Representação artística dos precursores dos dinossauros em uma paisagem do Triássico
Um fêmur direito bastante deteriorado de 11 centímetros de comprimento é tudo o que restou do mais antigo precursor dos dinossauros encontrado até agora na América do Sul, segundo artigo publicado em 1º de março no periódico científico Gondwana Research. A descrição do material foi feita por dois pesquisadores do Centro de Apoio à Pesquisa Paleontológica da Quarta Colônia da Universidade Federal de Santa Maria (Cappa-UFSM), do Rio Grande do Sul. Descoberto no município de Dona Francisca, distante 60 quilômetros de Santa Maria, o osso fossilizado fazia parte da coxa de um pequeno réptil, provavelmente bípede, que deve ter vivido há aproximadamente 237 milhões de anos.
De acordo com o trabalho, o fóssil pertenceu a um dinossauromorfo, grupo de vertebrados que inclui os dinossauros e outras formas aparentadas de répteis, como os silessaurídeos. Ou seja, todo dinossauro é um dinossauromorfo, mas nem todo dinossauromorfo é um dinossauro. As dimensões do fêmur encontrado em solo gaúcho indicam que seu dono pesava de 2 a 3 quilos e media cerca de 1 metro. “A cauda respondia por metade desse comprimento total”, comenta o paleontólogo Rodrigo Temp Müller, diretor do Cappa, um dos autores do estudo, ao lado de Maurício Garcia, aluno de mestrado por ele orientado. Embora deva representar um tipo de dinossauromorfo ainda não conhecido, o fóssil não foi atribuído a nenhum gênero ou espécie.
Atualmente, a classificação taxonômica de um animal é feita com o auxílio de programas de computador que são abastecidos com dezenas ou centenas de caracteres anatômicos do exemplar em análise e geram uma matriz de dados. No final do processo, o software compara as informações da espécie em questão com a de outros grupos e fornece uma provável árvore genealógica. No caso do fóssil de Dona Francisca, o fêmur caiu dentro do ramo dos dinossauromorfos.
Fêmur fossilizado foi encontrado no Rio Grande do SulIlustração Maurício Garcia / UFSM; Fotografia Rodrigo Temp Müller / UFSM
A idade do fóssil gaúcho foi inferida a partir da cronologia conhecida das rochas em que o osso se preservou, pertencentes ao estágio Ladiniano. Essa divisão do tempo geológico marca o fim do período Triássico Médio, que se estende entre 247 milhões e 237 milhões de anos atrás. Na Argentina, os exemplares mais antigos de dinossauromorfos foram encontrados em rochas do Carniano – estágio que delimita o início do período Triássico Superior (entre 237 milhões e 201 milhões de anos atrás) – e são pelo menos 1 milhão de anos mais novos do que o fóssil de Dona Francisca. Na Tanzânia e em Zâmbia, há vestígios de espécies desse grupo que podem ser ligeiramente mais velhas do que as da América do Sul.
Mas a idade exata desses fósseis de dinossauromorfos achados na África é bastante controversa. Mesmo que não sejam mais velhos do que seus congêneres sul-americanos, dificilmente serão mais novos. “Esses dinossauromorfos africanos devem ser, pelo menos, tão velhos quanto os fósseis desse grupo encontrados no Brasil e na Argentina”, pondera o paleontólogo Max Langer, da Universidade de São Paulo (USP), campus de Ribeirão Preto, que não participou do estudo feito pelos colegas da UFSM.
Brasil e Argentina são os lugares em que foram encontrados, até agora, os dinossauros mais antigos do mundo, com idade superior a 230 milhões de anos, como Saturnalia tupiniquim e Eoraptor lunensis (ver Pesquisa FAPESP nº 279). O grupo mais amplo dos dinossauromorfos deve ter surgido um pouco antes, há aproximadamente 240 milhões de anos. Nesse período, a América do Sul era parte de um supercontinente austral, o Gondwana, um grande bloco de terra que também incluía a África, a Antártida, a Oceania e a Índia.
Íntegra do texto publicado em versão reduzida na edição impressa, representada no pdf
Artigo científico
MULLER, R. T. e GARCIA, M. S. Oldest dinosauromorph from South America and the early radiation of dinosaur precursors in Gondwana. Gondwana Research. v. 107, p. 42-8. jul. 2022.
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