A saga dos mamíferos
Quando os dinossauros sucumbiram da Terra, os mamíferos ganharam uma grande oportunidade de evolução, que resultou na espécie humana
Robert Clark - Edição 36/Abril de 2003 02/12/2011
Cientistas agruparam os mamíferos com placentas de acordo com seu grau de parentesco. O resultado é um quarteto de superordens.
Maternidade em carne e pedra. Uma mulher grávida embala um resquício do passado, a fossilizada Eomaia scansoria, ou “mãe da aurora”. Com cerca de 125 milhões de anos, este recém-exumado mamífero estava na linha evolutiva para a reprodução placentária e é 50 milhões de anos mais antigo do que previam os cientistas. Fósseis continuam a proporcionar indícios sobre o modo como os mamíferos surgiram, mas, além dos estudos dos ossos, recentes tecnologias genéticas fornecem respostas novas a questões antigas sobre nosso caminho evolutivo.
Do alto de uma duna conhecida como Areias Movediças, na planície africana do Serengeti, é possível contemplar milhares de mamíferos em movimento. Gnus, zebras, gazelas. Esta é a temporada de reprodução dos gnus, e muitos espécimes desse antílope gigante estão acompanhados de seus filhotes. De longe, parece ser uma marcha tranqüila rumo ao sudeste, onde chuvas recentes tornaram mais verdes os campos. Um exame mais atento, porém, revela ocorrências dramáticas.
Por entre os grupos de gnus, de repente uma jovem gazela-de-grant dispara, seguida de perto por sua mãe. No encalço delas, uma hiena. A mãe reduz a velocidade e faz movimentos evasivos para distrair o predador. Em pânico, o filhote inexperiente faz uma volta infeliz – e em segundos cai, vítima das mandíbulas da hiena. A poucos metros, com as orelhas trêmulas, a mãe observa sem nada poder fazer. Em seguida, como se para aliviar a raiva, ela investe contra dois chacais que estavam por perto.
“Ela deve ter sido dominada pela emoção, mas não há como provar isso”, comenta a bióloga Patricia Moehlman. “Ela tem instinto maternal. Seu cérebro talvez não funcione como o nosso, mas acho que ela sente dor. E medo. E fica estressada. Nós nos sentimos próximos dela porque também somos mamíferos”, prossegue Patricia.
As mulheres da tribo masai consideram a duna como um local sagrado associado à fertilidade. Na verdade, sobretudo durante a grande migração anual dos gnus, nenhum outro ponto da Terra apresenta uma abundância tão espetacular de nossos parentes, de todos esses animais dotados de pêlos e que amamentam seus filhotes. Uma miríade de espécies de mamíferos pasta, galopa, ronda e chafurda por toda essa região da África.
Na vizinha cratera de Ngorongoro, em uma lagoa lamacenta, a fêmea de hipopótamo acaricia com o focinho seu rosado filhote, enquanto um leão e uma leoa se acasalam sem pressa à beira do caminho. No bosque de acácias, um bando de girafas – membros de uma família de mamíferos que, até 20 milhões de anos atrás, eram pequenos habitantes da floresta – mordisca os ramos mais altos das árvores. A poucos quilômetros, elefantes tomam o banho do meio-dia em um regato reforçado pelas chuvas. Macacos guenon-etíopes descem das árvores a fim de roubar comida pela porta aberta de uma van de turismo. E um dos raros rinocerontes-pretos remanescentes vagueia camuflado pela relva alta.
São tantos os mamíferos – com formas e comportamentos tão variados – a ocupar essa terra que é difícil crer que quaisquer deles poderiam ser descendentes do mesmo ancestral. Apesar disso, o hipopótamo anfíbio, com sua substanciosa dieta de até 45 quilos de gramíneas por noite, tem uma linhagem em comum com o rato-toupeira-pelado, que mede 8 centímetros – uma salsicha com dentes que vive tal como os cupins, sob a terra, alimentando-se de tubérculos.
Os mamíferos são todos aparentados entre si. Os mais antigos conhecidos são os morganucodontídeos, criaturas do tamanho dos pequenos musaranhos que, há 210 milhões de anos, viviam à sombra dos dinossauros. Eles constituíam uma das várias linhagens diferentes de mamíferos que surgiram naquela época. Todos os atuais mamíferos, entre os quais nós, os seres humanos, descendem da única linhagem sobrevivente. Nos 145 milhões de anos de evolução que se seguiram, o predomínio dos dinossauros impediu que os nossos remotos ancestrais mamíferos se tornassem maiores que um gato doméstico. Quando uma catástrofe provocada por um asteróide ou um cometa extinguiram os dinossauros, há 65 milhões de anos, os mamíferos, no entanto, viram-se diante da mais importante oportunidade evolutiva que lhes foi oferecida. Sem os dinossauros, eles agora poderiam explorar todos os recursos do planeta. E, no prazo de poucos milhões de anos após o cataclismo, o registro fóssil revela uma explosiva diversificação entre os mamíferos.
De que maneira aquelas pequenas criaturas se transformaram não apenas no hipopótamo e no rato-toupeira, mas também em todos os animais que agora constituem o vasto panorama dos mamíferos com pêlo, patas e presas, assim como aqueles que, desprovidos de pêlo, nadam nos oceanos – ou, ainda, os que, como eu, percorrem essas pastagens em um jipe Land Rover?
Somente os seres humanos podem levantar essa questão ou ter a esperança de um dia encontrar a resposta. De certo modo, nós somos os derradeiros mamíferos. Sem dúvida, partilhamos traços característicos com os primeiros mamíferos – características que estavam evoluindo ainda no período em que os morganucodontídeos se engalfinhavam atrás de alimentos em meio aos dinossauros: tanto nós, humanos, como os morganucodontídeos somos animais de sangue quente. Somos ambos dotados de mandíbulas especializadas cujas articulações se juntaram no início de nossa evolução de forma a criar os ossos do ouvido que nos permitem uma audição melhor que a dos outros animais. Possuímos dentes complexos que nos possibilitam triturar os alimentos de modo a extrair deles mais nutrientes. Todos temos pêlo. Somos mães excelentes, a quem a evolução proporcionou adaptações físicas – como as mamas e a placenta – que conferem aos filhotes de mamíferos uma significativa vantagem inicial.
Estamos entre os mamíferos de evolução mais recente, e usamos nosso grande cérebro de mamífero para raciocinar, solucionar problemas e lutar por objetivos que vão muito além das necessidades básicas. Temos curiosidade a respeito de nosso passado e nos perguntamos o que ele pode nos revelar do futuro.
Como percorremos o longuíssimo caminho entre aquela brutal luta por nichos ecológicos e a decifração do DNA?
Nunca houve uma resposta simples a essa questão. Menos de meio século atrás, a tentativa de entender a evolução dos mamíferos assemelhava-se à de explorar o universo com um telescópio rudimentar. Agora, as análises de rastros genéticos, a reconstrução de climas passados e a investigação de ossos às vezes minúsculos estão descortinando perspectivas que põem em xeque vários pressupostos arraigados.
No final da década de 60, surgiram indícios de que as massas terrestres do planeta haviam estado reunidas em um único supercontinente, denominado Pangéia. Há cerca de 225 milhões de anos, a Pangéia começou a se dividir em um continente setentrional, a Laurásia, e seu equivalente meridional, Gondwana. Cada um desses continentes ficou com uma parcela dos animais. Com base no registro fóssil disponível, os cientistas acreditavam que os ancestrais dos atuais mamíferos surgiram no norte e depois migraram para o sul, chegando até a Antártica e a Austrália, conforme surgiam e sumiam pontes de terra entre os continentes. Segundo André Wyss, paleontólogo da Universidade da Califórnia, essa hipótese ficou mais conhecida como o “modelo Sherwin-Williams da evolução” – uma referência ao logotipo de um fabricante de tintas que mostra um globo sobre o qual gotas de tinta escorrem na direção norte-sul.
Os paleontólogos, porém, vêm evoluindo no registro fóssil dos continentes meridionais. E estão encontrando indícios de mamíferos avançados mais antigos que os conhecidos no norte, invertendo o modelo Sherwin-Williams.
Em outra frente de pesquisa, a comparação dos genes dos mamíferos modernos revelou aos geneticistas que certos grupos antes considerados primos muito distantes – hipopótamo e baleia, por exemplo – são na realidade próximos. Também descobriram indicações de que os mamíferos começaram a se diferenciar nas atuais 18 ordens bem antes do que mostra o registro fóssil. Segundo este, a maioria dos grupos modernos surgiu por volta de 60 milhões de anos atrás, após o sumiço dos dinossauros. Mas as análises moleculares sugerem que, na realidade, os mamíferos começaram a se diversificar há cerca de 100 milhões de anos. “Foi uma revolução”, comenta o geneticista Mark Springer, da Universidade da Califórnia e especializado em evolução. “O resultado a que chegamos foi uma árvore genealógica totalmente diferente para os mamíferos.”
Muitos paleontólogos rejeitam as conclusões baseadas no DNA, argumentando que deve haver algo errado nos relógios moleculares usados pelos geneticistas. Estes, por sua vez, dizem que os paleontólogos simplesmente ainda não encontraram os fósseis corroboradores.
Tanto os cientistas que confiam nos fósseis como aqueles que se baseiam nos genes concordam em um ponto: os mamíferos começaram a se destacar por volta da época dos morganucodontídeos. E, pelas dimensões minúsculas de seus ossos maxilares – cerca de 3 centímetros de comprimento –, nota-se a distância que havia entre o mundo dos mamíferos e o dos répteis gigantes.
Na época, os ossos maxilares dos mamíferos estavam se fundindo em uma peça única. “Isso é muito diferente do que se vê nos répteis, cujos maxilares são formados por vários ossos”, diz o paleontólogo Rich Cifelli, do Museu Sam Noble de História Natural, em Oklahoma. “Os ossos dos mamíferos modernos migraram para trás e viraram os ossículos do ouvido médio. Por isso, eles possuem uma capacidade de audição muito melhor que a dos répteis.”
A separação do maxilar e dos ossos do ouvido permitiu que o crânio dos mamíferos tardios se expandisse para os lados e para trás, abrindo espaço para o desenvolvimento de cérebros maiores. Os dentes dos morganucodontídeos foram outra inovação significativa que os mamíferos posteriores iriam aperfeiçoar. Nos maxilares deles, os molares superiores e inferiores se encaixavam, possibilitando que partissem a comida em pedaços e, com isso, absorvessem mais calorias e nutrientes. “Os répteis não retalham seus alimentos”, diz Cifelli. “Eles capturam suas presas e as engolem. Mas os pequenos mamíferos eram tão ativos que precisavam de cada caloria presente no que comiam. Quanto mais processassem o alimento na boca, mais energia conseguiam obter.”
O osso do maxilar ainda indica que os morganucodontídeos possuíam outra característica fundamental – eles amamentavam os filhotes. Os pesquisadores inferiram que os morganucodontídeos alimentavam sua prole graças a glândulas produtoras de leite porque, como ocorre hoje com todos os mamíferos, esses animais primitivos possuíam apenas um conjunto de dentes permanentes. Isso contrasta com o padrão de crescimento dos répteis, que não ingerem leite e substituem continuamente seus dentes.
Os cientistas acreditam que as glândulas mamárias se originaram de glândulas sudoríparas localizadas na base do pêlo. Tanto as glândulas sudoríparas como as mamárias produzem água, sais e proteínas, todos elementos essenciais para a sobrevivência de um recém-nascido.
Graças ao ornitorrinco australiano, podemos ter uma idéia de como funcionavam essas rudimentares glândulas mamárias. O ornitorrinco e a equidna são os únicos exemplos remanescentes de um subgrupo de mamíferos chamado monotremados. “A fêmea do ornitorrinco não possui mamilos”, diz Peter Temple-Smith, do zoológico de Melbourne. “Há uma região onde os dutos lactíferos se concentram e expelem o leite sobre os pêlos, de onde os filhotes o lambem.”
Os mamilos, que concentram os dutos lactíferos, surgiram com o ramo de mamíferos que conhecemos pelo nome de marsupiais – um grupo que inclui o canguru, o coala e o gambá. “A vantagem dos mamilos é que proporcionam aos filhotes algo em que se agarrar”, diz Temple-Smith. “A fêmea do marsupial pode assim continuar atrás de comida, com o filhote na bolsa.”
De volta ao Serengeti, vemos de novo como os mamíferos dão importância aos cuidados maternais. Com a pele ainda úmida, pois acaba de nascer, um gnu está entre as pernas de sua mãe. De repente, o ar é tomado por grasnidos de abutres. Eles mergulham do alto e, com bico impetuoso, estraçalham a placenta que ficou a poucos metros de distância. A mãe gnu vira a cabeça. A aproximação dos abutres anunciara a todos os animais carniceiros num raio de quilômetros que ali havia carne fresca e, por isso, ela faz com que seu filhote fuja num galope tão rápido quanto o permitem suas perninhas bambas. “Ela age como uma boa mãe”, comenta a bióloga Patricia Moehlman. “Se não for assim, sua linhagem desaparece. Isso é o que significa ser um mamífero.”
A placenta de gnu ensangüentada ilustra o investimento físico que as fêmeas fazem por seus filhotes. Em termos de metabolismo, a placenta é um elemento de manutenção dispendioso para a mãe. Ela não só alimenta o feto no útero, como também o isola do sistema imunológico da mãe. De outro modo, as células imunológicas desta atacariam o feto como um corpo estranho – afinal, metade de seus genes é proveniente do pai.
Os répteis e as aves evitam tal ataque do sistema imunológico protegendo o feto com a casca do ovo e expelindo-o do corpo materno. Mamíferos monotremados, como o ornitorrinco, põem ovos. E os marsupais resolvem o problema dando prematuramente à luz seus embriões.
Recentes estudos de DNA sugerem que os mamíferos com placenta começaram a se distinguir dos marsupiais 175 milhões de anos atrás. Não há como corroborar isso por meio do registro fóssil. A principal diferença entre os placentários e os marsupiais está no aparelho reprodutivo – e este não deixa resquícios fossilizados. Todavia, a recente descoberta, na província chinesa de Liaoning, de um fóssil completo de uma espécie protoplacentária forneceu exemplo concreto que reforça as alegações dos pesquisadores de DNA, segundo as quais os placentários começaram a evoluir antes do que se imaginava. “É a mãe de todos os mamíferos com placenta”, diz o paleontólogo Zhe-Xi Luo, do Museu Carnegie de História Natural, em Pittsburgh, ao mostrar um fóssil de algo parecido com um camundongo achatado de focinho longo. “Nós o batizamos de Eomaia, que significa ‘mãe da aurora’ em grego.”
Luo avalia a idade do fóssil em 125 milhões de anos e nele identifica características anatômicas que mostram que o Eomaia, embora não fosse todo placentário, já estava bem avançado nessa direção. O fato de, há 125 milhões de anos, o desenvolvimento placentário ainda estar distante torna mais fácil para os paleontólogos aceitar os indícios genéticos de que os protoplacentários começaram a evoluir 50 milhões de anos antes.
A aparência de camundongo do Eomaia faz dele um animal modesto em comparação com os atuais mamíferos, mas a criatura estava na vanguarda da onda evolutiva que se iniciara com os morganucodontídeos. A progênie placentária do Eomaia descortinou perspectivas evolutivas inexistentes no caso da bolsa dos marsupiais. Estes, por exemplo, desde o início desenvolvem seus membros anteriores de modo a galgar o corpo da mãe e entrar na bolsa. Mas o período adicional que os placentários passam no útero permite o surgimento de estruturas especializadas, como as asas do morcego e as nadadeiras da foca. A placenta transporta nutrientes de maneira mais eficiente do que os dutos lactíferos. Por isso, os bebês placentários crescem com mais rapidez no útero e vêm ao mundo mais amadurecidos.
Por esses motivos, a maioria dos cientistas considera arcaica a solução da bolsa, ressaltando que, nos últimos 65 milhões de anos, foram os mamíferos com placenta que predominaram no planeta. Mas nem todo mundo é da mesma opinião. Marilyn Renfree, da Universidade de Melbourne, diz que, em termos biológicos, os “marsupiais são, em todos os aspectos, tão eficientes quanto os outros mamíferos – e às vezes até mesmo superiores”. Por exemplo, eles possuem taxas de metabolismo mais baixas e, por isso, conseguem sobreviver em âmbito mais amplo de condições.
Mike Archer, diretor do Museu Australiano, também acha que a bolsa tem suas vantagens. “Entre os marsupiais, é bastante concebível algo como uma ‘meia-gravidez’”, comenta ele. Nas fêmeas de canguru, após terem dois ovos fertilizados, irá desenvolver plenamente apenas um deles. Se, por acaso, houver escassez de alimentos ou de água e o primeiro filhote morrer, o embrião adicional irá implantar-se assim que houver melhoria nas condições externas. Em uma terra árida como a Austrália, essas gestações opcionais podem às vezes ser a melhor estratégia.
Os marsupais são hoje menos comuns do que os outros mamíferos. Gambás e outros são achados na América, mas a Oceania é o único continente onde os marsupiais – e os monotremados – continuam predominantes. Canguru, coala, ornitorrinco e vombate: por que ainda são achados na Austrália esses mamíferos obsoletos? De acordo com o modelo Sherwin-Williams, os marsupiais, que eram mamíferos avançados há 100 milhões de anos, migraram para Gondwana antes dos placentários. Eles subiram a bordo da massa continental Antártica-Australiana antes que ela se separasse do resto de Gondwana. Os placentários chegaram tarde demais – quando o barco para a Austrália já deixara o porto.
Essa hipótese foi bem-aceita até o final da década de 90, época em que começaram a surgir fósseis reveladores em várias regiões da antiga Gondwana – na Patagônia, em Madagáscar e na Austrália. Mais uma vez, os novos indícios vieram sob a forma de maxilares e dentes – sobretudo de um tipo específico de dente conhecido como molar tribosfênico, que funciona como uma espécie de pilão, mais avançado que os dentes cortantes dos mamíferos primitivos.
O ancestral dos marsupiais como dos placentários possuía dentes tribosfênicos. Assim, a descoberta no hemisfério sul desse tipo de dente com até 167 milhões de anos – 25 milhões de anos antes dos dentes achados no hemisfério norte – complica bastante o modelo norte-sul. Para alguns, a presença desses molares explica-se pelo fato de talvez terem surgido de modo independente em ambos os hemisférios. Outros cientistas consideram essa inovação complexa demais para ter ocorrido duas vezes e, portanto, acham que os mamíferos devem ter-se originado no sul, com gerações posteriores seguido para o norte.
A controvérsia em torno dos molares tribosfênicos tornou-se ainda mais acesa na Austrália, onde um casal de pesquisadores – Tom Rich e Pat Vickers-Rich – achou três mamíferos diferentes com dentes tribosfênicos que remontam a 110 milhões de anos. Segundo o casal Rich, esses mamíferos não estavam apenas a caminho de se tornar placentários, mas na verdade já possuíam placenta – algo como o ouriço-cacheiro.
Aqueles que se opõem a essa hipótese argumentam que os mamíferos placentários supostamente não poderiam ser vistos na Austrália há tanto tempo. O Eomaia, o antepassado primitivo dos placentários, viveu na Ásia. Se o casal Rich estiver certo, teremos de reconsiderar o modo pelo qual os placentários viajaram desde a Ásia até o hemisfério sul. Em vez de descer pela América, o Eomaia pode ter seguido por um atalho, pulando de ilha em ilha até chegar à Austrália. Ou talvez os mamíferos com placenta estivessem mais disseminados muito antes do que imaginamos e não existam registros disso. Podem ter-se originado em Gondwana e se difundido a partir dali. Para os Rich, é até mesmo possível que, na Austrália, os placentários tenham se extinguido com os dinossauros, dando lugar aos marsupiais.
Ainda mais radical para muitos paleontólogos foi a junção dos indícios do deslocamento das placas tectônicas com os da árvore genealógica dos placentários, proposta pelo geneticista Mark Springer e por seus colegas, especializados em processos evolutivos. Springer é membro de uma nova geração de pesquisadores que investiga o DNA dos animais em vez de buscar ossos fósseis minúsculos. Esses biólogos moleculares são capazes de ler a seqüência de genes no DNA de um animal vivo como se ela fosse um livro da história da evolução. Em seguida, os cientistas avaliam qual o grau de parentesco, em termos genéticos, entre esses animais e também em que momento no passado seus ancestrais começaram a se diferenciar.
A leitura feita por Springer da história genética dos mamíferos adapta-se de maneira surpreendente ao que os geólogos hoje sabem a respeito da separação e do deslocamento dos continentes. O mais antigo grupo de mamíferos placentários vivos, segundo Springer, surgiu na África pouco antes de o continente separar-se de Gondwana, por volta de 110 milhões de anos atrás. Springer chama este grupo de afrotérios, que inclui elefantes, aardvarks, peixes-boi e híraxes. Quando a África se afastou de Gondwana, carregou esses animais, que em seguida evoluíram isolados por dezenas de milhões de anos.
Uma espécie desse período é o membro mais primitivo que se conhece do grupo dos elefantes, os proboscídeos. O fóssil do Phosphatherium escullei, com 55 milhões de anos, foi encontrado no Marrocos. O animal tinha o tamanho de uma raposa e, embora não possuísse tromba, apresentava características dentária e craniana similares às dos atuais elefantes. Há muito os paleontólogos pensavam que os elefantes constituíam um dos grupos modernos mais recentes, tendo evoluído a partir de ungulados originários da Ásia. Mas o fóssil marroquino, assim como os indícios genéticos, sugerem que os proboscídeos são na realidade um dos mais antigos dentre os modernos mamíferos ungulados.
Uma das poucas regiões africanas ricas em fósseis – a depressão de Faiyum, no Egito – não apenas possui esses elefantes primitivos como também preserva um estranho conjunto de híraxes. Hoje assemelham-se ao porquinho-da-índia. Há 35 milhões de anos, porém, eles eram do tamanho de um rinoceronte. Ou possuíam pernas longas como as da gazela.
A maioria dos mamíferos na arca africana começou a desaparecer por volta de 20 milhões de anos atrás, após o continente ter refeito o contato com o resto do mundo. Mas a África não era a única arca. Um antigo braço de mar separou a América do Sul da Eurásia e da América do Norte durante milhões de anos, e a região tornou-se o lar dos mamíferos xenartros, outro grupo de placentários. O registro fóssil da América do Sul durante esse isolamento é farto, incluindo, entre os xenartros, a preguiça, o tatu e o tamanduá.
Em outros termos, os dados recolhidos por Mark Springer indicam que o antepassado comum mais recente dos mamíferos placentários originaram-se em Gondwana. Os continentes do norte possuíam os placentários mais recentes. Um grupo, o dos laurasitérios, incluía a foca, a vaca, o cavalo, a baleia e o ouriço-cacheiro. No outro, o dos euarchontoglires, estão os roedores, o musaranho, o macaco e o ser humano.
Essas descobertas genéticas também redefinem os relacionamentos entre os placentários. Os anatomistas sempre acharam que os morcegos pertenciam à mesma superordem dos musaranhos, lêmures-voadores e primatas. Mas os dados genéticos situam o morcego ao lado de porco, vaca, gato, cavalo e baleia.
Essas superordens de mamíferos vivos começaram a se diversificar bem antes do que indica o registro fóssil disponível. Os fósseis são registros da forma do animal. Mas os geneticistas sustentam que os genes nas mitocôndrias de um organismo, isto é, nas partes da célula usadas na identificação e datação das linhagens, podem estar passando por uma acelerada evolução sem que isso altere o que restaria em um registro fóssil. “A forma de um animal pode ser afetada por seu ambiente”, diz o geneticista Úlfur Árnason, da Universidade de Lund, na Suécia. “Em termos físicos, os crocodilos não mudaram muito ao longo de 250 milhões de anos, mas têm uma elevada taxa de mudança no DNA mitocondrial. Já as aves têm taxa de mudança reduzida, mas podem evoluir fisicamente com rapidez.”
Por mais surpreendentes que pareçam à primeira vista as alegações dos geneticistas, paleontólogos e pesquisadores do DNA estão se convencendo de que suas hipóteses talvez sejam complementares. Alguns assombrosos fósseis recém-achados acabaram por confirmar uma polêmica conclusão a respeito das baleias que só foi possível graças ao estudo do DNA. Para a maioria dos paleontólogos, a baleia e o golfinho – os cetáceos – descendiam de uma linhagem extinta de mamíferos carnívoros que, por motivos desconhecidos, tornaram-se aquáticos entre 50 milhões e 45 milhões de anos atrás.
Na época em que esses fósseis foram encontrados, os biólogos sustentavam que pesquisas recentes com o DNA mostravam que, na verdade, os cetáceos estavam mais próximos dos artiodátilos, uma ordem constituída de mamíferos ungulados com número par de dedos, como o porco, o camelo, o cervo e o hipopótamo.
No início, os paleontólogos rejeitaram esse vínculo improvável e não corroborado pelo registro fóssil. Mas aí, em setembro de 2001, surgiram resultados que confirmavam as alegações dos biólogos. Um grupo liderado por Hans Thewissen, das Universidades do Nordeste de Ohio, encontrou, em leitos de fósseis no Paquistão, duas espécies das mais antigas baleias conhecidas que remontavam a 50 milhões de anos. Ambas apresentavam ossos de ouvido característicos das baleias, mas os ossos dos membros e dos tornozelos eram típicos dos artiodátilos. “Ou seja, as primeiras baleias eram animais terrestres e, além disso, bons corredores”, diz Thewissen.
Quase na mesma época, um outro grupo da Universidade de Michigan, chefiado por Philip Gingerich, anunciou o achado de dois fósseis similares, também no Paquistão, que apresentavam as mesmas características. A transição evolutiva entre os grupos principais de mamíferos raramente foi exemplificada de modo mais claro. E nenhuma outra descoberta conseguiu associar com tanta precisão as pesquisas com fósseis, de um lado, e com o DNA, de outro.
Até 65 milhões de anos atrás, os dinossauros dominavam a terra firme. Os oceanos estavam tomados por enormes tubarões e assustadores e vorazes répteis marinhos. Em detrimento dos mamíferos, os dinossauros e outros grandes predadores ocupavam nichos ecológicos mais ricos e bem mais favoráveis em termos evolutivos.
Foi então que houve um acontecimento cuja escala ainda é de difícil avaliação. Um objeto com cerca de 10 quilômetros de diâmetro chocou-se nas proximidades da atual península de Yucatán, abrindo uma cratera com 180 quilômetros de diâmetro. Esse impacto pode ter sido apenas mais um entre vários ocorridos nas centenas de milhares de anos subseqüentes, cada qual ampliando a destruição inicial. Os danos provocados em Yucatán, porém, já são impressionantes: gigantescas ondas de até 150 metros de altura assolaram a América do Norte e, em algumas regiões do planeta, a temperatura chegou a 500oC. “Todos os grandes animais foram dizimados”, diz Kirk Johnson, do Museu da Natureza & Ciência, de Denver. “A chave para a sobrevivência era o tamanho reduzido.”
Os mamíferos se encaixavam nesse perfil. De repente, viram-se em um mundo desprovido de grandes carnívoros, sem restrições para a sua evolução. Assim, em um período de 270 mil anos, eles começaram a se diversificar e a aumentar.
Mesmo assim, grande parte dos mamíferos não era maior do que um porco moderno até a época do Eoceno, que teve início há cerca de 55 milhões de anos. Em seguida, um rápido aumento na temperatura global estimulou o crescimento de florestas em todo o planeta, e essa abundância de vegetação exuberante levou a uma proliferação ainda maior de nichos ecológicos que podiam ser explorados pelos mamíferos. Com isso, houve uma explosão de diversidade. E um dos recém-chegados no registro fóssil foram os membros da nossa própria ordem, a dos primatas.
Os primatas mais primitivos pertenciam ao ramo dos lêmures, hoje restritos à ilha de Madagáscar, que foi alcançada por uma espécie vinda da África, 50 milhões de anos atrás. Milhões de anos depois, primatas mais avançados começam a aparecer no registro fóssil do leste da Ásia. Esses primatas superiores são antropóides – macaco, chimpanzé e ser humano. Um estudioso da origem dos primatas, Chris Beard exumou na China aquele que talvez seja o mais antigo exemplar conhecido, o Eosimias. Essas criaturas surgiram em meados do Eoceno, enquanto o planeta se resfriava, e concentraram-se nas latitudes intermediárias do globo, onde as florestas permaneceram luxuriantes.
De acordo com Beard, eles devem ter sido “uns animaizinhos frenéticos, que passavam o tempo todo comendo. Talvez vivessem em bando e nunca abandonassem a árvore em que nasceram”. A despeito de sua anatomia rudimentar, o Eosimias já adotara o hábito simiesco de se mover pela copa das árvores, em vez de saltar de uma árvore para outra como os primatas primitivos.
Há cerca de 34 milhões de anos, começaram a surgir macacos mais inteligentes, maiores e mais agressivos. Os fósseis achados na depressão de Faiyum, onde Elwin Simons, da Universidade Duke, faz escavações desde 1961, revelam em que direção estavam evoluindo os antropóides. O Catopithecus, um dos antropóides exumados por sua equipe, possui crânio de dimensões similares às de um macaco pequeno, face achatada e um recesso ósseo na parte posterior da cavidade ocular. Ele é o primeiro antropóide a apresentar a mesma disposição dentária típica dos seres humanos – dois incisivos, um canino, dois pré-molares e três molares. Para Simons, “esse é o capítulo inicial da história humana”.
No começo do longo período do Mioceno – de 23,5 milhões a 5,3 milhões de anos atrás – ocorreu ainda uma mudança climática crucial. O planeta voltou a se aquecer e é possível que tenham surgido padrões climáticos sazonais. Nas altitudes elevadas, em muitas regiões as florestas pouco a pouco deram lugar aos campos e às savanas. Como a relva é abrasiva, alguns mamíferos desenvolveram uma nova dentição. O cavalo, por exemplo, que no início era pequeno comedor de folhas de árvore, desenvolveu molares mais adequados ao consumo de gramíneas.
No início do Mioceno, o prolongado isolamento da África chegou ao fim quando ela e a Arábia voltaram a ter contato com a Eurásia. Foi nessa época que chegaram ao território africano os ancestrais de mamíferos hoje considerados “nativos”. Os primeiros a chegar foram os ancestrais do antílope, do gato, da girafa e do rinoceronte. Por volta de 10 milhões de anos atrás, foi a vez do camelo, do cavalo e do cão, ou seja, dos mamíferos da América do Norte. Quase todos os animais que hoje povoam a planície de Serengeti são recém-chegados ao continente africano. Mas a África também deu sua contribuição. Seus macacos migraram para a Eurásia. Os elefantes e seus parentes difundiram-se por todo o globo, alcançando até mesmo a Patagônia.
No fim do Mioceno, o mundo dos mamíferos, todavia, sofreu grandes mudanças devido a fatores geográficos e climáticos. A Terra tornou-se mais fria e seca. Uma calota de gelo cobriu o Ártico. O deserto do Saara começou seu avanço gradual pelo norte da África, e savanas dominaram o continente. O novo clima restringiu o âmbito dos primatas à zona equatorial. Os chimpanzés tornaram-se maiores e mais especializados. Então, há uns 7 milhões de anos, pelo menos um ramo dos chimpanzés africanos começou a andar sobre apenas duas pernas.
Enquanto esse chimpanzé bípede percorria o caminho evolutivo que desembocaria nos seres humanos, outros mamíferos surgiram e desapareceram. A maioria teve de se adaptar a outra mudança climática global, ocorrida por volta de 2,5 milhões de anos atrás, desencadeada em parte pela formação do istmo do Panamá. A formação deste bloqueou a circulação oceânica no sentido leste-oeste e forçou a corrente do golfo a ficar cada vez mais forte. À medida que essa corrente levava mais água quente ao pólo Norte, aumentaram as precipitações. Intensas nevascas formaram geleiras com até 3 quilômetros de espessura, cujos limites avançaram e recuaram em uma série de mais de 20 eras glaciais. Como corpos maiores retêm o calor com mais eficácia, muitos mamíferos, como o lanoso mamute, aumentaram de tamanho. Mesmo nas zonas temperadas da Austrália, os animais tornaram-se imensos. E logo a região foi tomada por grandes cangurus carnívoros e por um leão marsupial com o dobro do tamanho de um leopardo.
“Ele era um predador enorme e ameaçador”, comenta o paleontólogo Steve Wroe, da Universidade de Sydney, enquanto admira um fóssil, medindo 30 centímetros, do crânio de um leão marsupial de 40 mil anos atrás. “Os grandes dentes conferem-lhe uma vantagem maior que a de qualquer outro mamífero carnívoro. Eles servem para destroçar carne. O animal morreria de fome se tivesse de se alimentar de frutas e vegetais.”
Esses grandes mamíferos desapareceram entre 100 mil e 20 mil anos atrás. No campo da paleontologia, poucas controvérsias são mais acesas do que a relativa aos motivos do sumiço dessa megafauna – não apenas na Austrália, mas também na América do Norte, onde mamutes, cavalos, camelos e outros enormes mamíferos da Era Glacial se extinguiram por volta de 11 mil anos atrás. Muitos atribuem isso a mudanças climáticas. Outros responsabilizam os seres humanos, que dizimaram os gigantes com suas lanças.
Os humanos podem ou não ter eliminado os mamíferos gigantes da Era Glacial. Mas hoje não resta dúvida de que ameaçamos incontáveis espécies à medida que destruímos seu hábitat. Na Flórida, peixes-boi são despedaçados pelas hélices dos barcos. Caçadores clandestinos abatem rinocerontes em Ngorongoro. No Sudeste Asiático e na Amazônia, florestas são desmatadas. E tudo isso feito pelo mais inteligente dos mamíferos. A evolução nos concedeu o dom da inteligência, mas será que não somos espertos demais para o nosso próprio bem? Se pudéssemos retroceder no tempo até a aurora dos antropóides, que outros caminhos poderíamos ter tomado?
Uma possível resposta encontra-se a 8 mil quilômetros de distância do espetáculo dos mamíferos no Serengeti, em meio às florestas pluviais da Indonésia, de Bornéu e das Filipinas. Ali vive o társio, citado por Chris Beard como exemplo de um caminho não trilhado pelos primatas. “Eles são estranhos”, diz Beard. “Conseguem girar a cabeça por até 270 graus. São o equivalente, entre os primatas, da coruja. Mas são os parentes vivos mais próximos dos primatas superiores.”
Os társios partilham um ancestral comum com todos os antropóides. Eles não possuem tapetum lucidum – a camada refletora encontrada nos olhos dos animais noturnos. Essencial para a visão em condições de baixa luminosidade, o tapetum lucidum é o que faz brilhar os olhos das criaturas noturnas quando são surpreendidas por um foco de luz. Ao contrário da maioria de seus parentes, em algum momento os társios reverteram a um modo de vida noturno e, para se adaptar, tiveram de desenvolver olhos enormes. Quando a luz incide nos olhos de um lêmure à noite, eles brilham. No caso do társio, isso não acontece.
Em Bornéu, onde esses primatas são considerados portadores de má sorte, pouca gente se preocupa com sua extinção. “Eles nos assustam com seus olhos enormes”, diz Lemon Ales, do vilarejo de Kampung Duras, em Sarawak. Outros consideram os társios como totem, pois às vezes eles são vistos em campos de arroz, agarrados ao caule da planta, como se estivessem de guarda.
Lemon Ales e eu nos embrenhamos pela selva ao anoitecer. A mata está repleta dos mesmos tipos de árvores frutíferas que permitiram aos primatas prosperar no Eoceno. Com a ajuda de lanternas, seguimos tropeçando por horas pela escuridão. Nenhum társio apareceu. Talvez estivessem por lá: a gente da região diz que, se as criaturas ficam imóveis, é impossível vê-las.
O zoológico de Cingapura tentou evitar que seus visitantes sofressem a mesma decepção. Seus társios podem ser vistos atrás de uma parede de vidro que protege um trecho simulado de floresta. “Só seis zoológicos no mundo possuem társios”, diz C.S. Menon, o responsável pelos animais do zoológico. “Eles ficam muito estressados e morrem em cativeiro.”
Impacientes, às vezes agressivos, os visitantes tagarelam em incontáveis línguas, do neerlandês ao japonês, enquanto aguardam o momento de subir nos trenzinhos do zoológico que os levarão para conhecer o bicho que poucos têm a sorte de ver à noite em uma floresta.
Muitos saltam do trenzinho, ficam um instante diante da jaula e logo seguem adiante. Mesmo ali, sob condições ótimas de visão noturna – a luz simulada de uma lua cheia –, não é fácil localizar os animais. Mas eu não vou desistir.
Por fim, como um relâmpago, um deles salta do nada para agarrar um grilo com as mãos e pousa em um ramo mais fino. Ali fica sentado, mastigando e girando sua pequena cabeça. Ninguém consegue fitar os enormes olhos de nosso primo distante sem sentir assombro pela distância que hoje nos separa. Nossa inteligência talvez seja uma séria ameaça contra os animais selvagens do mundo e contra nós mesmos – mas também é graças a ela que podemos nos maravilhar. E nos preocupar. Pois ninguém sabe aonde esse caminho irá nos conduzir.
Então, num piscar de olhos, o társio sumiu.