ideia de que o antropoceno pode ser, por fim, positivo. Ao trazer o impasse que o homem criou para si (sobreviver neste mundo árido), a nova era geológica expande a discussão sobre o papel das tecnologias para resolver os problemas ambientais, em oposição aos impactos promovidos pelo atual estilo de vida. O manifesto, que em sua totalidade soa como um documento apaixonado, traz uma mensagem que ainda é promessa: se o homem tem o poder de alterar a linha geológica do planeta, ele pode fazer isso para o lado certo.
"Enquanto gastarmos enormes quantidades de dinheiro, de energia e de capacitação para produzirmos coisas que duram dois meses e precisam ser repostas incessantemente, não vamos avançar, diz Ribeiro, para quem a tendência é haver uma "indianização" dos nossos modos - buscaremos uma autossuficiência no município, na comunidade, nos governos e arranjos locais, no transporte de curta distância, no consumo de produtos produzidos perto de casa. "Acredito numa contração da economia. Essas cidades gigantescas que dependem de redes imensas de fornecimento de energia, água e eletricidade vão se tornar inviáveis. Caminhamos para um mundo de bairros, mais do que a um mundo de metrópoles", projeta.
Na década de 1870, um geólogo italiano, Antonio Stoppani, já argumentava que os seres humanos haviam dado início a uma nova época, a que batizou de "antropozoica". A proposta de Stoppani acabou sendo rejeitada, depois de ter sido considerada pouco científica por outros especialistas. A ideia do antropoceno, por outro lado, encontra cada vez mais eco.
Determinadas plantas e animais começam a seguir para regiões próximas aos polos, e essas mudanças vão deixar traços no registro fóssil. Há espécies que não conseguirão resistir ao aquecimento. O aumento nas temperaturas pode aumentar o nível dos oceanos em seis metros ou mais. Muito tempo depois de nossas cidades virarem poeira, as consequências da queima de bilhões de toneladas de carvão e petróleo ainda serão percebíveis.
"Quanto mais você olha a evidência, mais você percebe que mudanças substanciais estão acontecendo nos registros geológicos do presente", diz André Carvalho, professor do departamento de ciência ambiental da USP e autor de uma tese sobre a geografia política da água. "Algumas pessoas acham que é prematuro formalizar o antropoceno, mas mesmo elas concordam que a escala das mudanças provocadas pelos humanos, na velocidade em que tem ocorrido, está resultando numa nova época geológica".
Sem a vaidade que poderia lhe caber neste momento, Crutzen, o palestrante rebelde de outrora, vê o valor da flecha lançada por ele traduzido no esforço de que o homem pode empreender para evitar o pior. "A intenção sempre foi uma só: fazer um alerta".
Em sua sala de trabalho, no Instituto Max Planck de Química, na cidade de Mainz, na Alemanha, há um alerta discreto. Entre os muitos papéis que ocupam a parede atrás de Crutzen está um desenho, quase infantil, de uma rocha disforme e negra atingindo o solo. Iluminada pela fala do químico, ela parece assoprar em nossos ouvidos que a ação humana pode ser tão súbita e violenta quanto a chegada de um asteroide.
Em abril de 2001, numa conferência sobre os efeitos do aquecimento global realizada em Londres, o químico holandês Paul Crutzen, vencedor do Prêmio Nobel uma década antes, teve o seu momento de aluno rebelde. Do hotel onde estava hospedado até a sede do evento, ele atravessou por uma semana o fog londrino, a bruma cinza e espessa reflexo da poluição, que naqueles dias havia alcançado o nível 10, índice máximo estabelecido pelo Departamento do Meio Ambiente do Reino Unido. No palco, quando cientistas do mundo debatiam o holoceno, a época geológica iniciada no fim da última glaciação - 11,5 mil anos atrás - e que oficialmente continua até hoje, Crutzen interrompeu o curso natural com uma exclamação. "Precisamos parar. Coisas ruins estão acontecendo", disse. "Devemos falar sobre uma nova era".
Paul Crutzen, um senhor robusto, de ombros e rostos largos, como se tivesse passado a vida se exercitando numa piscina, lembra da primeira vez em que utilizou o termo antropoceno como um "alívio". "Todos naquela conferência ficaram mudos, mas, durante a pausa para o café, a ideia do antropoceno foi o principal assunto das conversas. Alguém até chegou a sugerir que eu patenteasse o termo", lembra ele em entrevista à Muito. "Para mim, foi como descarregar uma inquietação".
O substantivo, lançado num evento científico tal qual uma flecha, tenta abarcar as recentes mudanças no planeta. Nunca, em toda a história da vida na Terra, uma espécie parece ter alterado tanto o globo, e em uma escala tão rápida, quanto o homem. Mudamos os cursos de rios, alteramos a composição química da atmosfera e dos oceanos, domesticamos plantas e animais a ponto de sermos considerados uma força tectônica. Esse impacto é tão forte que fez Crutzen - e, agora, muitos cientistas ao redor do globo - propor uma mudança de época geológica. Deixaríamos o holoceno e passaríamos ao antropoceno, a era do homem.
Quinze anos depois de cunhar a ideia, Crutzen poderá ver o alívio amplamente disseminado em livros, pesquisas e conversas. Há dois anos, a União Internacional de Ciências Geológicas (IUGS) determinou que a Comissão Internacional de Estratigrafia (ICS), seu mais antigo órgão científico, criasse um grupo de trabalho para avaliar uma possível troca de nome e apresentar uma proposta sobre o assunto, a ser votada no próximo Congresso Internacional de Geologia, marcado para agosto deste ano na África do Sul. Se o trabalho for aprovado, será o primeiro passo para as famosas tabelas coloridas, que aparecem em cartazes de escolas e museus, mostrando os diferentes momentos da Terra, serem reformuladas.
"Será um grande marco filosófico para a humanidade", diz Crutzen, enquanto folheia um estudo de sua autoria, o primeiro sobre o tema, publicado em 2002, na revista Nature. "Num sentido diverso, terá impacto semelhante ao de outros marcos da história da humanidade, como a chegada do homem à Lua ou a descoberta da energia devastadora da bomba atômica".
Na pedra
Mas conseguiria o antropoceno atender aos critérios para a designação de uma nova era geológica? Nos meandros da geologia, as fronteiras entre as épocas são definidas por mudanças preservadas em rochas - como o surgimento de um tipo de organismo fossilizado, por exemplo, ou o desaparecimento de outro. De acordo com os pesquisadores da ICS, o crescimento populacional, a construção de metrópoles, o desmatamento e o uso de combustíveis fósseis provocaram um efeito no planeta comparável ao derretimento das geleiras, o que marca o início da época holocena."O homem move mais rochas e sedimentos do que as forças do gelo, do vento e da água, acelera processos de erosão e libera mais nitrogênio no ar do que plantas e outros organismos seriam capazes, principalmente desde a segunda metade do século 20", diz Carlos Nobre, presidente da Capes e único pesquisador brasileiro que participa do grupo de trabalho do antropoceno, no ICS. "A geologia está fundamentada em função de eventos naturais, glaciação, aquecimento e resfriamento da natureza. Pela primeira vez nós estamos criando uma era geológica que tem como motivo a ação humana".
Se for decidido, em agosto deste ano, que passamos ao antropoceno, será preciso justificar a decisão com amostras de solo, feitas com sondas, que mostram a "rubrica" do período. Essas amostras podem incluir, por exemplo, sedimentos de oceanos com marcadores de poluição, como partículas produzidas pela queima de combustíveis fósseis. Antes, porém, membros da União Internacional de Ciências Geológicas precisarão entrar num acordo acerca do marco inicial desta nova era.
Integrantes do ICS, como Nobre, acreditam que este marco poderia ser 16 de julho de 1945, o dia do primeiro teste da bomba atômica na história - um símbolo da forma como o homem alterou a quantidade de elementos radioativos no planeta. A data marcaria, também, o momento em que população humana acelerou o seu padrão de consumo e coincidiria com a proliferação dos "tecnomateriais", como alumínio, concreto, plástico e cobre.
"Seja o marco inicial em 1945 ou durante a Revolução Industrial, no século 18, creio que estamos num momento em que a espécie humana é determinante", diz Nobre. "O que precisamos, agora, é regular e avalizar que nossas ações não apressem processos naturais de maior duração".
Consumo
Para ativistas e ambientalistas, a ideia da nova época formulada por Crutzen praticamente reúne tudo o que eles vêm pontuando há décadas: a atividade humana está intervindo tanto no planeta que coloca em risco a própria sobrevivência do homem. A questão que surge com a ideia de antropoceno é: como lidar com esse novo mundo humano? O primeiro passo, controlar os impactos da atividade econômica no clima, é consenso. Mas até que ponto isso é viável num modelo econômico sustentado pela produção e pelo consumo?"A última Conferência do Clima em Paris fechou um acordo para limitar o aquecimento global. É um bom ponto de partida", diz a jornalista e escritora britânica Gaia Vince, autora do livro Adventures in the anthropocene (Aventuras no antropoceno, em tradução livre), referindo-se ao evento realizado no final do ano passado, que envolveu 195 países, entre eles o Brasil. "Por outro lado, este é o momento em que uma grande parcela da população do planeta, que historicamente estava fora do mundo do consumo, passou a ter acesso a este mundo. Me parece que essa é uma pendência hoje: como dar essa má notícia, a de que agora que podem consumir, de fato não podem, porque as elites esgotaram o planeta nos últimos séculos?".
Em seu livro, espécie de diário que tenta explicar as enormes mudanças que têm ocorrido na Terra, Vince viaja por países ricos e pobres para exibir uma verdade que, face ao capitalismo, é inconveniente: o jeito como o mundo está andando não pode continuar, pois se baseia na ideia de que o crescimento econômico pode ser infinito, uma curva sempre ascendente, quando moramos num mundo finito, com recursos finitos.
É em cima deste dilema que o Breakthrough Institute, um centro de pesquisa da Califórnia, publicou, em abril do ano passado, um documento batizado de Manifesto Ecomodernista, defendendo a ideia de que o antropoceno pode ser, por fim, positivo. Ao trazer o impasse que o homem criou para si (sobreviver neste mundo árido), a nova era geológica expande a discussão sobre o papel das tecnologias para resolver os problemas ambientais, em oposição aos impactos promovidos pelo atual estilo de vida. O manifesto, que em sua totalidade soa como um documento apaixonado, traz uma mensagem que ainda é promessa: se o homem tem o poder de alterar a linha geológica do planeta, ele pode fazer isso para o lado certo.
Sobrevivência
Num laboratório bem iluminado do Instituto de Geociências da UFBA, o geógrafo Wagner Ribeiro, um sujeito de tranquilidade oriental, limpa as bancadas do espaço como quem acredita na promessa. Até o final deste ano, ali funcionará um grupo de estudo interdisciplinar, coordenado por ele, dedicado a pensar caminhos para a sobrevivência do homem. Serão, inicialmente, nove membros egressos das áreas de geografia, geologia e sociologia."Enquanto gastarmos enormes quantidades de dinheiro, de energia e de capacitação para produzirmos coisas que duram dois meses e precisam ser repostas incessantemente, não vamos avançar, diz Ribeiro, para quem a tendência é haver uma "indianização" dos nossos modos - buscaremos uma autossuficiência no município, na comunidade, nos governos e arranjos locais, no transporte de curta distância, no consumo de produtos produzidos perto de casa. "Acredito numa contração da economia. Essas cidades gigantescas que dependem de redes imensas de fornecimento de energia, água e eletricidade vão se tornar inviáveis. Caminhamos para um mundo de bairros, mais do que a um mundo de metrópoles", projeta.
Na década de 1870, um geólogo italiano, Antonio Stoppani, já argumentava que os seres humanos haviam dado início a uma nova época, a que batizou de "antropozoica". A proposta de Stoppani acabou sendo rejeitada, depois de ter sido considerada pouco científica por outros especialistas. A ideia do antropoceno, por outro lado, encontra cada vez mais eco.
Alerta
A mudança mais significativa para comprovar essa nova era é, ironicamente, invisível para nós - a alteração na composição química da atmosfera. As emissões de dióxido de carbono são desprovidas de cor, de odor e, a curto prazo, de grande ameaça. Mas seu efeito no aquecimento da atmosfera pode levar as temperaturas a níveis que não se historiam há milhões de anos.Determinadas plantas e animais começam a seguir para regiões próximas aos polos, e essas mudanças vão deixar traços no registro fóssil. Há espécies que não conseguirão resistir ao aquecimento. O aumento nas temperaturas pode aumentar o nível dos oceanos em seis metros ou mais. Muito tempo depois de nossas cidades virarem poeira, as consequências da queima de bilhões de toneladas de carvão e petróleo ainda serão percebíveis.
"Quanto mais você olha a evidência, mais você percebe que mudanças substanciais estão acontecendo nos registros geológicos do presente", diz André Carvalho, professor do departamento de ciência ambiental da USP e autor de uma tese sobre a geografia política da água. "Algumas pessoas acham que é prematuro formalizar o antropoceno, mas mesmo elas concordam que a escala das mudanças provocadas pelos humanos, na velocidade em que tem ocorrido, está resultando numa nova época geológica".
Sem a vaidade que poderia lhe caber neste momento, Crutzen, o palestrante rebelde de outrora, vê o valor da flecha lançada por ele traduzido no esforço de que o homem pode empreender para evitar o pior. "A intenção sempre foi uma só: fazer um alerta".
Em sua sala de trabalho, no Instituto Max Planck de Química, na cidade de Mainz, na Alemanha, há um alerta discreto. Entre os muitos papéis que ocupam a parede atrás de Crutzen está um desenho, quase infantil, de uma rocha disforme e negra atingindo o solo. Iluminada pela fala do químico, ela parece assoprar em nossos ouvidos que a ação humana pode ser tão súbita e violenta quanto a chegada de um asteroide.
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