segunda-feira, 25 de junho de 2018



Expedições à Amazônia revelam novas espécies de sapos, lagartos, aves e plantas Desvendar padrões evolutivos da biota neotropical e as relações que as florestas amazônica e atlântica tiveram no passado são objetivos da equipe liderada pelo zoólogo Miguel Trefaut Rodrigues, da USP (foto: divulgação)

Expedições à Amazônia revelam novas espécies de sapos, lagartos, aves e plantas

25 de junho de 2018

Karina Toledo  |  Agência FAPESP – A ideia de passar um mês rodeado pelos barulhos da floresta tropical, sem sinal de internet ou chuveiro com água quente, dormindo em redes ou em barracas e trabalhando das cinco horas da manhã à meia-noite até mesmo nos fins de semana pode parecer estressante para muitas pessoas. Mas para o zoólogo Miguel Trefaut Rodrigues esse tipo de viagem é “a coisa mais relaxante do mundo”.

Nos últimos meses, o professor do ^ (IB) da Universidade de São Paulo (USP) liderou duas expedições científicas a regiões praticamente inexploradas da Amazônia. São dois os objetivos principais: expandir o conhecimento sobre os padrões evolutivos da biota neotropical e desvendar, por meio dos estudos com esses animais e plantas, as relações que a floresta atlântica e a Amazônia tiveram no passado.

Cada viagem durou cerca de 30 dias e mobilizou ao menos 10 pesquisadores de diferentes especialidades, além da equipe de apoio logístico. O custo foi financiado pela FAPESP, por meio de projetos coordenados por Rodrigues e por sua colega do IB-USP Cristina Miyaki – ambos realizados no âmbito do Programa BIOTA-FAPESP.

“Na primeira expedição, foram coletados mais de 700 exemplares de 104 espécies diferentes, entre répteis, anfíbios, pequenos mamíferos, aves e plantas. O material ainda está sendo analisado, mas acreditamos que será possível descrever várias espécies novas. Na segunda viagem, foram coletados mais de mil espécimes de aproximadamente 110 espécies – a maioria de lagartos”, contou Rodrigues em entrevista à Agência FAPESP.

Realizada entre os meses de outubro e novembro de 2017, a primeira expedição foi concentrada na região do Pico da Neblina – o ponto mais alto do Brasil, situado a 2.995 metros acima do nível do mar em uma unidade de conservação integral da natureza perto da fronteira com a Venezuela.
Como parte do Parque Nacional do Pico da Neblina se sobrepõe ao território pertencente aos índios Yanomami, os pesquisadores necessitaram de autorização da Fundação Nacional do Índio (Funai) e do Exército para conduzir o trabalho de campo.

“Foi uma longa negociação. Estivemos a ponto de desistir, mas conhecer a fauna da região mais alta do Brasil era um desejo de muitos anos”, contou Rodrigues.
Ao final, decidiu-se que a expedição ocorreria sob a tutela e com o apoio logístico do Exército, que mantém um batalhão de apoio aos Yanomamis na comunidade de Maturacá, distante 150 quilômetros do município de São Gabriel da Cachoeira.

O grupo seguiu de Manaus para Maturacá, onde permaneceu durante 15 dias para as primeiras coletas. A segunda metade do trabalho de campo foi conduzida no alto do Pico da Neblina.
“Sabemos que em altitudes superiores a 1.700 metros prevalecem paisagens que não têm absolutamente nada a ver com a Amazônia atual: são campos abertos e com clima muito mais frio que o da floresta, possivelmente parecido com o que imperava na América do Sul durante os períodos mais frios do Quaternário [aproximadamente de 2,6 milhões de anos até cerca de 10 mil anos atrás]”, disse o pesquisador.

Entre os 700 espécimes coletados, o grupo identificou 12 espécies novas só de sapos e lagartos – além de uma pequena coruja nunca antes descrita pela ciência.

“Em relação às plantas, por enquanto, já foi identificada uma espécie nova. Mas acredito que haja pelo menos uma dezena. São grupos complexos e têm de ser avaliados por especialistas. Os pequenos mamíferos também ainda estão sob análise e muito possivelmente teremos boas surpresas”, disse Rodrigues.

Segundo o pesquisador, o material coletado não servirá apenas para a descrição das novas espécies. Também permitirá entender padrões evolutivos e filogeográficos da fauna sul-americana.
“Vários grupos de animais estão sendo estudados sob o ponto de vista genético, morfológico e fisiológico. Alguns desses estudos ajudarão a avaliar o risco de extinção dessas espécies caso a temperatura desses locais se eleve nos próximos anos”, disse.

Já foi possível observar, por exemplo, que as espécies presentes no Pico da Neblina não têm qualquer relação de parentesco com a biota encontrada nas demais regiões amazônicas. Na avaliação de Rodrigues, tal fato indica que a floresta ainda não estava ali quando o complexo maciço que abriga a montanha se formou.

“Isso é importante, pois sugere uma possível relação da biota do Pico da Neblina com a existente nos Andes, na floresta atlântica e outros biomas. Evidências para isso já temos. Uma das espécies de lagartos que encontramos, o papavento Anolis neblininus, faz parte de uma radiação que abrange espécies andinas e das montanhas da floresta atlântica, no Sudeste do Brasil”, disse.

A barreira fluvial

A segunda expedição amazônica foi realizada entre abril e maio de 2018, desta vez sem o apoio do Exército. “Tivemos de alugar um barco – a única maneira de se deslocar pela floresta. Passamos um mês dormindo em redes dentro do barco, onde também fazíamos todas as refeições e montamos nosso laboratório. Em cada ponto diferente do rio era necessário contratar um guia local. O Rio Negro é cheio de pedras e é muito fácil acontecer um acidente”, contou Rodrigues.

O grupo navegou de Manaus até cerca de 80 quilômetros acima do município de Santa Isabel do Rio Negro – passando pela região em que o Rio Branco desemboca suas águas barrentas no Rio Negro. Espécimes foram coletadas em diferentes pontos desse trajeto, em ambas as margens.
“Por sua baixa densidade e alta acidez, o Rio Negro é considerado pobre do ponto de vista faunístico. Queríamos estudar a influência das águas do Rio Branco na diversidade e abundância de espécies. Outro objetivo foi entender o papel do Rio Negro como barreira geográfica para a diferenciação das espécies. Por isso coletamos em ambas as margens”, explicou Rodrigues.

Armadilhas feitas com baldes e lonas de plástico foram instaladas na mata para capturar pequenos animais – sobretudo répteis e anfíbios. A linha de pesquisa coordenada por Rodrigues tem como objetivo entender a evolução de cobras, lagartos, sapos e pererecas da fauna sul-americana.
“São animais extremamente interessantes do ponto de vista ecossistêmico, pois formam a base da cadeia alimentar. E, nesta segunda expedição, conseguimos uma coleta espetacular, mais de mil exemplares”, disse o pesquisador.

O número elevado de espécimes coletado foi necessário para atender a um dos objetivos da segunda expedição: desvendar os mecanismos de origem de um complexo de espécies de lagartos partenogenéticos do gênero Loxopholis, ou seja, espécies formadas apenas por fêmeas que se reproduzem assexuadamente.

Esse projeto, conduzido por dois pós-doutorandos supervisionados por Rodrigues – Sérgio Marques de Souza e Tuliana Oliveira Brunes –, também procura compreender por que essa região da Amazônia concentra um alto número de lagartos partenogenéticos.
“Coletamos lagartos do gênero Loxopholis em muitos pontos diferentes. Em algumas dessas populações conseguimos encontrar machos. Existem populações bissexuais e outras formadas apenas por fêmeas com cariótipos diploides e triploides [formados por dois ou três conjuntos de cromossomos, diferentemente dos gametas sexuais humanos que possuem apenas um conjunto cromossômico].”

Também foram coletados lagartos arborícolas do gênero Anolis com o intuito de investigar a evolução dessas espécies na América do Sul – objetivo do projeto de pós-doutorado de Ivan Prates, que atualmente é bolsista da Smithsonian Institution, nos Estados Unidos.
Durante a viagem, o grupo descobriu em três locais diferentes do Rio Negro espécies partenogenéticas pertencentes a outro gênero de lagartos: Gymnophthalmus .
“Curiosamente, encontramos esses animais em pontos mais estreitos do rio, sobre dunas de areia que testemunham uma época em que o Rio Negro tinha um clima muito mais seco que o atual. Vamos comparar a amostragem feita em cada margem e avaliar se é a mesma espécie partenogenética ou se são clones diferentes e quando se separaram. Isso vai contribuir para compreender a história do Rio Negro”, disse Rodrigues.

Apesar de ainda ter pela frente um vasto material a ser analisado, a equipe da USP já planeja a próxima expedição à Amazônia, que deve contar novamente com apoio do Exército. Desta vez o objetivo é amostrar a fauna dos altos campos do Parque Nacional de Pacaás, em Rondônia, juntamente com o time de parasitologistas do professor Erney Plessman de Camargo, do Instituto de Ciências Biomédicas (ICB) da USP.

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