Rã brasileira é nova recordista mundial de cromossomos sexuais
Espécie de anfíbio da Amazônia tem 6 pares de cromossomos X ou Y, superando o ornitorrinco, que tem 5, segundo cientistas da Unesp
Herton Escobar
31 Janeiro 2018 | 07h00
31 Janeiro 2018 | 07h00
Os cromossomos sexuais são aqueles que determinam o sexo do indivíduo. Os seres humanos, assim como a maioria dos mamíferos, tem apenas um par (XX nas fêmeas ou XY, nos machos) dentre os 23 que compõem o genoma da nossa espécie. Os pesquisadores ainda não sabem dizer qual seria a vantagem — ou necessidade — de ter tantos cromossomos sexuais a mais, como no caso desta rã; mas o fato é que eles estão lá. Ela, inclusive, tem mais cromossomos sexuais (12) do que não sexuais (10), o que é totalmente inusitado.
“Ainda precisamos elucidar o significado biológico disso”, contou ao blog o biólogo Thiago Gazoni, do Instituto de Biociências da Universidade Estadual Paulista (Unesp) em Rio Claro. Ele é o primeiro autor do trabalho publicado nesta semana na revista Chromosoma, detalhando a descoberta.
O achado foi tão inusitado que a primeira vez que a equipe examinou os cromossomos na lâmina do microscópico, pensou: “Tem alguma coisa errada aqui”, lembra a professora Patricia Maltempi, que orientou o trabalho. “Isso é inédito e mostra um sistema totalmente diferente do que já é conhecido para vertebrados”, explica. “Esses dados são só o início para muita coisa que ainda temos para estudar e mostrar sobre a determinação do sexo, e a relação disso com a evolução em geral.”
A descoberta foi ainda mais surpreendente porque um dos últimos lugares onde os cientistas esperariam encontrar algo desse tipo seria numa rã. Isso porque os anfíbios não costumam ter cromossomos que diferem morfologicamente (heteromórficos) entre machos e fêmeas. “E quando têm, é apenas um par, como nos mamíferos”, explica Gazoni.
O achado apareceu em meio ao seu trabalho de doutorado, envolvendo a análise da composição cromossômica (citogenética) de várias espécies desse mesmo gênero. O Leptodactylus pentadactylus é um bicho bastante comum na Amazônia e não tem nenhuma característica morfológica que “salte aos olhos” como algo fora do comum — como saltaram seus cromossomos, logo que os pesquisadores bateram os olhos neles. Ele é um dos maiores anfíbios do país, podendo chegar a 20 cm de comprimento, e pertence a um grupo popularmente conhecido como “rãs-pimenta” (porque secretam substâncias “ardidas” como pimenta na pele para se proteger de predadores).
“É um bicho de floresta que vive perto de corpos d’água; normalmente em ambientes de água parada”, diz o pesquisador Celio Haddad, especialista em anfíbios da Unesp Rio Claro, que co-orientou a pesquisa.
Prova de que nem sempre é preciso viajar para lugares remotos e caçar bichos raros para fazer grandes descobertas. Coisas novas e fascinantes podem surgir mesmo das espécies mais comuns e ordinárias, quando nos damos ao trabalho de pesquisá-las. Mais um bom exemplo da beleza da ciência básica e da riqueza da biodiversidade brasileira!
Nova espécie? — Aliás, para fechar a história com chave de ouro, é muito provável que as rãs usadas na pesquisa representem uma nova espécie, diferente do Leptodactylus pentadactylus “comum”. O estudo foi todo baseado em amostras biológicas de 13 indivíduos (7 machos e 6 fêmeas) coletados entre 2012 e 2014 das florestas de Paranaíta, município no norte de Mato Grosso. Os dados indicam fortemente que esse grupo é geneticamente distinto de outras populações de Leptodactylus pentadactylus, encontradas em outras regiões — suficientemente diferente para ser considerado uma nova espécie.
Caso isso seja confirmado, a nova espécie deverá ser batizada em homenagem à professora Sanae Kasahara, bióloga e geneticista da Unesp, falecida no início deste ano, prestes a completar 71 anos de idade.
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