Pesquisadores brasileiros e australianos avaliam efeitos do garimpo no rio Madeira
26 de março de 2019
Elton Alisson | Agência FAPESP – Apesar de ter
entrado em declínio a partir de 1985, o garimpo de ouro em minas de
aluvião nas margens e leito do rio Madeira tem deixado um rastro de
poluição por metais tóxicos no maior afluente do rio Amazonas.
Um estudo feito por pesquisadores da Universidade Estadual Paulista
(Unesp), campus de Rio Claro, em parceria com colegas da Queensland
University of Technology, da Austrália, encontrou um nível relativamente
alto de mercúrio acumulado em sedimentos de lagos do rio Madeira –
gerado pela extração artesanal de ouro.
Os resultados do trabalho, apoiado pela FAPESP no âmbito da modalidade São Paulo Researchers in International Collaboration (SPRINT), foram publicados na revista Ecotoxicology and Environmental Safety. O estudo tem a participação de pesquisadores da Universidade Federal de Rondônia (Unir) e da Shenzen University, na China.
“Embora tenha diminuído a intensidade da extração de ouro por
mineração artesanal e de pequena escala no rio Madeira nas últimas duas
décadas, essa atividade continua a ser a principal fonte de emissão de
mercúrio que encontramos em sedimentos de lagos daquela bacia”, disse Daniel Marcos Bonotto, professor da Unesp de Rio Claro e primeiro autor do estudo, à Agência FAPESP.
O projeto é o segundo que Bonotto realiza com apoio do SPRINT da
FAPESP. O primeiro foi em 2016, quando ele se associou a Trevor Elliot,
professor da Queen’s University Belfast, da Irlanda, em um estudo sobre traçadores ambientais para a gestão de recursos hídricos.
“O SPRINT favorece a mobilidade e a identificação de projetos em
colaboração com pesquisadores do exterior, mesmo que ainda não estejam
formatados”, disse Bonotto.
Colaborações internacionais
A criação de novas parcerias em pesquisa é justamente um dos
objetivos do SPRINT, modalidade que completa cinco anos. Lançada em
abril de 2014, com o objetivo de promover o avanço da pesquisa
científica por meio de colaborações entre pesquisadores vinculados a
universidades e instituições de pesquisa no Estado de São Paulo e
cientistas parceiros no exterior em projetos conjuntos de médio e longo
prazo, essa estratégia de organização da FAPESP oferece financiamento
para a fase inicial de colaborações internacionais em pesquisa – o
chamado seed funding (financiamento semente).
“A expectativa da FAPESP é que o seed funding oferecido,
somado aos recursos da universidade parceira, permita aos pesquisadores
interagir em um projeto e, ao mesmo tempo, desenvolver uma colaboração
que leve a uma proposta de pesquisa conjunta de médio ou longo prazo a
ser submetida à Fundação e às agências estrangeiras acessíveis pelo
pesquisador parceiro”, disse Carlos Henrique de Brito Cruz, diretor
científico da FAPESP.
Como explicou Marilda Solon Teixeira Bottesi, assessora para
colaborações em pesquisa da FAPESP, os objetivos do SPRINT são
consolidar parcerias de pesquisa já existentes ou estimular novas
colaborações por meio do financiamento de missões científicas.
“Por meio dos projetos apoiados pelo SPRINT, os pesquisadores
participantes têm a oportunidade de visitar as instituições e conhecer
os laboratórios e as pesquisas conduzidas por seus parceiros e, com
isso, propor projetos conjuntos”, disse.
A parceria de Bonotto com pesquisadores australianos, por exemplo,
permitiu ampliar a investigação que o grupo dele na Unesp iniciou ainda
na década de 1990, quando começaram a coletar sedimentos de diferentes
profundidades e rochas circundantes de lagos do rio Madeira, em Porto
Velho (RO), a fim de avaliar as concentrações e determinar as fontes de
mercúrio.
O metal tóxico, que representa um risco para a saúde ao ser ingerido
por meio do consumo de peixes, pode contaminar as águas do Madeira
naturalmente ao ser transportado do solo para cursos de água, ou pelas
emissões atmosféricas de erupções vulcânicas dos Andes. Além disso,
também pode ser gerado pelo garimpo de ouro de aluvião, explicou
Bonotto.
“Chegamos a presenciar durante estudos em campo o descarte direto de
mercúrio por garimpeiros em lagos do Madeira”, disse Bonotto.
A fim de estimar a contribuição de fontes naturais e do garimpo de
ouro de aluvião para as concentrações de mercúrio encontradas em lagos
do rio Madeira, os pesquisadores fizeram uma análise dos dados de
sedimentos e de rochas de nove lagos, baseada em redes bayesianas.
Esses modelos gráficos, que representam de forma simples as relações
de causalidade das variáveis de um sistema, têm sido usados para
entender redes ambientais complexas, como para a predição de abundância
de espécies em função de características de hábitat.
“Nossos colegas da Austrália, especialistas nessa abordagem
estatística, acharam interessante tentar usá-la para avaliar a
contribuição das diferentes fontes de emissão de mercúrio em lagos do
rio Madeira com base nos dados de sedimentos que coletamos”, afirmou
Bonotto.
Os resultados das análises indicaram que, embora as formações
geológicas e do solo dos ecossistemas amazônicos influenciem o
transporte de mercúrio nos lagos do rio Madeira, o garimpo de ouro de
aluvião tem uma grande parcela de contribuição na geração do metal
encontrado nessa bacia.
Os pesquisadores constataram que os sedimentos de fundo dos lagos
apresentavam concentrações significativamente mais elevadas de mercúrio
do que as rochas circundantes – o que afasta a hipótese dessas últimas
serem a fonte de emissão do metal.
Uma vez que a mineração de ouro diminuiu significativamente na região
nos últimos anos, as emissões anteriores de mercúrio por essa atividade
contribuíram para as altas concentrações do metal encontradas nos
sedimentos dos lagos, apontaram os autores do estudo.
“Normalmente, os sedimentos de fundo de lagos costumam reter muitas
evidências de poluição. As colunas de sedimentos que coletamos, por
exemplo, de diferentes profundidades, retêm registros de poluição por
mercúrio de vários anos”, disse Bonotto.
Agora, em colaboração com os colegas australianos da Queensland
University of Technology, Bonotto pretende usar a mesma abordagem
estatística para estimar as fontes de emissão de cromo pela indústria de
calçados de Franca em rios da região.
“Também queremos avaliar a influência de nitrato no transporte de
urânio em águas subterrâneas do aquífero Guarani, no Estado de São
Paulo”, disse Bonotto.
O SPRINT tem quatro chamadas por ano. As propostas devem ser
apresentadas sempre até a última segunda-feira dos meses de janeiro,
abril, julho e outubro. A primeira chamada
deste ano, com prazo final para envio de propostas até 29 de abril,
bateu o recorde de instituições participantes. São 16 instituições de
diversos países.
O SPRINT já apoiou mais de cem projetos de pesquisa realizados por
pesquisadores vinculados a universidades públicas e privadas e a
instituições de pesquisa sediadas no Estado de São Paulo em colaboração
com cientistas da Inglaterra, Estados Unidos, Austrália, França,
Holanda, Canadá, Irlanda, Irã, Argentina, Espanha, África do Sul, País
de Gales, Escócia, Alemanha, Bélgica, China, Suécia, Chile, Japão e
Dinamarca.
A chamada de propostas SPRINT 1/2019 está publicada em: www.fapesp.br/sprint/chamada12019.
O artigo Assessing mercury pollution in Amazon River tributaries using a bayesian network approach
(DOI: 10.1016/j.ecoenv.2018.09.099), de Daniel Marcos Bonotto, Buddhi
Wijesiri, Marcelo Vergotti, Ene Glória da Silveira e Ashantha
Goonetilleke, pode ser lido por assinantes da revista Ecotoxicology and Environmental Safety em www.sciencedirect.com/science/article/pii/S0147651318309734.
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