Pesquisadores da USP colaboram com a polêmica hipótese da "Terra Bola de Neve"
Por Lilian Ferreira
São Paulo (AUN - USP) - Você já pensou que a Terra pode ter sido completamente coberta por gelo, ou seja, ter sofrido uma glaciação global? E lhe parece possível que isto tenha ocorrido com todos os continentes alinhados no equador? E que após este período o planeta tenha sofrido um super aquecimento, onde todas as geleiras teriam se derretido?
Esta é a hipótese "Terra Bola de Neve" do professor Paul Hoffman, da Universidade de Harvard, que divide os estudiosos sobre a evolução do planeta. Inserido na polêmica global, o pesquisador Ricardo Trindade do Departamento de Geofísica do IAG (Instituto de Astronomia, Geofísica e Ciências Atmosféricas), junto com outros pesquisadores, está contribuindo com os estudos do professor Hoffman. O grupo brasileiro pesquisa a existência de resquícios de rochas glaciais que comprovem a hipótese.
Sabe-se qual a origem do sedimento, ou da rocha, pela forma do desgaste sofrido por eles. Em diversos lugares do planeta, sedimentos glaciais têm sido encontrados embaixo de rochas carbonáticas, ambos do período Pré-cambriano. Isto ficou conhecido como "Paradoxo climático do Neoproterozoico", onde sedimentos típicos da Antártida estariam imediatamente abaixo de sedimentos típicos das Bahamas, o que sugere uma mudança radical na temperatura média do planeta.
Em 1964, um pesquisador inglês fez os primeiros estudos paleomagnéticos nestes sedimentos.Mas o que são estes estudos? Para que foram usados? Primeiro, o paleomagnetismo é o estudo do campo magnético da Terra a partir do seu registro nas rochas. Isto é muito fácil de entender, a Terra possui dois polos magnéticos, que geram linhas de campo ao seu redor, estas saem do polo sul e entram no polo norte, igual ao que ocorre com os ímãs. Assim os vetores (indicadores de direção) nos polos são verticais, entrando ou saindo, e no equador, latitude zero, eles são horizontais. Esta relação simples pode ser usada para se saber aonde as rochas foram formadas, já que elas guardam a orientação do campo por milhões de anos.
Então, o pesquisador inglês percebeu que todos os vetores encontrados nas rochas glaciais eram horizontais. A partir desta constatação, em 1998, Paul Hoffman sugeriu sua hipótese da "Terra Bola de Neve", que explica a mudança na temperatura global e a glaciação no equador. Esta diz que para ter ocorrido uma glaciação global gerada em baixas latitudes, as massas dos continentes deveriam estar todas próximas ao equador. Isto ocorreu no período Pré-cambriano devido à movimentação dos continentes, que ainda ocorre hoje em dia. O alinhamento no equador é muito raro e, conseqüentemente, este evento também é.
As rochas das regiões situadas no equador são muito mais suscetíveis à alteração em função do clima. Esta alteração é uma reação química que consome gás carbônico (CO2). Com o consumo de CO2, a temperatura diminuiria, chegando a um ponto em que toda a superfície estaria coberta por gelo. A temperatura média variaria de -20 a -40ºC. O planeta ficaria deste modo por cerca de uma dezena de milhões de anos. Neste ínterim, o solo não poderia mais absorver CO2 porque a camada de gelo o impede e protege as rochas de alterações. Entretanto, existiam vulcões que expeliam CO2 em grande quantidade na atmosfera. A concentração do gás aumentaria até provocar um "superefeito estufa", no qual todo o gelo seria derretido. Não haveria mais gelo na superfície e a temperatura média seria de 50ºC. Isto teria ocorrido duas vezes, há 700 e 600 milhões de anos atrás.
Outro ponto importante da teoria é que isto teria ocorrido logo antes da �??explosão cambriana�?�. Mas o que é esta explosão? Ela marca a mudança da vida unicelular, bactérias, para a pluricelular, o que sugere que a vida torna-se muito mais complexa depois de passar por um estresse ambiental.
Mas por que a hipótese gera polêmica? Porque muitos estudiosos afirmam que com a movimentação dos continentes as rochas glaciais podem ter se formado fora do equador e ter o campo magnético de quando passaram por latitudes baixas. Por isso, é necessário fazer vários testes para verificar se o vetor é primário, ou seja, da época da formação. Outra contraposição é que a datação deste tipo de depósito, feito por radiação, é muito difícil de ser realizada pela ausência de material (rochas ou minerais) datável. Portanto, apenas limites relativos de idade podem ser estabelecidos. Assim, não poderia se dizer que todos os depósitos glaciais são contemporâneos.
O grupo brasileiro fez medições paleomagnéticas no Mato Grosso, Mato Grosso do Sul, Bahia e Minas Gerais. Esses estados possuem CRÁTONS. Este é o último termo técnico, que significa rochas muito antigas, que guardam material Pré-cambriano e que resistiram às transformações. No Mato Grosso foram encontrados depósitos glaciais que indicam que a calota de gelo avançou até 20º de latitude.
A pesquisa é feita em todo o mundo, por diversos grupos de pesquisa inclusive o de Hoffman. Há a cooperação de grupos que trabalham na África, em Camarões, na Republica Democrática do Congo e na Namíbia, na Austrália, no Canadá, nos EUA e no sul da China. E mesmo em Svalbaard, uma ilhota situada no círculo ártico, um dos poucos lugares onde se pode experimentar as condições climáticas de uma Terra Bola de Neve.
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