quinta-feira, 14 de julho de 2022


 

Afinal, o que as cinco primeiras imagens do Telescópio James Webb nos revelam?

As capturas de tirar o fôlego deste conjunto de imagens, que incluem a visão mais profunda em infravermelho de galáxias antigas, são uma prévia dos trabalhos espetaculares que ainda estão por vir com o observatório espacial mais poderoso da história.
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A imagem do Telescópio Espacial James Webb revela centenas de estrelas recém-nascidas antes invisíveis no berço estelar conhecido como Nebula Carina, um vasto aglomerado de gás e poeira a 7.600 anos-luz da Terra. Crédito: Nasa, ESA, CSA and STScI

A próxima grande era da astronomia verdadeiramente começou nesta manhã (nos EUA). Depois de quase três décadas de um desenvolvimento cheio de complicações, US$ 10 bilhões gastos, um lançamento de estremecer o coração no Natal de 2021 e meio ano de roer as unhas durante as suas preparações delicados no espaço profundo, o Telescópio Espacial James Webb entregou o conjunto completo de suas primeiras imagens coloridas. 

O próprio presidente Joe Biden apresentou uma prévia na noite de ontem na Casa Branca, revelando o que está destinado a se tornar a imagem mais icônica do conjunto. 

“Essas imagem farão o mundo lembrar que os Estados Unidos são capazes de grandes conquistas, e farão os americanos — especialmente nossas crianças — lembrarem que não há nada para além de nossa capacidade”, afirmou o presidente durante o evento. “Podemos ver possibilidades que ninguém nunca viu. Podemos ir a lugares onde ninguém nunca foi.”

Construído pela Nasa, assim como pelas agências espaciais canadense e europeia, o Webb recebeu, apesar da controvérsia, o nome de um antigo administrador da Nasa, e é o observatório espacial mais poderoso já criado. Mas, durante algum tempo, ele parecia mais com uma piada sádica nos círculos de astrônomos: as demandas técnicas empurraram o projeto tanto para além do orçamento e para trás de sua agenda que muitos suspeitavam que ele nunca seria lançado. 

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Agora, ele promete revolucionar nosso entendimento do cosmos em uma missão que pode se estender até a década de 2040. Cada uma das novas imagens do telescópio requereu a capacidade total de pelo menos um dos quatro instrumentos principais do Webb, assim como seu enorme espelho primário segmentado de 6,5 metros, composto de 18 painéis hexagonais do tamanho de uma mesa de café feitos de berílio laminado a ouro. Eles se dobraram na posição correta como um origami para encaixar-se no foguete de lançamento Ariane 5. 

Empoleirado a 1,5 milhão de quilômetros da Terra e protegido por um quebra-sol de diversas camadas do tamanho de uma quadra de tênis, os instrumentos do telescópio permanecem em uma temperatura próxima a do vácuo espacial. Esse “congelamento” os permite ver — ou “sentir” — o brilho infravermelho de galáxias para além de distantes, planetas próximos e tudo que está entre os dois. 

Até antes da divulgação oficial das primeiras imagens de hoje, imagens anteriores produzidas para guiar a complexa instrumentação de espaço profundo do Webb davam pistas de suas capacidades incríveis. Capturas simples de uma estrela, obtidas pelo instrumento mais flexível do telescópio, a Câmera Quase Infravermelha (NIRCam, em inglês), também acabou incluindo mais de mil galáxias de fundo invadindo a imagem. Seu brilho seria simplesmente fraco demais para que apareçam nas lentes de qualquer outro observatório. 

Esses testes preliminares, afirma Marcia Rieke, investigadora principal da NIRCam da Universidade do Arizona, mostraram que “todos os instrumentos do Webb estão atingindo uma sensibilidade melhor do que planejamos” e que a performance do espelho também está excedendo expectativas. Com essas novas imagens, afirma Rieke, “passamos a ver que o retorno científico provavelmente será ainda maior do que ousamos acreditar”.

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Uma comparação lado a lado mostra as observações notoriamente detalhadas feitas pelo Webb da Nebula do Anel do Sul em luz quase-infravermelha (esquerda) e infravermelha média (direita). Localizada a mais de 2.000 anos-luz da Terra, a nebula é composta de camadas de gás e poeira expelidas por uma estrela moribunda que, em cada imagem, pode ser vista próxima ao centro da nebula. Crédito: Nasa, ESA, CSA and STScI

Todos os olhos no Webb

Projetado para mostrar a largura e a profundidade da visão cósmica do Webb (ao mesmo tempo que para servir como uma vista arrebatadora), as primeiras imagens realmente não desapontaram. Entre elas estão vistas sem precedentes da Nebulosa Carina — um berço estelar agitado a quase 7.600 anos-luz da Terra, que é iluminado por enormes estrelas brilhantes e com vida curta — como também uma captura da Nebulosa do Anel do Sul, um sol moribundo a mais de 2 mil anos luz de distância expelindo sua camada superficial rica em elementos na forma de camadas de gás brilhante. 

O ciclo de criação e destruição celestial continua em outras imagens a mais de 290 milhões de anos-luz de distância, que capturam o Quinteto de Stephan de galáxias em interação. Elas estão brilhando em um intenso período de formação estelar dentro das ondas de choque intergalácticas conforme o quinteto lentamente se une em apenas uma galáxia gigantesca.

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As galáxias em interação do Quinteto de Stephan capturadas pelo Webb a aproximadamente 290 milhões de anos-luz da Terra. Cobrindo um quinto do diâmetro da Lua, esse mosaico foi construído a partir de quase mil imagens separadas, e revela detalhes nunca antes vistos desse grupo de galáxias. Crédito: Nasa, ESA, CSA and STScI

Mas o âmbito completo da audácia científica do Webb é melhor revelado através de duas outras imagens — uma impactante e a outra sutil. 

A sutil é um espectro — essencialmente apenas uma série tortuosa de picos e vales registrando como diversos comprimentos de onda de luz brilham através da camada superior da atmosfera de WASP-96b, um exoplaneta chamuscado com metade da massa de Júpiter que gira ao redor de uma estrela a mais de mil anos-luz de distância uma vez a cada 3,4 dias. Esse espectro quase nem são imagens, mas podem revelar a composição total de um objeto, afirma Knicole Coln, a vice-cientista de projeto para ciência de exoplanetas no Centro de Voos Espaciais Goddard, da Nasa. “Webb fornecerá o primeiro espectro de resolução relativamente alta da atmosfera de exoplanetas, começando um novo capítulo na era de caracterização de exoplanetas”, adiciona ela. 

A imagem feita pelo Webb do aglomerado de galáxias SMACS 0723 revela milhares de galáxias, entre elas as mais distantes e com menor brilho já vistas em infravermelho. Essa imagem cobre um trecho do céu equivalente ao tamanho de um grão de areia sendo segurado com os braços esticados. Crédito: Nasa, ESA, CSA and STScI

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Um total de 70% do primeiro ano de observações do observatório está reservado para observações que envolvem capturar o espectro de algum tipo de alvo, de acordo com Klaus Pontoppidan, o cientista de projeto do Webb no Instituto de Ciência do Telescópio Espacial. 

A maioria dessas medições irá rastrear a evolução química de galáxias ao longo do tempo e dentro de estrelas e discos formadores de planetas espalhados pela Via Láctea. Mas uma parte delas irá, ao invés disso, registrar o espectro de uma série de mundos de tamanho pequeno e temperatura amena distribuídos ao redor de estrelas próximas para detectar a presença de gás carbônico atmosférico, vapor de água, metano e outros compostos associados com habitabilidade e vida. Mesmo que seja improvável, um desses espectros poderia prover a primeira evidência convincente de que não estamos sozinhos no cosmos. 

O espectro do exoplaneta WASP-96b produzido pelo Webb, sobreposto a uma ilustração artística. O espectro revela a presença de vapor de água, assim como nuvens e névoa na atmosfera desse mundo gigante gasoso, que existe em uma órbita de 3,4 dias ao redor de uma estrela a cerca de mil anos-luz da Terra. Crédito: Nasa, ESA, CSA and STScI

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Telescópio Espacial James Webb faz suas primeiras imagens

A mais impressionante das imagens do primeiro conjunto tem pouco a ver com a busca por vida extraterrestre, mas ainda é tão espectacular que ela convenceu a Casa Branca a mudar seus planos de última hora, permitindo que o presidente Biden participe da glória do observatório ao apresentá-la para o mundo um dia antes do que a Nasa havia originalmente planejado.

Capturada pela NIRCam, essa imagem é uma observação de campo profundo da SMACS 0723, uma região tumultuada do cosmos cheia de galáxias, como joias em um veludo escuro. A maioria dessas joias galácticas estão a mais de 4,5 bilhões de anos-luz de distância, mas elas são uma distração de primeiro plano para o tesouro real, que pode ser encontrado nas formas fracas e distorcidas pairando além da escuridão. Toda a imagem lotada de galáxias corresponde a um trecho do céu noturno do tamanho de, aproximadamente, um grão de areia na ponta de um braço estendido. (Veja aqui uma versão de alta resolução, para dar zoom.)

Contemplando a alvorada cósmica

O conjunto total das galáxias aglomeradas da SMACS 0723 é tão grande que distorce o espaço ao seu redor, formando “lentes gravitacionais” semelhantes a um bolha, através da qual a luz mais fraca de galáxias muito mais distantes — talvez alguns dos primeiros objetos luminosos do cosmos — é distorcida e ampliada à vista. Essas imagens fazem do Webb menos um telescópio e mais uma máquina do tempo, porque ele coleta luz de éons atrás, liberada para o espaço apenas alguns momentos (na escala da vida do Universo) depois do Big Bang, durante a chamada “alvorada cósmica”, quando acredita-se terem se formado as primeiras estrelas e galáxias. 

O Telescópio Espacial Hubble e outros instrumentos predecessores já capturaram imagens semelhantes, mas não possuíam a sensibilidade necessária para detectar essas galáxias mais distantes, as quais o Webb consegue ver aos montes. Esses objetos aparecem não apenas com pouco brilho e tamanho reduzido no céu, mas também ficam tão distantes no passado que a subsequente expansão do Universo alongou os comprimentos de onda da luz que emitem, puxando-os para o infravermelho (“redshift”). Eles são a questão elusiva que o Webb foi projetado para responder desde de o surgimento do projeto em um obscuro relatório técnico de 1996, que se referia a ele, após o Hubble, com o simples nome de Telescópio Espacial da Próxima Geração. 

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Para saber o quão distante no passado chegaram as observações de campo profundo do SMACS 0723, afirma Rieke, serão necessárias observações adicionais para medir os redshifts para cada galáxia alterada pela lente gravitacional. Mas o que é certo é que essa é a imagem infravermelha mais profunda e mais clara já feita do Universo — um fato que está claro para os que ajudaram a criá-la. 

Fazendo uma referência enigmática a imagem em uma coletiva de imprensa semanas antes da sua divulgação, Thomas Zurbuchen, administrador associado do Diretório de Missões Científicas da NASA, afirmou que ver as primeiras capturas do Webb quase o fez chorar. 

A tarefa de baixar e então distribuir os dados brutos do Webb à equipe de 30 pessoas que preparou suas imagens inaugurais recaiu sobre Pontoppidan, que foi o primeiro a ver a observação de campo profundo do SMACS 0723. Por um breve momento, no escritório de sua casa, ele fitou mais longe nas profundidades luminosas do Universo do que qualquer outro terráqueo. “Provavelmente, eu passei duas horas apenas encarando a imagem”, relembra, “sentado no meu porão, na frente da tela do meu computador e me sentindo muito só neste mundo.” 

A imagem produziu uma sensação semelhante quando o resto da equipe a viu durante um encontro presencial. “Foi comovente”, afirma Pontoppidan. “Todas as pessoas naquela sala ficaram quietas por um bom tempo.”

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Para ver essa imagem — e ficar, mesmo que por um momento, perdido nas profundidades indescritíveis repletas de galáxias — significa apreciar até onde chegamos. O Webb é tão tecnicamente intimidador que, nas palavras de Keith Parrish, gerente do observatório no Centro Goddard, ele “não queria existir”. Ainda assim ele foi bem-sucedido, sobrevivendo a numerosas experiências de quase-morte no seu caminho de décadas até a plataforma de lançamento e então, desafiando as probabilidades, passou por uma série de implantações decisivas para além da Terra. 

Ver sua primeira observação dedicada a um campo profundo revela uma jornada ainda mais épica, tingida com o que pode ser chamado de divino: ao ter um vislumbre dessas galáxias recém-nascidas incandescendo com a luz das primeiras estrelas, vemos nossos ancestrais cósmicos mais antigos emergindo do vácuo, adquirindo forma e esperando tudo o que está por vir — a Via Láctea, o Sol, a Terra e nós — latentes em sua majestade anciã.

Talvez se encaixando com isso, quando mais sabemos sobre as origens do Webb — e quanto mais ele revela sobre a nossa origem — mais milagrosa parece ser a sua e a nossa existência. Para aqueles capazes de captar isso, o grande peso desse conhecimento nos imobiliza dentro de um espaço de contemplação para além das palavras, fazendo o coração estremecer da mesma forma que qualquer sermão ou hino. 

“A astronomia possui uma capacidade inerente de nos fazer pensar maior — para pensar para além de nós mesmos e considerar nosso lugar no Universo”, afirma Amber Straughn, vice-cientista de projeto no Centro Goddard. “Exploração e descobrimento tocam em algo importante dentro de todos nós — são partes cruciais do que nos faz humanos. Esse telescópio mudará como entendemos o Universo de maneiras que nunca antes sonhamos.” 

O que vem por aí para o Webb

O sucesso do observatório, proclama Pontoppidan com capricho, se opõe às avaliações muito comuns e sempre pessimistas de que nosso presente momento na Terra seria a pior linha do tempo em algum multiverso fictício. “O lançamento e comissionamento inicial do Webb pode ser visto, até o momento, como dividido entre dois mundos radicalmente diferentes”, diz ele. “Há um mundo onde colocamos US$ 10 bilhões neste complicado observatório de origami, e ele simplesmente colapsou em um enorme fiasco. E também há o mundo que estamos vivendo, onde ele funcionou! Para onde quer que formos a partir daqui, com o Webb — e com a astronomia em geral —, será a um lugar muito diferente.”

E como quase todos os astrônomos o lembrarão com entusiasmo, a missão transformadora do telescópio apenas começou. “É uma coisa prever seu poder de observação, mas é algo completamente diferente ver o que o Webb pode produzir quase sem se esforçar”, afirma Coln. “Essas primeiras imagens são apenas a ponta do iceberg das capacidade do Webb.”

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A imagem mais profunda do Universo produzida pelo Hubble, aponta Pontoppidan, levou 14 dias de observação do mesmo ponto no céu. A imagem recordista de campo profundo do Webb — junto de todas as outras reveladas hoje — emergiram coletivamente de um total de apenas cinco dias de observações. “Sabe, nem estávamos tentando destacar um objeto ou criar a imagem mais profunda para sempre”, afirma ele. “O que quer que tenhamos feito, outros cientistas usando o Webb poderão fazer ainda melhor — e mais rápido.” 

Esse ritmo estonteante, afirma Jane Rigby, cientista de projetos de operação do telescópio no Centro Goddard, faz do Webb “um carro esportivo Bugatti entre um mundo de cavalos e carroças”.

“É como a diferença entre viajar entre três e 300 quilômetros por hora”, diz ela. “E agora estamos indo colocá-lo na pista de corrida. Então, o quão profundo e o quão longe poderemos ir quando soltarmos os freios a afundarmos o acelerados? Eu estou tão animada como qualquer outro em relação a essas cinco imagens, mas meu coração está com as milhares e milhares de horas de projetos científicos revisados por pares e selecionados de forma competitiva que estamos começando a realizar durante o primeiro ano de observações do Webb.”

Lee Billings

Lee Billings é um editor sênior de espaço e física da Scientific American.

Publicado originalmente no site da Scientific American dos EUA em 12/07/2022; aqui em 13/07/2022.

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