Cobras jurássicas
Revendo exemplares em museus, pesquisadores encontraram os
registros mais antigos desses répteis, com aproximadamente 167 milhões
de anos. A descoberta, tema da coluna de Alexander Kellner, demonstra
que a diversificação desses animais é bem anterior ao que se supunha.
Publicado em 13/03/2015
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Atualizado em 13/03/2015
Fóssil de ‘Eupodophis descouensi’. Observe o membro
posterior (seta vermelha) preservado nessa cobra encontrada em rochas
formadas há mais de 90 milhões de anos no Líbano. (foto: Rage,
Jean-Claude e Escuillié, François/ Carnets de Géologie).
Hoje existem mais de 3 mil espécies de cobras conhecidas, distribuídas em todos os continentes, com exceção da Antártica. Mas e no passado? Como eram as primeiras formas e como esses répteis evoluíram ao longo do tempo para se tornar o que são hoje em dia?
Essas não são perguntas triviais, já que o registro desses animais preservados nas rochas é bastante escasso. No entanto, um estudo liderado por Michael Caldwell (University of Alberta, Edmonton, Canadá) publicado na Nature Communications acaba de iluminar essas questões, revelando os registros mais antigos desses répteis. O curioso é que as descobertas não foram feitas no campo, como geralmente acontece, mas sim nas gavetas de alguns museus.
Serpentes com patas
Sei que essa informação vai parecer estranha ao leitor, mas as cobras, que conjuntamente são classificadas em um agrupamento denominado de Serpentes, são parentes dos lagartos e pertencem ao grupo dos Squamata. Isso significa dizer que são lagartos modificados.
Entre as espécies com material mais completo, destacam-se Eupodophis descouensi e Pachyrhachis problematicus, serpentes marinhas com comprimento menor que um metro e dotadas de membros posteriores.
Tentando compreender um pouco mais a origem das cobras, Mike e colegas começaram a inspecionar coleções de Squamata coletadas em depósitos jurássicos. Revendo alguns restos já estudados, eles acabaram por constatar que duas espécies descritas anteriormente como lagartos, mais especificamente referidas ao grupo Anguimorpha, eram, na verdade, cobras. São elas: Parvirator estesi, procedente de depósitos da Inglaterra cujas idades são tidas como jurássicas ou cretáceas; e Parvirator gilmorei (que os pesquisadores alocaram em um gênero novo, Diablophis), procedente de depósitos comprovadamente jurássicos (Formação Morrison) dos Estados Unidos.
Além dessas, os autores propuseram duas espécies novas. A mais antiga é Eophis underwoodi, encontrada em rochas formadas há aproximadamente 167 milhões de anos na Inglaterra, e Portugalophis lignites, do jurássico superior (entre 161 milhões e 200 mil e 145 milhões e 500 mil anos atrás) de Portugal.
Evolução antiga e complexa
Outro fator bem interessante do trabalho de Mike e colegas está no
fato de que essas cobras jurássicas foram encontradas em ambientes bem
distintos. Portugalophis vivia em áreas pantanosas, Parvirator e Eophis em ambientes transicionais de lagoas e lagos costeiros, e Diablophis
habitava regiões próximas a rios. Isso indica claramente que a evolução
das cobras é bem mais complexa e antiga do que se supunha.
Também temos no Brasil fósseis de serpentes, mas
ainda pouco numerosos. O registro mais antigo tem aproximadamente 90
milhões de anos.
Falando em pesquisa, também temos no Brasil fósseis de serpentes, mas ainda pouco numerosos. O registro mais antigo, estudado por Annie Hsiou (Universidade de São Paulo, campus de Ribeirão Preto) e colegas, é de Seismophis septentrionalis, baseado em uma única vértebra encontrada em rochas formadas há aproximadamente 90 milhões de anos no Maranhão. Uma segunda vértebra talvez também represente a espécie, segundo os autores.
Quem sabe se conseguirmos reverter a falta de financiamento do CNPq aos estudos paleontológicos, não podemos também intensificar a busca pelas serpentes fossilizadas, além de outros organismos, no próprio país?
Alexander Kellner
Museu Nacional/UFRJ
Academia Brasileira de Ciências
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